Volume 1 – Arco 2
Capítulo 16: Bem Vindos à Vila
Uma das coisas mais engraçadas que já presenciou foi tirar duas crianças da cama pela manhã e caminhar com elas pela floresta negra. Ambas sonolentas de mãos dadas enquanto andavam em frente com as instruções de Quevel.
Ele sorria vendo eles andarem às vezes tropeçando em algumas raízes mais altas, o que fazia ele tentar a segurar, mas logo elas estavam andando de forma sonolenta de novo. Lynn, o coelho, ainda era segurado de todo jeito por Elia, pobre coelho, ao menos não estava andando.
Mas há que preço? Que desconforto hein?
E assim se foi toda a manhã de caminhada em direção a vila dos aures, quando finalmente encontraram um local apropriado, os estômagos das duas crianças já reclamava de fome, não podia reclamar, afinal eram crianças em fase de crescimento: precisavam comer!
Com seu elemento, Quevel acendeu uma fogueira para esquentar o almoço de ambos, enquanto Elia se apressou para pegar água numa lagoa perto para esquentar e ser própria para beber, era um dos conhecimentos da vida passada.
Estava se perguntando se seus conhecimentos da vida passada seriam úteis, especialmente na parte de magia, conhecia alguns feitiços, mas eram parte do arquétipo de sua antiga aura celestial, mas agora se perguntava: Poderia pular a parte de ferver água com um feitiço de purificação?
Enquanto os outros dois estavam ocupados com a comida, a criança aproveitou para desenhar com seus dedos infantis símbolos no chão, que tentava se levantar vagamente, afinal em sua vida passada, chegou a um ponto que sequer precisava desse símbolos, apenas pensar e o feitiço estava feito.
No auge da guerra sequer parecia pensar, especialmente feitiços de ataque que simplesmente vinham de uma facilidade enorme, com o tempo… Se esquecia dos símbolos.
Na sua vida passada, em seu reino, era quase um tabu misturar auras, tentar feitiços de outras auras, mas aqui não tinha lido nada sobre isso, talvez aqui pudesse.
Poderia testar isso!
Quando o símbolo estava pronto no chão, do jeito que se lembrava ao menos, colocou a garrafa com água no meio e então fez algo que já estava acostumada desde sua vida anterior: energizar.
Se concentrou em sua mana fluente pelo corpo e depois que concentrou ela nas mãos, tocou no símbolo, esperando que fosse uma magia simples de purificação, mas não foi isso que ganhou.
Os dedos formigavam levemente, algo que não batia com o que lembrava desse feitiço, e então viu algo que não pensou que veria: A garrafa começou a flutuar!
Arregalou os olhos vendo aquele ato, então descobriu algo que simplesmente não sabia até o momento: o significado dos símbolos mudava de acordo com o tipo de aura do usuário, isso provava a teoria que o idioma mágico era o mesmo usado apenas de diferentes meios.
Se fosse assim não teria maiores problemas no futuro: Conhecia a teoria mais fácil do que pensou!
Isso era simplesmente incrível!
Pegou a garrafa e correu onde os outros dois estavam, o cheiro de comida já podia ser sentido, ela sorria extasiada, mas Quevel não sabia por que, apenas encarava a menina sem entender:
— O que foi? Viu passarinho verde?
— Olha!
Elia se abaixou, riscando o símbolo no chão e repetindo o processo anterior de colocar a garrafa no centro e energizar o local, e então a garrafa começou a flutuar, fazendo Ahrija olhar aquilo maravilhado e Quevel surpreso.
Se em algum momento teve uma sombra de dúvida que aquela criança era um gênio da magia humana, essa sombra foi iluminada. Não tinha como ela ser normal! Ela era completamente diferente de qualquer criança humana que já tinha visto, usava coisas de uma forma única e completamente diferente. E ela tinha apenas quatro anos de idade, daqui a uns meses cinco.
Mas isso não deveria ser normal!
— Isso é incrível Elia!
— Eu nem sei o que dizer…
Elia ainda sorria enquanto Ahrija tocava a garrafa que flutuava, mas não ia tão alto, talvez pela falta de técnica da menina? Ou quem sabe a falta de mana num corpo tão pequeno que acabou de despertar? Não sabia, mas definitivamente não era algo normal, nem comum ela sequer conseguir aquilo.
Eliassandra e Ahrija riam como duas crianças, mas Ahrija ria de forma admirada pela amiga, já Elia carregava um orgulho que nunca pensou que teria, em toda sua existência, era a primeira vez que foi aplaudida por algo que não era um feitiço destrutivo.
Algo que era completamente funcional.
O coelho Lynn que esse tempo todo descansava nas mochilas dos três acordou bocejando para olhar ao redor, encarou a garrafa d’água ainda flutuando e o olhar admirado das crianças, Quevel percebeu o jeito como pareceu ficar… Aquilo era ciúmes?
Virou as costas e se deitou de novo, talvez estivesse revoltado por não ter atenção e uma garrafa sim?
O resto do dia passou com eles andando em direção a aldeia, por morarem no centro da floresta negra a viagem demorou, mais do que deveria, afinal crianças andam devagar. A noite Quevel carregou as duas crianças dorminhocas sem parar de andar em direção à vila que tanto almejava.
O dia seguinte continuou do mesmo jeito, Ahrija brincava e Elia parecia muitas vezes perdidas em seus pensamentos, quase tropeçando em algumas raízes mais altas, Lynn que lembrava a sua… Dona por assim dizer, puxando sua calça e lembrando de olhar por onde anda. Era engraçado observar aquela situação, até Ahrija tinha que lembrar aquilo também.
A cada pausa que davam, Elia parecia se fechar no mundinho de riscar no chão, mas agora não só ela fazia isso, Ahrija também parecia estar tentando controlar melhor seu elemento, testando coisas novas como empurrar e puxar com ar, era ainda incerto, mas parece que ter Elia por perto o incentivava a treinar também.
Quevel não atrapalhava nada, focava em manter os dois alimentados e não gastar tanta energia. Mas isso não adiantou.
Na tarde do terceiro dia de viagem, Ahrija caiu no chão desacordado de tanto treinar.
Aquilo fez Quevel rir e Eliassandra passar o resto da caminhada reclamando, mas até mesmo ela se cansou e precisou ser carregada também.
No terceiro dia as duas crianças apenas desistiram de andar e aceitaram a carona que Quevel ofereceu, esse terceiro dia foi realmente tedioso, e para as crianças tédio era quase mortal, não tinham mais energia para fazer absolutamente nada.
O quarto dia não teve nada demais, apenas reclamações das duas crianças, e depois Ahrija incansavelmente perguntando se faltava muito, o que começou a irritar Elia, mas tentava relevar: Ele era uma criança afinal.
Mas existem limites, se tivesse que passar mais tempo aguentando isso iria surtar.
O quinto dia eles voltaram a andar com as próprias pernas, mas ainda estavam impacientes, cada um por um motivo diferente: Ahrija por não aguentar mais aquela viagem, Eliassandra por não aguentar mais Ahrija sendo criança, quando foi criança na sua vida passada, era irritante assim?
Não era possível.
No sexto dia começaram a brigar, Elia mandava Ahrija calar a boca e ele dizia que não ia calar, cada um de saco cheio a própria maneira, e finalmente chegou o sétimo dia, e com ele a felicidade das duas crianças quando viram a vila aparecer entre as árvores.
Correram com um pico de energia para a cidade, seus olhos brilharam quando chegaram à vila, dois pensamentos passaram na cabeça dos dois.
Na cabeça de Ahrija iria ver outras pessoas e comer uma comida diferente.
Na de Elia se passava a ideia de voltar a dormir numa cama, ficou mal acostumada! Queria uma cama.
Logo alguém chegou perto das duas crianças, era uma… Mulher vaca, ela era baixa, mas grande, tinha uma expressão amigável enquanto passava o casco na cabeça de Ahrija:
— Como você cresceu, pequeno Ahrija.
— Você me conhece?
A senhora vaca riu, ainda com aquele jeito tão maternal que lembrava vagamente uma mãe… Não.
Era ainda mais que uma mãe já que passava uma sensação de experiência… O que seria?
— Vovó! — Elia exclamou sem perceber quando finalmente chegou a sua conclusão.
— Oh, pode me chamar de vovó, pequena. — A senhora riu.
Elia sentiu o rosto esquentar, não pensou que falaria tão alto aquilo, e agora estava sem jeito para desfazer o que falou:
— Olá dona Margarida, como estão as coisas? Trouxe os dois como tinha falado. — Quevel se abaixou para a senhora fazer carinho na sua cabeça. — Esse é o Ahrija e essa é a Eliassandra.
— Que olhos bonitos você tem, pequena. — Ela mantinha o tom maternal.
— Puxei o papai. — Elia disse rapidamente, sem sorrir, sem gaguejar.
— Ela é realmente como você disse. — A senhora vaca disse sorrindo para Elia. — Venham, separei um local para tomar banho e roupas limpas.
— Qual o problema das minhas roupas? — Ahrija quis saber.
Elia olhou o amigo de cima a baixo, até ignorar o que ele havia dito, estavam imundos, Elia nem usava roupas de seu tamanho, fora que as que Ahrija pareciam muito gastas, pelo trabalho que tiveram para chegar ali deveriam ir naquela cidade uma vez por ano para comprar roupas novas e o garotinho ter contato com outras pessoas.
Seguiam a senhora que ia na frente com uma bengala, ela era pequena, a pelagem era marrom, tinha olhos apertados pelas rugas da idade, ao lado dela Quevel conversava alegremente sobre muitas coisas, mas a pequena princesa não reparava nisso, não não, reparava nos olhares irritados dos outros moradores, coelhos, gatos, raposas e afins.
Como estava mais atrás que os outros, conseguia saber que os olhares eram apenas para ela, não era tão difícil juntar os pontos, provavelmente era uma raça que sofria certo preconceito por parte dos humanos, não julgaria se ficassem receosos sobre si.
A vila em si era uma gracinha, pequena e aconchegante, as casas eram todas iguais, salve duas: uma enorme que parecia ser um tipo de hospital, outra um pouco menor que parecia ser um tipo de prefeitura.
Quando entrou sentiu o cheiro de flores que o local tinha, tinha uma voz lá dentro, então alguém estava naquela casa, de um dos comodos uma figura apareceu, era mais alta que a Vovó Margarida, tinha dois pares de braços, antenas parecidas com as de Lynn e o mais importante, um par de asas azuis que pareciam brilhar:
— Lizzie, trouxe as crianças que falamos. — Margarida falou.
A criatura borboleta, a tal de Lizzie, se abaixou sorrindo para as duas crianças, seus olhos eram totalmente negros, parecia mesmo um olhar de inseto:
— Oi crianças, sou a Lizzie, vou dar banho e trazer roupas novas pra vocês.
Elia olhava maravilhada para Lizzie que parecia uma irmã mais velha dedicada, o sorriso passava uma confiança que não sabia dizer, mas não conseguia entender uma coisa:
— Achei que aures eram só baseados em mamíferos.
— Ah, nossa, que direta. — Lizzie riu.
Ahrija deu uma cotovelada em Eliassandra que não entendeu exatamente o que fez de errado, falou bobagem? É claro que falou, ou talvez só tenha sido rude?
— Aures é uma denominação comum para outras raças, mas não sou uma “aure” propriamente dita. — Lizzie explicava enquanto andava pela casa.
As duas crianças seguiam a borboleta sem piscar, encantadas com a dona borboleta que era tão bonita e vistosa, fora que a casa era tão cheirosa, as flores eram lindas! Lizzie levou os dois para um banheiro, pediu gentilmente para se despirem enquanto ela preparava o banho.
Então Elia observou como as flores pareciam obedecer Lizzie, as vinhas crescem, florescendo e balançando, deixando algumas pétalas de flores caírem na água quente, provavelmente para perfumar o banho dos dois:
— Com licença.
Lizzie pegou Ahrija primeiro, colocando em uma das banheiras, depois pegando Elia e repetindo o processo com a menina.
A água quente acalmou o corpo da menina, fazia quase cinco dias que não tomava um banho de verdade, apenas se limpava como dava, então não foi surpresa que a água mudou de cor pela sujeira que tinha pelo corpo do tempo de viagem.
Lizzie cuidava muito bem das duas crianças, nesse momento começando a lavar o cabelo de Ahrija com algo que cheirava muito bem, lembrava pêssego. A princesa fechou os olhos, aproveitando o relaxamento que tinha, mas parece que nesses momentos as memórias de sua antiga vida voltavam, dessa vez era algo mais auditivo, aqueles gritos de socorro…
Balançou a cabeça pros lados e abriu os olhos, olhando para Ahrija e Lizzie que sorria com seu trabalho:
— Você controla flores?
— Ah não só flores, mas tenho preferência por flores mesmo. — Lizzie explicou. — Você é curiosa mesmo.
Elia concordou com a cabeça, mas nesse momento era mais para ocupar a mente do que de fato curiosidade por curiosidade, para afastar aqueles pensamentos da sua cabeça. E então veio sua vez de ter o cabelo lavado:
— Seu cabelo é bonito, tenho uma amiga com o cabelo parecido. — Ela comentou.
Para ficarem totalmente limpos demorou um pouco, e Lizzie ainda teve todo o cuidado para arrumar os dois, passou um creme na pele dos dois, afinal tinham algumas picadas de mosquitos pelo corpo, depois os vestiu, com roupas finalmente apropriadas para o tamanho de Elia.
Ahrija ganhou uma camisa branca, uma calça bege e um pano azulado que cruzava o corpo do garoto, já Elia ganhou um vestidinho do mesmo tom do pano de Ahrija, com um shorts por baixo e claro, o pano que no caso de Elia era branco e era amarrado na sua cintura.
E ambos ganharam sandálias de dedos com fitas que eram amarradas pelo tornozelo.
Claro, ela ainda teve o cuidado de pentear o cabelo dos dois, mas Eliassandra ganhou inclusive um penteado com dois pompons e o resto do cabelo solto:
— Você ‘tá bonita, alteza.
— Para de me chamar assim. — Elia deu um soquinho no braço do amigo e deu uma risada.
Não demorou muito para que vovó Margarida chegasse para recolhê-los, mas sem sinal de Quevel, até olharam para os lados procurando ele, onde estava o médico?
— Quevel está ocupado, não se preocupem, vamos? — Ela sinalizou para a seguirem.
Ahrija foi o primeiro a seguir, mas Elia ficou pra trás, assobiou e então lá veio Lynn que tinha se enfiado na casa de Lizzie e eles nem perceberam, era engraçado perceber isso. Outras pessoas poderiam esquecer Lynn, mas Eliassandra estava sempre o sentindo por perto.
Ahrija não parava de falar, mencionando como o seu mestre era incrível, como tinha despertado como mago, como Eliassandra era muito inteligente, a senhora ouvia tudo com atenção, mas Elia quase não falava, olhava ao redor do local, ainda sentindo os olhares meio irritados dos outros, e alguns até com medo.
Tinha todo tipo de animal ali, mas alguns pareciam puxar mais para o humanoides, outros pareciam apenas animais que andavam em duas patas, como a senhora bovina que os guiava, será que havia alguma diferença entre eles? Mais poder? Menos poder? Expectativa de vida? Ou era apenas uma característica? Não sabia.
Sabia que observavam sua pessoa, e no fim não ligava muito, não é como se já não estivesse acostumada com o olhar de ódio e nojo das pessoas para si, até mesmo de medo, sua vida anterior já mostrou bem isso, algumas pessoas desviavam o olhar quando ela olhava de volta, achava isso divertido.
Talvez lá no fundo gostasse de incomodar, bem lá no fundo achasse isso prazeroso, não sabia dizer, talvez fosse uma criança pentelha.
Estava se divertindo tanto com aquela brincadeira só sua que não notou outros olhares lhe observando, um olhar de curiosidade e atenção:
— É essa a criança?
— Sim. — Quevel respondeu.
Ao seu lado, um pouco menor que Quevel estava um homem leão que olhava pela janela de uma das casas o trio andando, ele tinha uma juba da cor do sol e olhava com seus olhos felinos para o médico:
— Ela é mesmo a filha dos reis e você cordialmente os convidou para virem para nossa vila?
— Sim.
O leão suspirou e riu daquilo como se fosse uma piada divertida, mas logo passou a mão pela juba macia e bem cuidada:
— Você me surpreende cada vez mais, Quevel.
— Se não fosse por isso, você não me amaria. — Quevel brincou beijando a testa do leão.
— Eu te amaria de qualquer modo. — O leão comentou se afastando.
Agora podia ver que ele mancava, andava com auxílio de uma bengala, até se sentou com um suspiro dolorido, aquilo parecia doer, mas mesmo assim fazia esforço para ficar de pé, mas ao menos conseguiu ficar ao lado de Quevel:
— Então… Quevel, pensou na minha proposta sobre morar aqui na vila?
— Eu ainda não sei como Ahrija vai se adaptar aqui, se ele gostar acho que me mudarei sim.
— Ele é uma criança, precisa de outras crianças ao redor dele ou vai crescer como um esquisto.
Quevel encarou o felino ne sentando na cadeira:
— Eu sou esquisito então Salis?
— Sim, você é.
Então Salis deu apenas risada daquilo enquanto Quevel cruzava os braços indignado, ou tentando, mas acabou rindo daquilo logo depois, de fato, ele era esquisito, não faria bem ele viver isolado na floresta negra com apenas Quevel, e agora que despertou tinha apenas duas escolhas, ou viver ali ou voltar para o reino dracônico, e a segunda opção não queria sequer pensar.
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