Volume 1 – Arco 2
Capítulo 15: Um prodígio?
Elia mentiu.
Andou um pouco mas logo parou, deu meia volta e voltou, queria ver o que estava acontecendo.
Presenciou aquela cena do corpo de Quevel crescendo numa transformação dracônica, aquela forma conhecida, o rosto mais reptiliano repleto de escamas vermelhas, os chifres torcidos para trás, estava maior, mas não era seu tamanho que ameaçava… Era aquela aura de impiedade.
Ela conhecia isso.
Era a forma que ele usava na guerra, a forma que viu frente à frente quando lhe atacou, tinha apenas uma única certeza naquele momento: Aquele humano estava morto.
O humano tremia enquanto o enorme dracônico se aproximava, observando aquele pequeno ser a sua frente:
— Ainda quer brigar?
— M-Monstro. — A voz do humano falhou enquanto olhava o dracônico,
Quevel pareceu estar satisfeito com aquilo, se afastou para virar e ir embora, mas no meio do movimento o humano resolveu criar alguma coragem, tentando acertar aquela espada trêmula. O dracônico usou o braço cheio de escamas para interceptar, sequer foi arranhado.
Como uma criança, Elia deveria ter fechado os olhos quando Quevel voltou toda sua atenção para o humano, aqueles olhos que transbordavam uma frieza que não parecia compatível com suas chamas, com aquela boca enorme, o dracônico poderia simplesmente devora-lo
Mas não foi isso que aconteceu.
Talvez tivesse sido melhor.
O grande dracônico segurou o humano pela camisa com uma mão, o suspendendo do chão, de onde estava a princesa não conseguia ver, mas os olhos do humano estavam completamente cheios de de medo.
Não.
Não era medo.
Era pavor.
O mais genuíno pavor:
— Não… Por favor! Não!
O humano até tentou se debater, mas obviamente Quevel era mais forte. Abriu a boca enorme, enquanto no fundo de sua garganta aquelas faíscas se tornaram presentes antes de finalmente lançar suas chamas. Controladas e letais.
Não demorou para que o cheiro de carne queimada sobrepusesse os gritos de dor do humano, e então o baque do corpo no chão foi escutado.
Elia estava com os olhos vidrados naquilo, vendo o corpo de Quevel diminuir de tamanho até voltar para sua forma mais humanóide, o dracônico finalmente olhou em direção a árvore que a princesa estava, suspirou. Ele percebeu que ela não tinha ido embora.
Andou a passos lentos até onde ela estava, olhando para cima com aqueles olhos agora cansados? Não… Era algo mais como culpa. Se sentia culpado? Mas por que? Elia não entendia, afinal o humano fez besteira, merecia aquela morte, sabe-se lá o que faria caso Quevel não estivesse ali e ela estivesse sozinha ali:
— Desculpa? — Elia arriscou aquele pedido.
— Desce logo daí, princesa. — Pediu.
A princesa obedeceu, descendo apenas até a metade, antes de ser pega por Quevel pela camisa, parecia uma mãe gato pegando seu filhote, ou algo parecido, e finalmente seus olhos finalmente caíram sobre o coelho azul e amarelo nos braços da criança:
— Onde arrumou esse bicho?
— Eu saí atrás dele, saí por isso basicamente. — Explicou mostrando o bicho para Quevel.
— É um tipo de… Coelho das estrelas?
— Acho que sim, não sei bem.
Elia realmente não sabia o que aquilo significava, só sentia que tinha uma conexão estranha com aquele coelho, ou coelha, iria decidir um nome quando chegassem em casa, mas ainda sim sentia o olhar reprovador de Quevel em cima de si:
— Princesa, não pode sair no meio da noite assim. — Ele colocou a criança por cima do ombro. — Isso foi muito perigoso.
— Eu sei, desculpa, eu só… Precisava ver o coelho.
— Por que?
Não sabia responder com clareza, nem sabia se aquilo tinha mesmo uma resposta ou era só algo que sentia, mas talvez tal sentimento fosse uma resposta:
— Eu senti que deveria.
— Você não pode simplesmente sair por que sentiu. Isso foi perigoso.
— Eu sei, desculpa desculpa. — Elia pedia repetidas vezes.
Quevel suspirou com aquilo, era difícil entender aquela criança que flutuava entre “sou apenas uma criança” e “pareço ter mais idade do que tenho”. Talvez ela só fosse mais madura para sua idade, era complicado de entender, talvez tivesse um preconceito anterior de achar que a princesa seria uma criança mimada, mas não.
Ela era bem focada, uma criança exemplar, às vezes nem parecia uma criança de fato, mas ela era uma princesa… Será que era diferente?
— E ainda machucou seu joelho.
— Ah! Aquilo foi aquele homem que me perseguiu, não foi culpa minha!
E ela realmente não entendia o que fez de errado ou estava sendo sonsa? De qualquer forma, aquilo parecia ser minimamente divertido de se presenciar. A situação era engraçada, afinal Elia ainda segurava aquele coelho de antenas com seus bracinhos pequenos de criança:
— Certo.
O resto do caminho ficaram em silêncio, presos em seus próprios pensamentos. Quevel estava tentando entender o que Eliassandra tinha na cabeça para fazer aquilo, mas no final, talvez ela fosse mesmo ligada àquele bicho. O que era bem diferente.
Talvez fosse algo da sua aura.
Já Elia estava pensando em muitos nomes para seu novo bichinho, sua mente vagueava entre tantos, masculinos quanto femininos, não sabia o que escolher, mas… Parecia que só por um momento o coelho reagia aos nomes que ela citava mentalmente? Não, deve ser coisa da cabeça, não é? Não podia ser.
Mas precisava tentar!
“Ariel?”
O coelho pareceu fazer uma cara feia, não gostou.
“Mia?”
Mais uma careta, dessa vez não tão feia, um talvez?
Ok, realmente pareciam ter uma conexão, o Coelho realmente conseguia sentir algumas coisas, talvez até ler os pensamentos.
“Annie?”
Nossa, dessa vez o coelho fez um vômito, aquele definitivamente não.
“Lynn?”
O coelho ficou pensando, ou pareceu pensar, não soube bem que cara foi aquela, mas no final ele sorriu.
Nome aprovado!
— Certo, Lynn então.
— Que? Com quem está falando, princesa? — Quevel pareceu ter despertado dos seus próprios pensamentos.
— Meu coelho, ou minha coelha… Não sei bem.
Mas também sentia que aquilo não importava, era apenas Lynn, seu novo… Novo o que? Não sabia o que era, mas sentia aquele laço feliz com o coelho.
Quevel levantou uma sobrancelha mas nada falou, casa se aproximava e com tudo aquilo, com a saída de Elia e depois a de Quevel, e Ahrija sequer se moveu, permanecia exatamente do mesmo jeito que Eliassandra tinha deixado quando saiu.
O médico colocou a criança sentada num banco, se afastou para pegar uma mistura de ervas para passar nos joelhos ralados da princesa, sim, ela ralou os dois joelhos. Mesmo lavando com água, o que normalmente ardia, não fez aquela criança esboçar qualquer reação negativa, ela continuava com os olhos focados nos joelhos, sem mover a perna ou fazer careta:
— Não dói? — Quevel perguntou passando a mistura de ervas em seus joelhos.
— Dói sim, mas já senti dores piores.
Quevel levantou os olhos para ela, pensando sobre aquilo, como uma criança daquele tamanho sentiu dores piores que joelhos ralados, Elia encolheu seus ombros, talvez tenha falado demais? Talvez deu nos dentes sobre o que ela realmente era? Mas o médico abaixou o olhar para seus joelhos.
Eliassandra tinha razão.
A dor que sentiu sendo sufocada pelas impurezas deveria ser pior que meros joelhos ralados:
— Pronto, acabei. — Concluiu após fazer os curativos. — Agora, voltar a dormir. Agora.
Elia quis protestar, mas ela já estava sendo segurada por Quevel e foi colocada de volta na cama, do lado de Ahrija. Lynn veio pulando para ficar entre Ahrija e Elia, se aninhando ali e começando a dormir sem problemas.
Mas Elia não dormiu.
Sequer fechou os olhos, pensando no que poderia fazer agora, será que poderia adaptar as magias de sua antiga vida e auras? Quem sabe algo mais brilhante e menos assustador que nem sua aura abissal.
Pensava também na sua antiga vida, onde tinha tanto poder e agora estava reaprendendo tudo, não fazia tanto tempo que achava um saco ser uma criança sem magia e depois ter que reaprender tudo de novo, mas descobriu que no fundo gostava de estudar.
Sem pressão de uma guerra, ou precisar ser uma soldado, ou até mesmo ser perfeita como achou que uma princesa deveria ser, estudar e aprender era muito divertido!
Em algum momento o sono começou a lhe pegar, nem notou que o sol começava a se erguer, e quando a luz matinal atingiu seu rosto, simplesmente se virou pro lado, cobrindo a cabeça com o lençol.
Mas Ahrija acordou.
Se levantou e foi até a cozinha onde Quevel já estava preparando o café da manhã:
— Mestre, por que tem um coelho na minha cama? E com antenas? — Perguntou com toda a desconfiança infantil que tinha.
— Ah, é alguma coisa da sua princesa.
— Da Elia? Como ela arrumou um coelho?
— Pergunte isso a ela quando acordar, nem eu sei bem como conseguiu.
Nem ele entendia como raios ela arrumou aquele bicho, que por falar nele, vinha em pulinhos para a cozinha, deveria ter sentido o cheiro da comida, agora conseguia ver ele melhor: Era mesmo um coelho, sua pelagem era de um azul céu muito bonito, a parte interna e a ponta das orelhas eram amareladas, com pintinhas brancas que pareciam estrelas, os dois grandes olhos eram amarelos e brilhantes e claro, as duas antenas brancas que tinha na cabeça:
— O que é você? — Ahrija se abaixou, encarando o coelho que se sentou parecendo sorrir, mostrando aqueles dentinhos.
Aproximou a mão do coelho que cheirou e depois esfregou a cabeça contra ela:
— Será que é um tipo de aure?
— Aures são seres inteligentes, ele parece ser só um animal quase comum.
— Ele… Ela? Não parece ser comum, nem no quase. Olha a cor.
Fazia carinho no animalzinho até que ouviu o prato ser posto na mesa, o coelho se desvencilhou de Ahrija e pulou na mesa para comer também:
— Acho que o nome dele é Lynn. A princesa disse ontem.
O coelhinho pareceu sorrir para e acenar com a cabeça, parece que tinham acertado o nome dele, Quevel sabia o mínimo de alimentação de animais como ele, então serviu um prato com algumas folhas verdes e cenoura. Ahrija por sua vez recebeu uma tigela de frutas para seu desjejum, já era acostumado:
— Elia ensinou a fazer mingau de aveia. — Ahrija comentou comendo suas frutas.
— Como…? — Quevel pareceu surpreso, como uma princesa saberia cozinhar aquilo?
Sim, era um prato fácil, mas não pensou que ela saberia, ainda mais tão jovem como ela era. Ahrija entendia por que saberia, ele foi criado desde pequeno para ser bem mais independente que a maior parte das crianças de sua idade. Mas Eliassandra?
Eliassandra era uma princesa, deveria ser mimada e pouco independente, mas a dita cuja já saiu no meio da noite, sabia cozinhar e falava de um modo muito maduro para sua idade, de fato, uma peça rara, nunca pensou que uma princesa seria como ela, não sabia dizer se era uma boa ou má surpresa.
O coelho comia feliz da vida, Ahrija comia vez ou outra soltando alguma informação sobre os dias que ficaram sozinhos naquela casa, Quevel também se sentou para comer suas frutas, normalmente era esse o café da manhã que tomavam.
Ahrija após comer foi fazer suas atividades diárias, que incluiam limpar a casa enquanto Quevel iria cuidar da pequena horta que tinham para ter temperos e algumas verduras.
O médico dragão ainda se perguntava o que raios era aquele coelho, que agora estava ali, sentado na janela do quarto, o observando de forma quase divertida. Quase. Parecia que estava vendo seu segredos
Estremeceu com aquilo, ao menos ele não tinha os olhos frios de Eliassandra, então poderia dizer que era um tipo de familiar? Quais seriam os poderes que ele dava? Será que dava poder?
O símbolo que aparecia nos olhos e orelha do coelho também aparecia no olho novo de Eliassandra, então dava para ter certeza que de fato, era algo relacionado à magia astral dela.
A manhã se passou com Elia ainda em seu sono, quando ela finalmente se levantou, com a cara toda amassada, o cabelo despenteado, meio desnorteada com a hora que acordou. Já estava perto do almoço, Quevel deu uma risada daquilo, vendo ela esfregar os olhos meio perdida:
— Dia…?
— Tarde, princesa.
— Hora do almoço, alteza! — Ahrija acenou sorrindo.
— Já disse que não é pra me chamar assim.
Elia me resmungou encaminhando seu corpo para sentar na mesa, Lynn, o coelho, pulou na mesa, esfregando o focinho no rosto da criança sonolenta:
— Oi Lynn… — Elia conseguiu sorrir mesmo ainda com sono.
Ahrija se apressou em servir o almoço para todos, estava com um sorriso orgulhoso por Quevel finalmente comer sua comida, que Elia tinha ensinado nos últimos dias. Falando em Quevel, ele se sentou também à mesa, olhando as duas crianças ali, uma que sorria animada e eufórica, outra sonolenta, sem se importar em comer com as mãos.
Aqueles comportamentos eram estranhos para uma princesa, mas Quevel apenas deu de ombros começando a comer:
— Ei mestre, quando vamos para a vila de aures? — Ahrija finalmente falou após um longo tempo em silêncio.
— Ah, provavelmente pela manhã. — Quevel conseguiu ver o sorriso de Elia aparecendo minimamente, mas logo sumiu dando rosto, voltando a ficar com sua expressão séria. — Preciso comprar roupas novas para você e é onde suas majestades vão encontrar a Eliassandra.
Elia encarou Quevel que pela primeira vez a chamou pelo nome, nada de alteza ou princesa, aquilo fez ela ficar feliz, mas por dentro, não demonstrou seus sentimentos, fora um brilho sutil nos olhos que ninguém parece ter reparado:
— Bem, tirem o dia para descansar, no caso de Eliassandra, gaste muita energia para dormir cedo, por favor.
— Certo, senhor.
Tinha um plano para gastar toda aquela energia: Treinar, ainda queria testar um pouco mais seus limites com sua aura, ver até onde conseguia chegar, sabia o caminho, talvez fosse mais fácil nessa vida.
Era uma aposta.
Contando com isso, Elia foi para o quintal, era o melhor lugar para praticar agora.
Lá se alongou um pouco antes de começar a concentrar sua mana para deixar sua aura visível, e aquilo cansava bastante para um corpo tão pequeno e frágil quanto o dela.
Se concentrava em sentir sua mana e então colocá-la para fora em forma de aura, a aura era pequena, a aura cobriu sua mão como uma luva brilhante e depois começou a forçar mais, deixando a luva crescer mais até seus cotovelos.
Aqui cansava, mas conseguia ver aos poucos uma pequena evolução, sua aura já estava um pouco maior em menos de duas semanas:
— Mas e você? — Elia se abaixou.
Não sabia o que era Lynn, não sabia de onde ele veio e nem a sua ligação com ele, mas estava feliz por o ter, seja lá pra que servia, ainda era bom. Lynn se aproximou devagar, esfregando o focinho nos dedos de Elia, que fez carinho de volta:
— Um dia eu descubro, né?
Sorria enquanto falava com o pequeno animal, se levantou para voltar a praticar, tinha um truque que queria tentar, aquela mesma luz que tinha jogado no próprio rosto que a cegou, se pudesse controlar seria tudo mais simples, teria uma distração para não correr riscos como o da noite anterior.
Não queria sentir aquele terror de novo.
A primeira vez fechou os olhos antes de explodir no seu rosto, ainda não teve controle, precisava de mais, respirou fundo, e voltou a tentar, se concentrando mais uma vez na mão, aquele brilho voltando, mas agora conseguia sentir, quase como se pudesse pegar. O brilho começou a crescer de forma descontrolada, mas dessa vez não explodiu, iluminava muito, mas não explodia.
Elia aproveitou que “sentia” a luz e começou a fechar a mão, e então a luz foi diminuindo, diminuindo… Até virar uma pequena bolinha de luz na palma da sua mão, sorriu com aquele feito, mesmo que pequeno.
Conseguiu fazer uma bolinha de luz!
Olhou para o lado quando algumas palmas se fizeram presente e depois a empolgação de Ahrija:
— Deu certo! Deu certo mesmo! — Ahrija comemorou, abraçando a amiga.
— Você conseguiu fazer uma bola de luz, parabéns. — Quevel ficava cada vez mais impressionado com aquela pequena humana que parecia ter um talento natural para a magia.
Ela era mesmo um prodígio, não tinha como negar tal fato.
Eliassandra era um gênio.
Ahrija ainda abraçava o corpo pequeno de Elia, a rodando no ar até caírem juntos no chão, entre risadas divertidas. Duas crianças felizes.
O sol já estava se pondo, Elia parecia cansada, até suada, ela tinha obedecido a ordem e feito algo que iria se cansar:
— Muito bem, hora de entrar, e você Eliassandra, banho.
Quevel segurou os dois para levantá-los, Elia correu rapidamente pro banheiro, Ahrija correu logo atrás, aquele sentimento quente voltou ao peito de Quevel, era isso que procurava quando se aposentou, aquela paz, mesmo que a presença da princesa às vezes tirasse ela.
Nada se comparava aos horrores da guerra.
Era bom ser aqueles momentos.
Com um sorriso voltou para casa, indo servir o jantar de ambos, amanhã começariam uma longa caminhada.
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