Volume 1 – Arco 1

Capítulo 6: Durma bem, princesa

Claro que não poderia fugir daquilo para sempre, nem de longe, mas ao menos foi seu pai que veio ter essa conversa com ela, mas era uma situação embaraçosa e constrangedora.

Elia estava sentada no sofá do seu quarto com seu pai ao lado, ele não parecia saber como começar a conversa. Então a filha resolveu começar:

— Não vou pedir desculpas.

— Eu sei. — Ricardo se apressou a dizer.

E de novo aquele silêncio desconfortável e irritante, que nenhum dos dois falava nada.

Elia estava ficando brava, mexia nos babados do vestido roxo que usava, encarando à frente, o que falar agora? Nunca teve essa conversa com ninguém, era intrigante te alguém para si daquele modo, alguém que realmente se importasse com sua educação:

— Mas eu aceito o castigo. — Disse por fim.

Era um meio termo justo, ela ainda tinha agredido alguém, uma criança, mesmo que ela fosse uma criança também, Eliassandra tinha noção que sua idade mental era diferente:

— Certo…

Ricardo parecia cansado, muito cansado, se sentia um pai horrível por não estar lá para instruir sua filha que talvez existissem outros modos de resolver aquele problema:

— O senhor ‘tá bravo?

Aquela pergunta surpreendeu o rei, encarando sua pequena filha, podia ver seu reflexo naqueles olhinhos avermelhados iguais aos seus:

— Não, eu não estou, só… Não faça mais isso, poderia ter machucado muito a garota.

— Eu sei. — Mas queria machucar.

Elia queria muito machucar aquela menina irritante e chata que estava mexendo com Daphne, e fazia tanto tempo que não via a menina que protegeu, talvez sua mãe tivesse impedido o encontro das duas, o que seria justo não é mesmo? Ela cometeu um erro, merecia uma punição por aquilo, era justo.

Parecia que a conversa estava sendo desconfortável, Elia não sabia como continuar, Ricardo ainda se sentia um pai péssimo, mas não sabia como agir agora:

— Pai, podemos passar um tempo juntos hoje? 

O rei encarou sua filha, claramente surpreso antes de dar uma risada daquela situação:

— Às vezes você parece bem mais velha do que parece, Elia. — Comentou fazendo carinho no cabelo de Elia.

Elia sentiu o rosto esquentar levemente por vergonha de estar saindo tanto do personagem, deveria parecer uma criança pequena de três anos e não uma pessoa mais velha como era realmente era.

Mas ainda era difícil, talvez se não tivesse voltado com suas memórias sua vida fosse mais simples:

— Você vai continuar de castigo pelo resto da semana, vamos aumentar sua dose de lições também, e sem sobremesas.

De tudo, definitivamente o “sem sobremesas” fez Elia fazer bico, não que comesse muita sobremesa, mas gostava das frutas que lhe davam, ficar sem era chato:

— Sem poder ver a Daphne?

— Sem poder ver Daphne. — Ele concordou.

Poderia continuar praticando expulsar as impurezas de seu corpo, mas aos poucos as pessoas começavam a desconfiar pois ela sempre acabava sujando algo de preto, não conseguia limpar direito! Era complicado:

— Vamos. Você precisa voltar pro cantinho do castigo. — Ele riu se levantando e ajudando a sua filha a descer.

Parece que voltaria mesmo pro canto seu canto, o que queria dizer mais tempo trabalhando em expulsar suas impurezas, mesmo que teoricamente tivesse já a certeza que aquele corpo não tinha qualquer magia, ainda teria mais testes quando tivesse nove anos para confirmar.

Tinha até lá para livrar seu corpo completamente das impurezas que impediam ela de usar e sentir mana ao seu redor, aos poucos ao menos estava expulsando aquilo do corpo, mesmo que fosse desconfortável, era preciso afinal.

Queria conseguir ter sua magia de volta, mas se perguntava se teria as mesmas auras que teve na sua vida anterior, seria muito mais simples na verdade, mas será que teria tal sorte? No fundo esperava que não, vida nova, experiências novas não é mesmo? Por que não? Seria divertido afinal.

Acompanhou seu pai em silêncio até seu cantinho de castigo onde tinham alguns livros já lidos, todos infantis, mas lidos pois não deixava dever de casa sem fazer, era algo contra aos seus princípios.

Seu pai sorriu beijando seu rosto a deixando sozinha no quartinho do castigo, Elia acenou para ele e se sentou à mesa pequenina que tinha para ela, esperou a porta ser fechada para suspirar.

Sua expressão mudou para algo mais frio e distante enquanto se sentava no chão em posição de meditação, apoiando as mãos nas perninhas  de bebê.

A expulsão de impurezas era um processo demorado e desconfortável, precisava ter um conhecimento mágico que Elia tinha. Todo ser vivo tinha mana dentro de seu corpo, em menor ou maior quantidade, uma pessoa não nascida tinha seus canais de aura obstruídos pelas impurezas que não sabia dizer o que era, então usando um controle de mana que tinha da vida passada, movimentava a mana para empurrar as impurezas para fora.

Acabava tossindo as impurezas negras no chão, ou as vezes nas mãos, tinha sempre que limpar tudo isso, mas não se importava muito com aquilo, era necessário.

Dia após dia, expulsava um pouco mais de seu corpo, começava a sentir a mana ao redor, mesmo que pouco, ainda sentia, aquilo era um avanço e tanto, talvez em dois ou três anos nesse ritmo conseguiria recuperar sua magia.

Passou longas horas ali, tossindo as vezes quando precisava colocar pra fora, mas nada além disso, do esperado, ao menos até um momento específico.

Sentiu um bolo na garganta, algo que impedia de respirar, começava a tossir, forçando a cuspir ou vomitar o que tinha ali, tentava ao máximo colocar para fora, enfiou os dedos dentro da garganta como lembrava de fazer quando era envenenada na vida passada, finalmente sentindo até mesmo sem café da manhã voltar e vomitar no chão.

No meio daquela comida semi digerida tinha um bolo de impurezas, fazendo a princesa arregalar os olhos, não deveria acontecer aquilo, era pra ser aos poucos e não aquela quantidade, mas antes que levantasse voltou a tossir aquelas coisas negras que estavam em seu corpo.

Não apenas isso, até mesmo de seu nariz aquelas coisas saiam, e doía.

Sentia queimar as narinas enquanto lágrimas de dor começaram a cair pelo rosto infantil, tentou gritar, mas a voz lhe faltava. Se forçou a levantar cambaleante, dando passos incertos, mas logo foi ao chão, até mesmo o rosto estava sujo daquelas impurezas, o cheiro também não era dos mais agradáveis, mas não se preocupava com isso agora, se preocupava em respirar, o que estava difícil.

Quase impossível.

Mas tentava enquanto se arrastava até a porta, conseguindo chegar lá entre tosses e cuspidas de impurezas, as mãos pequenas e fracas bateram na porta com toda a força que tinha.

Não parecia que alguém iria escutar, estava quase perdendo as esperanças quando a vista começava a escurecer, se sentia tão impotente naquela situação, sem magia, sem tamanho, sem forças, sentia que iria morrer naquele momento… E talvez fosse mesmo.

Sua vista ficou completamente escura, suas mãos escorregaram pela porta até finalmente sentir sua mente ir embora completamente.

Foi nesse momento que a porta se abriu, sua mãe pareceu ter vindo conversar com ela, mas tudo que fez foi gritar quando viu sua pequena criança jogada no chão em cima de uma poça preta de seja lá o que for:

— Socorro! Alguém me ajuda!

Gritou segurando Eliassandra toda suja daquele líquido preto e mal cheiroso que nem sabia o que era, gritava a pleno pulmões por ajuda, os servos começaram a chegar, alguns foram os reis e as ladys, qualquer pessoa que pudesse ajudar a rainha e sua filha.

Uma semana.

Uma semana inteira que a princesa permanecia desacordada, às vezes tossia colocando aquelas coisas pretas para fora, mas não parecia nem perto de acordar, o que deixava toda sua família preocupada, sua mão desmarcou todos seus compromissos para ficar ao lado da filha desacordada, revezava com Leopolda e Ana Bael durante o dia, mas durante a noite quem ficava com a filha era Ricardo, pois durante o dia ele estava ocupado com coisas reais.

Elengaria precisava ser lembrada de comer, pois acabava esquecendo de tanta angústia, tinha medo de perder sua filha, seu pequeno milagre que ainda parecia respirar com certa dificuldade, mal se mexia, apenas para tossir.

O médico real trabalhava incessantemente para descobrir o que tinha acontecido com a jovem princesa, mas ainda sem nenhum avanço significativo sobre o estado da pequena princesa:

— Elen, pode ir tomar banho. — Era Ana Bael para render a rainha.

— Não, eu quero ficar aqui…

— Elen,você precisa tomar banho.

A outra esposa insistiu, e mesmo a contragosto, Elengaria se levantou do lado da cama da sua filha, mas se demorou ali olhando o rosto adormecido de Eliassandra que às vezes se contorcia em uma tosse, mas logo voltava aquela expressão apática:

— Ela vai ficar bem. — Ana Bael sorriu apertando os braços de Elengaria.

A rainha sorriu, abraçando a consorte uma última vez antes de sair do quarto, o rosto estava cansado, tinha olheiras fundas de chorar, mas precisava se manter forte pelo reino. O castelo parecia triste, claro que estava, afinal a pequena princesa parecia correr risco de vida.

Ao longe podia escutar algumas vezes rezando, provavelmente pela saúde de sua filha, aquilo aquecia seu coração, as pessoas se importavam com a princesa o suficiente para rezar aos deuses por ela. Respirou fundo, recompondo sua fisionomia e se pôs a andar pelos corredores agora tão tristes.

Se perguntava se era algum tipo de provação, algum karma, sua filha quase morreu no parto e agora isso? Algo que nem sabia o que era a estava afetando, os médicos reais não sabia o que fazer e isso só a angustiava cada vez mais.

Enquanto andava tentando não se lamentar, Elengaria sentiu uma presença diferente, mas forte, uma presença que sequer sabia identificar, levantando os olhos sempre baixos pôde ver um ser que a muito não via: Um dracônico.

Um humanoide alto, com cara de dragão, os olhos negros pareciam encarar o fundo da alma da rainha, as escamas eram vermelhas e a cauda descansava, suas vestes eram nobres, talvez um convidado?

— Rainha Elengaria. — O dracônico fez uma reverência para a rainha.

Atrás dele vinha alguém que Elen conhecia, seu marido Ricardo, o dracônico era até maior que seu marido, que já era um homem muito alto:

— Senhor Quevel, está na sua forma dracônica? Querida, como você está? — O rei se aproximou da sua esposa, beijando sua testa.

— Sim eu… Quem é esse?

O dracônico mantinha o olhar no casal, até diminuir um pouco de tamanho, mas continuar sendo um homem largo o suficiente, os cabelos ainda eram vermelhos como sangue e os olhos bem negros como a noite, os chifres de dragão torcidos para trás também eram uma caracteririca marcante:

— Sou Quevel, um médico magico, sabe um feiticeiro especializado em medicina, Ricardo acredita que sua filha tem uma doença de origens mágicas, por isso me chamou aqui para dar uma olhada na criança. — A voz era grave e forte, mesmo falando baixo parecia estremecer o ambiente.

— Mágica?

O rosto de Quevel ficou levemente irritado, mas logo voltou a normalidade, ele tinha acabado de falar daquilo, iria relevar porque a rainha parecia não dormir a dias, estava cansada e aflita, nem deveria estar pensando direito:

— Mas por que acha isso? Seria uma maldição ou…?

— Eu não sei, estou indo ver a pequena princesa nesse instante.

Elengaria parecia ver sua última esperança naquele médico mágico, então apenas virou de costas: iria guiá-lo até o quarto de sua filha. Assim que abriu a porta, Ana, quem estava ali lendo uma história para a criança desacordada levantou os olhos:

— Elen?

— Ele é um novo médico. — Quem respondeu foi Ricardo, entrando atrás do homem de chifres. — Ele vai determinar se a doença de Elia é ou não mágica.

Ana encarou aquilo, mas levantou da cadeira, dando espaço para o médico, nesse momento Elia tossiu mais uma vez, cuspindo aquela coisa negra que a cada dia parecia aumentar.

Quevel se aproximou da criança, tocando aquela gosma que saia da sua boca, as vezes do seu nariz, o rosto agora estava sujo com aquilo, levou até o nariz cheirando:

— Não acho que seja doença.

Falou antes de por sua enorme bolsa na cadeira que antes Ana Bael estava, abriu pegando uma orbe branca, ergueu sobre a menina desacordada deixando ela flutuando ali antes de brilhar, discretamente mostrando algumas runas dentro dela, depois voltou para a mão do mago:

— Como imaginei, ela não está doente.

— Como não está? Minha filha está desacordada! — Elengaria quase gritou.

Mas Quevel suspirou, mal deixavam ele falar, que situação irritante hein? Mas estava relevando afinal ela estava em desespero pela filha estar daquele jeito:

— Sua filha está expulsando impurezas do corpo, por ela ser pequena entrou em coma desse modo, até por tudo para fora.

— Ela vai poder usar magia?

— É a ideia, mas não tenho certeza se ela vai conseguir passar por isso.

Quevel parecia dar esperanças e depois arrancar ela sem piedade, aquilo parecia cruel, mas ele só estava sendo direto:

— Sendo direto, majestades, é possível que sua filha nunca acorde.

Aquela fala fez Elengaria perder a força nas pernas, sendo amparada pelo seu marido e Ana Bael, que estavam sem acreditar naquilo, foi como uma faca no pobre coração da mãe:

— Como assim?

— Ela é muito pequena, seu corpo está tendo muita dificuldades para expulsar naturalmente.

— E o que sugere? — Ricardo estava tentando se conter, mas era difícil.

Sua filha estava deitada numa cama e poderia nunca mais acordar, como deveria agir sobre isso?

— Me deixem levá-la comigo para tratá-la num local apropriado. É o melhor a se fazer, podem chamar qualquer médico ou feiticeiro, mas eu sou o melhor e mais indicado, se querem ter uma chance, é isso que eu proponho.

— Não! Minha filha não vai pra lugar nenhum! — Elengaria berrou.

— Então espero que saibam tratar uma criança em coma, com sua licença.

Quevel segurou o ombro de Ricardo, apenas um olhar foi o suficente e então saiu deixando a familia ali.

Elengaria estava devastada, olhando sua filha na cama sem se mover a menos que tossisse, parecia que era sua única escolha, sua única saída.

Consorte Ana Bael

Curiosidades: Assim como Leopolda, Elengaria e Ricardo, Ana Bael é inspirada em uma monarca real: Ana Bolena~

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