Volume 1 – Arco 4
Capítulo 30: Festival
E finalmente o amanhã chegou, e dava para ver o quão animado Ahrija estava na sua roupa nova, era uma camisa mais folgada azul, as calças brancas e o tradicional pano passado pela transversal do corpo da mesma cor das calças, os cabelos sempre estavam rebeldes, mas agora com os chifres crescendo, parece que ficaram ainda mais cheios.
Sorria animado se olhando no espelho, feliz por ganhar roupas novas já pela terceira vez desde que chegou naquele lugar, estava ainda mais ansioso para ter uma diversão só com Eliassandra, fazia um tempo que não tinha sua amiga só para si.
Já a pequena princesa estava tentando não parecer tão entediada com aquilo, Salis era habilidoso, penteava os cabelos da menina que agora estavam chegando aos ombros de tão longos, mesmo num corte para igualar o tamanho.
Elia vestia um vestido curto também azul, com detalhes brancos, e aquela faixa transversal branca pelo peito, se encarava no espelho de mesa, era estranho ser bem cuidada ainda, encarando aquele rosto no espelho às vezes não se reconhecia totalmente, às vezes aquela pessoa parecia errada.
Outras vezes parecia que só ela existia.
Como se nada existisse antes daquilo, mas aquelas memórias…
Elas não iam embora, e não tinha ninguém que a entendesse como precisava, nem sabia se mais alguém passava por tal coisa, era uma situação curiosa de se estar, mas agora só conseguia engolir ela e fingir que estava tudo bem dentro do possível.
Afinal ela já tinha desistido de parecer normal para aquelas pessoas:
— Acabei. — Salis disse após terminar de pentear os cabelos.
Tinha feito uma pequena trança solta na lateral para não deixar as coisas tão simples assim, Elia acenou com a cabeça antes de descer da cadeira alta que estava e andar até onde Ahrija estava sorridente:
— Podem ir na frente, vamos nos arrumar. — Quevel avisou.
— Não, eu quero esperar vocês. — Ahrija tentou protestar, mas Elia estava puxando o amigo. — Que? Por que?
— Adultos precisam ficar um tempo sozinhos. — Foi o argumento dela, enquanto puxava o amigo.
Ahrija quis reclamar, mas apenas seguiu para fora de casa, a praça já estava toda iluminada, com postes decorados levantados, no centro tinha o palco onde iria acontecer a peça principal do espetáculo, da qual não sabia nada.
Algumas barracas já estavam montadas, outras sendo organizadas aos poucos, mas o cheiro de comida já estava evidente no ar, algumas não sabia o que eram, outras sabia identificar:
— Quer comer algo? — Eliassandra questionou.
Ainda estava de mãos dadas com Ahrija, já que ele parecia uma criança hiperativa… Mas ele era uma criança, tinha sempre que lembrar desse fato que às vezes se perdia na sua mente.
O local era confortável para Elia, o cheiro de comida realmente lhe chamava atenção:
— Ei, pirralha humana.
A voz já conhecida de Yva se fez presente atrás deles, Elia virou o rosto com aquela expressão sempre neutra e indiferente, e Ahrija com seu sorriso sempre animado. Yva estava com as roupas típicas do festival, mas nas cores vermelhas, com os pelos muito bem penteados e com cheiro floral:
— Não me olha assim, aqui, tomem. — Ela ofereceu para os dois as “comidas típicas” do festival.
Eram espetinhos de escorpião, Ahrija farejou tentando identificar se deveria ou não comer, mas os olhos de Yva estavam focados em Eliassandra, talvez quisesse ver se ela ia negar ou ter algo contra ao espetinho, mas a garota de cabelos branco apenas mordeu.
Na vida passada comer qualquer tipo de coisa que achava na guerra, era comum, então aquele sabor não lhe era estranho:
— Elia?
— Gostoso. Pode comer. — Elia encorajou Ahrija que lhe encarava.
Ele finalmente mordeu, mastigando até sorri balançando a cabeça positivamente, também tinha gostado:
— Não achei que vocês iriam gostar disso…
— Tava apostando que eu ia odiar né? — Elia perguntou, sempre sem emoção.
— Na verdade, sim, você me surpreendeu, humaninha.
Elia revirou os olhos, não queria brigar com ela por uma coisa tão trivial, era a única humana ali, então por que se importar com aquele apelido de Yva? Não fazia sentido na verdade:
— O que mais tem pra comer? — Ahrija estava animado.
Olhava ao redor até correr na frente das duas, Yva piscou e Elia correu atrás dele, parando quando ele parou, diante de um tipo de barraca de sopa:
— O que é isso? — Ahrija perguntou farejando o ar.
— Sopa de cobra, olha eu sei que vocês querem experimentar, mas deveriam ir com calma. — Yva tentou argumentar.
— Eu quero, Elia… — Ele se virou para Elia fazendo bico.
— Eu não tenho dinheiro não. — Elia se adiantou levantando as mãos.
Ahrija bufou inflando as bochechas e chutou uma pedrinha, mas o que poderia fazer? Realmente não tinha trazido dinheiro, então pouco poderia fazer com a raiva dele:
— Não precisa de dinheiro, pagamos com serviços, e bem, vocês estão com o senhor Quevel, ele já deve ter serviços para comprar a feira. — Yva explicou.
Fazia sentido, era uma vila que não deveria ser de acesso de todos, e pareciam auto sustentáveis, não havia motivo para eles trabalharem com dinheiro entre pessoas da vila.
Logo Ahrija voltou a sorrir, pedindo aquela sopa de cobra, que dessa vez, Elia torceu o nariz, a reação foi perceptível, fazendo Yva dar uma risada divertida:
— Não gosta de cobra?
— Não gosto de sopa. — A garotinha respondeu olhando ao redor.
Nada contra cobras, mas não gostava de sopa, desde sua vida passada, afinal tomava bastante isso enquanto estava no campo de batalha, era a comida mais simples de se fazia de forma rápida, tinha péssimas lembranças.
Ahrija procurou um lugar para se sentar, achando algumas cadeiras mais ao centro, as duas garotas o seguiram, mantendo a conversa, se é que poderia chamar de conversa:
— Então… O que está achando do festival?
— Eu acho que 'tá legal. — Essas eram as respostas de Elia.
Era assim a maioria das conversas com Eliassandra, ou apenas Elia para essa vila, era sempre distante e fria, mas parecia sempre estar prestando atenção, do jeito dela ao menos, mas Yva estava levemente desconfortável com aquilo, ainda não tinha costume daquilo, e talvez nunca se acostumaria.
Ahrija comia com sua felicidade, aproveitando o sabor da sopa, lembrava peixe, e raramente podia comer peixe, então aproveitaria o quanto pudesse:
— ‘Tá muito bom, tem certeza que não quer? — Ele ofereceu para sua amiga.
Elia virou o rosto fazendo uma careta, negando com a cabeça, Yva encarava aquela dupla incomum, um era sempre animado e sorridente, outra mal mudava de expressão, às vezes para uma cara de nojinho, mas nada que fosse algo alegre de fato.
Na verdade tinham pequenos momentos que ela parecia menos fria e distante, era quando falava com Ahrija, mesmo sem sorrir ela demonstrava alguma atenção para aquele menino dracônico sempre empolgado.
Era engraçado de ver, mesmo sendo algo incomum de ver, não, talvez seja engraçado porque era incomum, até mesmo aquele coelho azul que sempre acompanhava Eliassandra, com sua preguiça inigualável, era divertido.
Uma conversa trivial se desenrolava agora, Yva perguntava sobre a vida de ambos, Elia escondia propositalmente as partes da realeza, dava pequenos cutucões em Ahrija quando ele parecia falar demais.
Descobriram que Yva tinha oito anos, só era mais alta do que os demais, ela também não era tão horrível assim, sendo bem divertida na maior parte do tempo, ao menos para Ahrija. Para Eliassandra ela ainda parecia uma criança, agora menos insuportável que antes.
A conversa se seguiu sem problemas até Yva torcer o rosto numa expressão desgostosa, risadas altas foram escutadas, meio debochadas, alguém tinha chegado:
— Vamos sair daqui. — Yva pediu.
— Que? Por que? — Ahrija questionou.
Um garoto-touro, maior que eles marchou até o trio, Yva recuou apertando a mandíbula encarando o maior, Ahrija não entendia, olhava confuso enquanto aquele outro garoto se aproximava sabe-se lá por que, mas Elia não, seu olhar tinha ficado daquele mesmo jeito que Yva já conhecia: Distante, frio e desinteressado.
O pequeno coelho azul pulou para os braços de Eliassandra, como se tentasse impedir confusão:
— Ora veja só, se não são os dois novatos da vila. — O garoto touro riu.
Agora que Elia reparou que ele tinha “seguidores” o que a fez quase dar uma risada vendo os garotos menores seguindo o maior quase como gado:
— Quem? -Ahrija estava bem confuso.
— Deixa eles em paz, Moudus.
Yva tentou falar mas os olhos de Moudus caíram sobre Elia que estava o encarando fixamente, parecia que estava o desafiando? Talvez, mas a verdade era que estava analisando a força dele, mesmo sendo grande, não parecia ter uma capacidade de absorção de mana tão grande, era menor que a força de Ahrija.
Mas Moudus não parecia entender, na verdade ninguém entendia, apenas viam a albina encarar o outro sem piscar, com aqueles olhos sem vida, mas também… Cheios de desprezo?
— ‘Tá olhando o que?
— Fraco. — Elia concluiu. — Você é fraco, então não tem porque continuar esse embate.
A voz era carregada de uma indiferença gélida, o olhar que acompanhava deixava claro que a garota não o considerava digno daquele embate:
— O que você disse?
— Quer que eu repita? Você é fraco.
Mas não foi aquela fala que lhe deixava chocado e irritado, eram aqueles olhos vazios e indiferentes, como se ele fosse um nada.
Moudus segurou a criança mais nova pela roupa, a levantando do chão, aquele gesto já conhecia, no processo Lynn acabou saindo dos braços de Elia, que olhou para para seu animal flutuante:
— Quem você pensa que é?
— Que mania irritante de me tirarem do chão… — Elia comentou finalmente virando os olhos para o garoto mais alto. — O que você quer?
Mas ela realmente deixou de escutar enquanto ele falava, gritando sobre como ela ousava o chamar de fraco, Yva tentou puxar o braço de Moudus, mas esse a empurrou sem qualquer problema, a derrubando de forma de um jeito bruto.
O desprezo de Elia só pareceu aumentar quando aquilo aconteceu, parecia olhar ele de cima de um jeito que o garoto não sabia explicar.
Aquilo o irritava tanto!
Elia analisava bem ele, fechando os punhos enquanto ele voltava a gritar com ela:
— Você acha que é melhor que a gente? Por ser humana?
— Não, mas eu sou melhor que você, isso eu posso garantir. — A expressão continuava, era neutra e fria, aquilo não parecia afetar de fato a garota.
— Olha aqui sua desgraça…
Elia ergueu o punho contra a parte de baixo da mandíbula de Moudus, enquanto ele falava, com força, o fazendo morder a língua e perder o ar.
Ele cambaleou para trás, soltando a menina que caiu perfeitamente em pé no chão, encarando ele gemer de dor pela mordida, Yva não conseguiu conter uma risada divertida, se erguendo de onde tinha caído:
— Eu vou acabar com você.
— Quero ver você tentar, bezerrinho.
O garoto estava tão irritado com tudo aquilo, seus seguidores estavam tentando o acalmar, mas ele apenas os empurrou com o braço enorme que tinha, ele era realmente grande, mas para Elia… Ele não representava nada.
Poderia lidar com ele de forma fácil, mas pensava como fazer isso sem o machucar muito, sem ser letal.
Aquilo poderia ser complicado, mas quem se importa? Ele era só um garoto chato que talvez ninguém sentisse falta, por que deveria se conter?
— Eliassandra! — A voz forte de Quevel chamou atenção do grupo. — O que está fazendo?
O grande homem dracônico encarou o grupo, em especial a princesa que estava sempre com aquele olhar vazio e sem interesse em nada:
— Conversando.
— Elia… — A facilidade com a qual ela respondeu aquilo era surpreendente.
Passou a mão pelo rosto escamoso e meio irritado, como ele deixou aqueles dois sozinhos por trinta minutos e já arrumaram uma confusão com os outros? Os outros pareciam sair de fininho, deixando o trio sozinho com Quevel, Yva estava com as orelhas baixas e rabo entre as pernas, Ahrija continuava perdido naquela situação, e Eliassandra parecia sequer se importar:
— Vocês dois… Agora três, já conseguiram trazer mais uma criança inocente para suas traquinagens?
— Ele começou, eu me defendi, foi isso. — Mais uma vez ela falava como alguém mais velha, não uma criança humana de cinco anos.
Ahrija deu de ombros, não sabia ainda o que houve, tudo foi rápido demais para que sua cabeça infantil entendesse, Yva se curvou num pedido de desculpas, mas Quevel só dispensou com a mão, se nem mesmo o pivô daquilo se importava, não era justo jogar a culpa em Yva.
Eliassandra começou a andar para outra barraquinha, a mesma barraquinha que vendia espetinho de escorpião, com os olhos mais infantis e pedintes que tinha, olhou para Quevel:
— Eu quero…— Pediu com o dedinho apontando, fazendo bico.
Quevel respirou fundo, não entendia aquela criança, talvez nem devesse, cada pessoa era única, e ele deveria aceitar que aquela criança era assim, e duvidava que ela iria mudar:
— Certo, Ahrija, lobinha, o que querem?
— Espetinho de cobra! — O garotinho sorriu animado.
— Não quero nada, obrigada.
Iriam continuar a apreciar o festival, mas Elia reparou na ausência de Salis, olhou ao redor procurando o parceiro romântico do médico:
— Ele vai apresentar as atrações do festival. — Quevel respondeu sorrindo.
Parecia ter um certo orgulho ali, Elia olhou o palco com curiosidade e depois deixou para lá, se ele faria isso, logo iriam ver, não tinha porque ficar numa curiosidade abismal, diferente de Ahrija, que já perguntava mais e mais sobre Salis.
Quevel
A Chama Guerreira
Atual Médico da Floresta Negra
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