Volume 1 – Arco 2
Capítulo 17: Olhar Frio
Ahrija estava sempre animado em falar, diferente de Elia que parecia mais calada e observando ao seu redor com olhos atentos e curiosos:
— Então a Elia disse “me solta eu vou me sacrificar” ai eu…
— Não foi assim. — Elia interrompeu.
A vovó deu uma risada divertida vendo aquelas duas crianças começarem a discutir por uma coisa tão banal quanto aquilo, ah o cheiro de infância:
— Então pequena Elia, como foi o banho? — A vovó finalmente interrompeu.
— Foi bom, a senhorita Lizzie é realmente muito prestativa, mas eu tenho uma pergunta.
— Diga. — A vovó sorria maternal.
— Por que todos estão me olhando feio? Vocês não se dão bem com humanos?
A pergunta atingiu a vovó, não pensou que ela repararia tão fácil assim, mas ela reparou até que bem depressa, ela suspirou:
— Não é nada criança.
Elia torceu o nariz, esquecia que era apenas uma criança, as pessoas não a levariam a sério como uma adulta, mas ignorou aquilo por hora, depois iria atrás de Quevel para perguntar sobre aquilo, se é que poderia perguntar aquilo.
Ahrija continuou a conversa, de certa forma distraindo a senhora, o que deixou Elia livre para sair por aí, e assim o fez, começando a se afastar da dupla, já tinha visto outras pessoas por ali por perto, se a senhora não podia responder, outros adultos de olhares odiosos poderiam responder. Lynn estava acompanhando em pulinhos, ainda tinha aquela conexão estranha com aquele coelho mais estranho ainda.
E pela conexão sentia que era um péssima ideia:
— Lá vem a criatura. — Um adulto falou.
Conseguia sentir a raiva naquelas palavras, se alguém poderia dar um motivo para aquele tratamento seria ele, afinal ele estava com um sentimento ruim que transparecia nas palavras contra uma criança pequena:
— Pode me dizer por que me odeia?
— Por que? Você é louca criaturinha odiosa?! — Ele pareceu querer começar a falar alto, algo que não intimidou Elia.
Seus olhos bicolores mantinham aquela expressão indiferente e fria que apenas ela sabia ter, como uma criança teria aquele olhar?
— Talvez, vai me responder?
— Ora sua… — Ele ergueu a mão, mas parou no caminho.
Era uma criança afinal, não deveria tentar agredi-la, mas aquele olhar era simplesmente irritante, parecia que simplesmente não se importava com o que falava de fato, nem parecia criança!
— Olha garota, humanos são maus ok? Vocês tem uma mania de se achar melhor que todas as outras raças. — Ele tentou explicar, mas Elia não gostou.
Queria uma resposta clara!
Por que ninguém conseguia ser claro com ela? Claro, era uma criança, provavelmente não seriam nunca claros com ela:
— Certo.
Ela só ignorou aquilo e continuou seu caminho, será que acharia realmente alguém que perdesse o senso com ela e dissesse tudo que os humanos fizeram, provavelmente tinha algo haver com escravidão, ao menos no outro continente era assimq ue funcionava, até mesmo ela quando chegou ao auge que poderia chegar ganhou um escrevo aure.
Nunca conversou com ele de fato, só dava ordens bobas, sequer pedia para limpar as coisas, apenas vivia ali para ser bonito.
Como será que aquele escravo estava?
Queria ter o protegido melhor, quem sabe dar a liberdade para ele como deveria ter feito, é, não foi a melhor das pessoas, e já sabia disso, mas quanto mais pensava mais tinha raiva de quem foi, de quem era… Esperava que com essa segunda chance se transformasse numa pessoa digna de apresso.
Estava mais uma vez perdida em pensamentos enquanto andava até esbarrar em alguém, deu alguns passos para trás se desculpando com seja lá que fosse:
— Não olha por onde nada não? Ah. É uma humana esquisita.
Elia encarou a pessoa, era apenas uma garota, talvez um pouco mais velha… Não, Elia estava perto de seus cinco anos, aquela garota parecia ter seus nove ou dez anos, parecia um lobo humanoide de pelagem marrom:
— Desculpa. — Disse simplesmente, queria se afastar antes que ela surtasse, não queria levar uma mordida.
— Isso, saí correndo!
Elia não era do tipo que era provocada facilmente, mas algo naquela garota a irritava, talvez fosse o ar arrogante que ela tinha? Talvez, mas até achar uma desculpa plausivel estava ali olhando para ela:
— Criou coragem é?
Não respondeu.
Sabia ser irritante apenas calada.
Lynn tentava empurrar sua dona com a cabeça, não queria fazer isso, não queria briga, e Eliassandra sentia aquilo, só escolheu ignorar aquele sentimento, mantendo seus olhos na garota lobo, sem esboçar nenhuma emoção.
Apenas o mais pacato olhar indiferente.
Como se sequer tivesse alma.
Aquilo fez a garota loba recuar, parecia ter dedo daquela criança que mal chegava ao seu peito:
— Fala. Fala algo! — A garota voltou a se aproximar, segurando a criança de cabelos brancos pelo vestido, tirando seus pés do chão.
A princesa humana continuava sem esboçar reação, como se não ligasse para nada que estivesse acontecendo ali, como se ela não fosse nada.
Aquilo só enfurecia ainda mais a garota loba, levantando ainda mais ela, deixando da altura de seus olhos, queria entender por que ela a irritava tanto.
Por que ela era tão… Irritante! Sequer falava algo!
Lynn mordia a barra da calça da garota loba, tentando afastar ela da menina humana, a garota lobo chutou o coelhinho, e nesse momento a reação de Elia apareceu: raiva.
Elia levantou os pés, aproveitando que estava suspensa pela garota loba para chutar o peito dela, a fazendo soltar seu vestido.
Não se importou com a queda, apenas correu até onde Lynn estava, abraçando seu coelho estelar, checando se estava machucado:
— Sua… — A garota lobo
— Se ele estiver machucado eu te mato. — Elia disse sem olhar para ela.
Depois de assegurar que Lynn estava bem, se aninhando em seus braços, Eliassandra se levantou, olhando diretamente para a garota lobo:
— Eu não vou pedir desculpas, você que me machucou primeiro.
— Você não devia ‘tá aqui. — A garota loba falou.
— Problema seu, não meu.
Enquanto a garota lobo encarava, Elia parecia não prestar atenção no que ela falava, apenas cuidava de seu coelho:
— Senhorita? O que está havendo aqui? — A vovó apareceu, preocupada com aquela situação. — Yva, o que você fez?
— Ela me chutou!
— E você chutou meu coelho.
A vovó estremeceu com a voz fria daquela criança, que não olhava Lyva, apenas para o coelho em seus braços, ela deveria estar irritada, mas ao invés disso mantinha aquela indiferença assustadora:
— Para de falar assim!
Mas tudo que Yva teve foi um olhar sem vida de Eliassandra, que nem parecia ligar para o que acontecia, mas ela pensava.
Mesmo não parecendo, Elia era adulta da situação e encheu a pobre garota até seu limite e ela estourar, mesmo que dissessem que ela não fez nada, ela fez.
E sabia que fez.
Soltou o ar e olhou Lynn que estava bem, então não tinha motivos para render aquilo e fazer uma inimiga, afinal eles tinham totais motivos para odiar humanos se fosse o que pensava:
— Desculpa, foi culpa minha, eu enchi a paciência dela até se irritar comigo. — Elia falou interrompendo a bronca que a vovó dava na garota lobo.
Yva ficou de boca aberta, sem entender no que fazer agora, com a briga simplesmente encerrada, como poderia lidar com isso agora? Lidou da melhor maneira que poderia, bufou irritada, virando as costas e saindo marchando irritada, fazendo Elia dar uma risada:
— Eu sinto muito. — A vovó começou se desculpando. — A maior parte das pessoas aqui passou por péssimas experiências com humanos.
— Tudo bem.
Elia apenas deu de ombros, não pareceu se importar, ou fingiu que não se importou, porque por dentro se perguntava: Custava dizer isso antes, diacho?
Logo viu Ahrija vindo na direção das duas, com um sorrisão enquanto era acompanhado não só por Quevel, mas por um homem leão que andava com uma bengala e com o braço livre se apoiando no braço do dracônico:
— Achei meu mestre! — Ahrija parecia animado.
— É um prazer lhe conhecer, Eliassandra, sou Salis. — O leão soltou o braço de Quevel para fazer uma reverência, mesmo que desajeitado.
Mas Elia estava encarando ele com um olhar encantado, nunca tinha sequer visto um dragão fora as gravuras, e agora via um aure leão na sua frente, seus olhos quase brilhavam com aquilo:
— Essa garotinha sem palavras é a Eliassandra. — Quevel riu vendo a expressão maravilhada dela.
—... Posso tocar?
Agora Quevel deu uma risada gostosa daquilo, não estava surpreso, Ahrija teve a mesma reação quando viu Salis pela primeira vez, era uma reação comum entre as crianças aparentemente:
— Claro, pode sim.
Elia se aproximou, e Quevel segurou ela nos braços, aproximando do homem leão, as mãozinhas de infantis tocaram o rosto e logo depois a juba do leão, não tinham sorrisos, mas sim um olhar brilhante e encantado de uma criança vendo algo novo:
— É macio…
— Eu cuido muito bem dela. — Sali falou de forma orgulhosa e divertida.
Após Elia ser posta no chão, ainda olhava o leão, que usava uma bengala, pensou que talvez fosse muito invasivo perguntar o que foi aquilo, deixou para lá, por hora, não seria útil agora, afinal ela não sabia curar… Ainda não:
— Então, soube que ambos vão ficar aqui por um tempinho. — Salir começou olhando as duas crianças. — Estariam interessados em participar do festival da Lua da Colheira?
— Sim! Estamos sim! — Ahrija respondeu pelos dois.
Eliassandra levantou a sobrancelha e depois deu de ombros, se ele queria aquilo que seria ela a reclamar não é mesmo? Ele só parecia feliz por aquilo, podia fazer aquele esforço.
Era seu amigo afinal, mas Sali pareceu perceber aquilo e olhou diretamente para ela com uma expressão amigável:
— Pra você tudo bem, pequena Eliassandra?
“Que apelido ridiculamente grande” Elia pensou olhando Salis e no final deu de ombros, não ligava, se faria seu amigo feliz, por que não tentar ao menos ver aquilo?
Nunca foi num festival pequeno, quando voltava após suas vitórias era aclamada por todos, não podia se divertir, e agora estava com aquela animação de ir a um festival, de verdade, como pessoa visitante.
Finalmente poderia se divertir, aquilo fez ela sorrir olhando para Salis:
— Vai ser divertido. — Garantiu.
Salis sorriu, estava mais tranquilo por ela ter aceitado, afinal queria que aquelas duas crianças se divertissem, especialmente Ahrija, sua felicidade ali custava a presença de Quevel naquela vila, e queria muito ele por perto.
Não só pelo fato do médico dracônico lhe ajudar com aquele problema na perna, mas também por sentir um forte afeto por ele, um afeto que não sabia explicar bem, conheceu o médico pouco depois do fim da guerra, e foi quase como se sua alma fosse completa, queria ficar perto dele, quem sabe com Ahrija finalmente teria esse prazer.
Ahrija era realmente um garotinho cheio de energia, a contraparte perfeita da sua amiga que sempre parecia ter um olhar perdido e longe, sendo até quieta demais para uma criança da sua idade, ao menos foi isso que observei nesse pouco tempo e no que Quevel lhe contou.
Tinha conhecimento do sangue real da criança de olhos bicolores, esperava ser um bom anfitrião e que aquela princesa não esquecesse da sua hospitalidade, quem sabe quando fossem ameaçados de novo poderiam recorrer a ela, e ela olharia com bondade, era um desejo. Um plano, como líder daquele lugar precisava se importar e zelar pelo destino de seus moradores, não, pelo destino daquela raça já tão oprimida.
Os olhos bicolores de Elia acompanhavam a animação de Ahrija falando de três assuntos diferentes, quanta energia… Ou era ela que não tinha nenhuma? Não era mais uma criança, quer dizer, tecnicamente ela era, mas sua alma já era adulta… Mas não tão velha para ser tão baixo astral assim, então sorria da melhor forma que podia.
Quanta energia…
— Eliassandra. — Quevel chamou a criança. — Aqui.
E então entregou um caderno artesanal, claramente tinha sido feito a mão e não por maquinário como já tinha visto. A capa era de algum couro preto e bem trabalhado, as folhas grossas e amareladas, era pesado, grande demais para ela, mas parecia ser o tipo de coisa que ficavam consigo por anos:
— É meu?
— Assim você para de escrever no chão e tem um local para colocar todas suas descobertas.
Os olhos se iluminaram, não foi um sorriso de fato, mas aquele brilho nos olhos fez Quevel sorrir como um pai presenteia sua cria:
— Muito obrigada! Ahrija olha! — Correu para o amigo para mostrar o presente.
De fato, Quevel gostava desse sentimento de ter uma família, e via como eles estavam felizes, até mesmo seu pupilo, talvez ali seja mesmo um bom lugar para ficar, faria bem ao garoto.
Elia não ficaria ali por muito tempo, seria bom ele ter amigos mais acessíveis e não uma princesa que provavelmente nunca mais veria, não queria que ele machucasse seu coração com aquela amizade irreal, por mais que fosse bonita e genuína… Não seria sustentável.
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