Re:Nascimento Brasileira

Autor(a): Saya


Volume 1

Capítulo 7: Despedida

A descida do punhal pouco fez contra a grossa pele do lagarto. Embora ferido por um único corte superficial, a criatura viu o ataque como provocação e largou o braço de Alay para se jogar sobre Emma.

Com todo o peso do animal sobre si, Emma foi de costas para o chão e a fera consigo. Ela usou de toda a força que tinha para segurar o ímpeto violento do predador, impedido por centímetros de morder o rosto da garota.

O alcance das garras, todavia, foi suficiente para punir a caçadora nas mãos e barriga com incisões leves, mas nem por isso menos doloridas.

Prestes a ceder para a força descomunal do réptil, ela viu os dentes enormes do oponente se aproximarem cada vez mais da ponta de seu nariz. O odor pútrido exalado pela bocarra da coisa era um presságio terrível do seu destino, alterado nos 45 do segundo tempo pelo revide de Alay que, com a força do único braço, perfurou o dorso com a ponta da lança.

O Dragão Sabre provou sua resiliência mais uma vez ao resumir a dor com um sibilo raivoso, mal se movendo mesmo diante a dor.

— Ah! merda! Que tipo de monstro é você?! — Alay vociferou, ganhando ainda mais a atenção da criatura.

Fazer isso, porém, lhe custou a ofensiva sobre a garota no chão, livre da opressão feroz. Na oportunidade, ela pegou a faca caída com a mão livre e a enterrou na lateral da mandíbula do lagarto, onde a lâmina encontrou pouca resistência e entrou de vez.

O monstro então soltou um alto grunhido em resposta e saiu em disparada para o interior da mata – ainda com a adaga presa em si -, seguido pelo rastro fluorescente que a corrida deixou. Seguros naquele breve momento, os caçadores suspiraram aliviados por pouco. Isso até Alay voltar a se queixar das feridas.

Emma se levantou num salto e foi até o rapaz ajoelhado, descendo à mesma altura que ele para averiguar a situação.

— Deixa eu ver isso aqui. — Ela tirou a mão ensanguentada de cima da ferida. O visível semblante preocupado e desesperado da garota evidenciava a gravidade do ferimento. — Puta merda...

— Feio demais? — Ele perguntou ao passo que dava tudo de si para permanecer calmo perante a dor.

— Bastante. Precisamos voltar pra sua casa agora, já nos arriscamos demais aqui.

A conclusão fatal de Emma, porém, não foi aceita por Alay, que se debateu ao receber ajuda para se levantar, consequentemente indo ao chão e gemendo com a dor do impacto.

— D-De jeito nenhum! — afirmou em meio à dor.

— Alay! Tá maluco?! — Emma correu ao socorro do colega, incapaz de resistir ao levante de seu apoio. — Não dá pra ficar aqui, olha o seu estado! Sem falar que aquele calango miserável levou minha faca com ele, só temos a sua lança pra nos defender.

— A gente consegue, é só...

— Eu não vou deixar você se matar só porque quer provar que é machão pro teu pai. Ser forte é uma coisa, burro é outra.

Apesar de todo o discurso, Emma sentou com Alay na grama, que reagiu em luminescência. Com a ponta da lança, ela cortou um grande pedaço da própria calça e a enrolou sobre o ferimento. Em seguida, retirou mais alguns trapos para enrolar o tecido e fazer um nó firme.

— O que tá fazendo? — indagou ele enquanto.

— Um torniquete. — As sobrancelhas do rapaz se arquearam. — Você não vai durar até a fazenda se eu não estancar o sangramento. Deixa eu pegar isso aqui e... beleza! — Depois de pôr um graveto por cima do nó, avisou: — Isso vai doer pra cacete.

— Isso o que...? — Sua resposta veio no mesmo instante, seguida por um grito contido de dor por parte dele.

Emma girou o graveto progressivamente até o sangramento parar, procedimento esse que custou alguns minutos e muita dor para o rapaz. Aéreo depois da provação, a jovem lhe deu alguns tapas no rosto para despertá-lo.

— Ei, fica acordado, última coisa que preciso é que você desmaie.

— Onde... onde você aprendeu a fazer essas coisas?

— Nunca subestime a capacidade de alguém desocupado o bastante pra aprender primeiros socorros por conta. — Não satisfeita, ela adicionou: — E nos tempos do ensino médio eu era viciada em seriados médicos.

A admiração de Alay caiu por terra, mesmo assim, não pôde evitar sorrir. Aplicado o torniquete, Emma o ajudou a se levantar novamente, preparados para retornar. Entretanto, os dois congelaram diante o que os aguardava no caminho

Parado em contraste com a luz do luar e rodeado por partículas dançantes de luz, o Dragão Sabre os encarou imóvel, ainda com a faca preso à boca.

— Parece que ele voltou pra mais — disse Alay.

— Acho que voltar está fora de questão agora.

— Não brinca.

Emma olhou desesperadamente para todos os lados, encontrando esperança em uma clareira não muito distante.

— Consegue correr, não é?

— Qual o plano genial da vez?

— Exatamente o que parece. — Ela apontou para a direção da fuga. Percebendo a sutil aproximação da fera, viu o tempo que tinha evaporar. — No três. Um... dois... três!

Quase no mesmo momento em que começaram a correr, o réptil foi atrás deles. Mesmo ferido, Alay passou Emma na fuga, alcançando a clareira primeiro. Nos poucos segundos que ganhou, elaborou um plano arriscado e, mesmo assim, decidiu colocá-lo em prática.

— Emma! Me joga a lança! — Ele gritou para, na sequência, ela responder no segundo que chegou ao ponto de encontro:

— Quê?!

— Só me dá essa droga!

Levada pela curiosidade imprudente, ela derrapou na grama para frear o movimento e arremessar a arma para ele. O rapaz pegou com o braço sadio e ergueu acima da cabeça, preparado para atacar. Todavia, a dor latejante no outro membro impediu a mira precisa, e Alay acabou errando o ataque.

O réptil deslizou sobre a relva com o intuito de desviar do ataque, obtendo êxito por pouco. A centímetros do próprio corpo, o animal não teve tempo de reagir, uma brecha se abriu.

E, inspirada pelo ataque aliado, Emma voltou atrás na própria decisão de fugir. Arrancou, explosiva como um relâmpago, para cima da lança. Com a arma em mãos, ela completou o ataque do parceiro e empalou o lagarto do dorso até atravessar o abdômen.

— Toma essa! — Ela gritou, seguida por um gorgolejo gutural vindo do monstro.

O Dragão Sabre estava inegavelmente ferido e, ainda assim, ele continuou a lutar com o furor primal inerente a si.

Usando do próprio peso, ele se balançou até quebrar o cabo de madeira da arma. Livre e com a inimiga desestabilizada, a fera fechou a mandíbula ensanguentada ao redor da canela direita de Emma, que gritou em razão da dor que irrompeu por seu corpo.

Aquela era a primeira vez que sentia algo tão forte, não só naquele mundo, como também do lado de fora. O sentimento era assustadoramente real: uma dor lancinante que despertava seus medos mais primordiais.

O animal puxou com força, derrubando a guerreira que berrou outra vez. Os instintivos falaram mais alto, o que a deu forças para continuar a luta apesar da dor. Ela levantou o máximo que podia e começou a socar o rosto do animal, que pouco reagiu ao contra-ataque desesperado.

Em auxílio, Alay se jogou por cima da besta, paralisada pelo movimento repentino do aleijado. A queda violenta prensou o inimigo no chão e também lhe causou feridas internas. Incapaz de se mover mais e mantendo-se somente no ataque à perna da jovem, a oportunidade foi criada. Dessa forma, o lanceiro bradou:

— Acaba com esse desgraçado, Emma!

Ela respondeu de imediato com um rosnado quase inumano gerado pelo esforço além dos próprios limites. A adrenalina impulsionou a vontade de sobreviver, o estímulo final para acabar com o combate de uma vez por todas.

A caída do céu alcançou a adaga e a retirou com força, resultando na soltura da perna antes abocanhada. No ato final, Emma esfaqueou a cabeça do réptil com força e brutalidade inesperadas. Uma vez. Então outra. E outra. Mais uma... e assim se seguiu até o fôlego da atacante ter um fim.

O gran finalle sangrento recompensou os dois participantes com a paz mais que merecida. A floresta cantou a proclamação de vitória dos caçadores. Embora toda o cenário estivesse inclinado para a tranquilidade, as consequências da batalha se mostraram cedo.

Emma mordeu os lábios para abafar os gemidos de dor. O cadáver foi chutado pela perna boa, enquanto Alay se arrastava pela grama até a amiga. O machucado, outrora coberto pelas mãos encharcadas de sangue, foi exposto graças à insistência do rapaz.

— Ai... que merda! Olha esse tanto de sangue, gah! — Emma engoliu a maior parte do choro, embora não tenha sido capaz de conter algumas lágrimas.

— Se eu te trazer os materiais, consegue fazer outro torniquete?

— Talvez, mas eu vou acabar desmaiando de dor se tentar.

— É melhor do que sangrar até morrer. — Ele reaproveitou o cabo partido da lança e pegou a faca no chão, coletando o necessário para o procedimento. — Toma.

Emma prosseguiu com a parte inicial sem muitas queixas, isso até a hora de utilizar o graveto. Receosa, ela o entregou para Alay e, com o que sobrou de tecido, colocou na boca. A troca de olhares foi o bastante para que ele entendesse o que deveria ser feito.

Repetindo o gesto da garota, ele começou a girar o graveto. Não precisou olhar a companheira para saber a excruciante dor que ela sentia, pois ele mesmo já havia o experimentado na própria pele. Repetidamente, os punhos de Emma encontraram o solo enquanto grunhidos abafados cortavam o ar.

Lágrimas quentes rolaram pelas bochechas finas do início até metade do processo. Ela não aguentou até o final, cedendo à dor e perdendo a consciência perto do fim. Alay debruçou-se sobre ela, preocupado. Colocou o ouvido próximo do nariz, aliviado ao ouvir e sentir a respiração fraca.

Após estancar o sangramento, ele a apoiou no ombro sadio e, lentamente, começaram a tortuosa caminhada até a fazenda.

— Vamos pra casa...

Emma acordou no pulo, como se despertasse de um súbito pesadelo. As memórias da noite anterior ainda ferviam na sua mente, mas foram logo esfriadas pela calmaria inviolável de onde estava.

Era um pequeno quarto, iluminado pela única janela do recinto ao lado da cama encostada na parede. O brilho dourado do sol revelava salpicos de poeira dançantes no ar. Guiada por eles, se encontrou com as próprias mãos, limpas e enfaixadas. Arriscou movimentar os dedos, e eles a responderam de imediato.

Tentou o mesmo com o resto do corpo, tendo certa dificuldade em algumas partes, especialmente no pé direito. Apesar de não ver, sentia as ataduras abaixo do que vestia — chutou um pijama, pelo conforto —, limitando seus movimentos.

Hesitou no início, mas então tomou coragem para jogar o fino cobertor amarelado para o lado. Ela trajava uma blusa rosada, estendida até pouco abaixo do quadril, este coberto por um short de mesma cor que não passava das coxas.

“Até que é bonitinho.”, pensou. Curiosa, puxou o tecido para perto e cheirou. “O cheiro é bom também”.

As pernas estavam nuas, com exceção da canela até o tornozelo direitos, marcados pela reposição de bandagens ainda recente. Pontadas de dor respondiam suas tentativas de movimento do pé, mas isso não a desmotivou nem um pouco. Na verdade, só a fez insistir ainda mais.

Ela se sentou na cama e, antes de por os pés no chão, resolveu sondar os arredores. Não havia muito mais o que ver além da mobília vizinha à cama. Uma escrivaninha vazia e um armário solitário preenchendo o canto. Além disso, somente uma porta cujo exterior Emma desconhecia.

Foi então que ela decidiu parar de adiar o inevitável. Decidida, ela levantou de supetão, tropeçando e, por pouco, não caindo no chão. Se salvou na escrivaninha, ainda assim, um barulho alto seguiu sua quase queda.

Argh! Não vem com essa agora!”, estimulou-se para, em seguida, se levantar num impulso.

A perna direita pulsava de dor aguda, mas não foi o bastante para convencê-la de chamar ajuda ou mesmo voltar para a cama. Ela continuou a avançar e, depois de sofridos segundos, chegou na parede oposta. Bastava então chegar à porta.

E esse era outro desafio.

Pelo menos ali tinha o apoio que lhe faltou na travessia anterior, e isso foi um fator decisivo para que chegasse até a saída do cárcere de sua própria incapacidade. No entanto, quando chegou à maçaneta...

— Ah! — Ela caiu para trás, empurrada pela própria porta que estava prestes a abrir.

Desequilibrada, ela foi ao chão feito fruta podre que cai de uma árvore. A diferença clara estava no fato do seu quadril não era mole como uma e, por isso, pôde sentir o choque percorrer toda a coluna.

— Ai! Que merda! — Ela encarou a porta com o olhar de quem estava prestes a cometer um crime de ódio. — Quem...?! Alay?!

— Emma? Se tá legal?

— Olha a pergunta que cê faz depois de me jogar no chão.

— Não foi intencional, juro.

Eles ficaram se encarando por longos segundos, até que a garota findou o silêncio:

— Tá esperando o que pra me levantar?

— Ah... claro. — O rapaz passou pela porta, o que acabou revelando seu braço imobilizado contra o peito.

Depois de se levantar, Emma não se contentou em deixar a curiosidade florescer.

— Seu braço tá legal?

— Um pouco pior que sua perna, mas vou melhorar. O problema maior já passou.

Ela se calou para reformular a pergunta várias vezes, até que enfim a soltou: — Naquela noite, o que rolou? Pra mim ficou tudo nublado depois que eu transformei a cabeça daquele bicho em purê.

— Você apagou, por um momento achei que tivesse te perdido. Carreguei tu da floresta até a fazenda, daí fomos socorridos pelos meus pais. Uns dias passaram e...

— Dias?! — A cara de espanto natural parecia estranha aos olhos de Alay.

— É... sim? Não é atoa que você consegue andar relativamente normal agora, você ficou dois dias na cama pra se recuperar, foram feridas bem feias. Já é um milagre você estar de pé.

— Tá bom, senhor drama, já entendi que eu quase morri. — Seu rosto marcava uma pertinente insatisfação. — E agora?

— Bom, quem decide é você agora. O lagarto tá morto, isso significa que você tá livre... — Havia clara decepção no rosto do garoto, mas ele logo a escondeu com um sorriso tremido. — De qualquer forma, o almoço tá na mesa, espero você lá.

Prestes a sair sem dizer mais nada, ele mudou o cenário com a última fala:

—Ah é! Esqueci de te falar, tem roupas novas pra ti no armário. Dá uma olhada e... sei lá, vem comer se quiser.

Após a despedida um tanto incômoda, Emma foi em busca das ditas roupas, encontrando-as exatamente como indicado pelo lanceiro. Um conjunto de casaco preto com bolsos dianteiros, uma blusa cinza e uma calça de couro para completar. No bolso do casaco, sua faca descansava, limpa e afiada.

— Heh... nada mal. — Ela pegou a faca, analisou-a brevemente e então a jogou em cima da escrivaninha. — Vamos ver como esse novo look fica.

Feita a troca, Emma saiu pela porta enfim, preparada para explorar o casarão – ainda maior por dentro do que por fora. Assim que chegou, foi recebida por uma fragrância nostálgica. Fragmentos de memória recobravam momentos de uma noite anterior, onde sentiu o mesmo cheiro sob o véu estelar.

Encantada pelo aroma, mal reparou por onde caminhava, somente atravessou o estreito corredor aberto na porta até chegar na fonte do perfume salgado. Viu a família na mesa, todos com uma tigela cada. Mãe, Pai e os três filhos, todos degustavam do tradicional ensopado que os alimentou por tanto tempo.

Não disse nada, e assim permaneceu até que Trish a tirou do transe:

— Ei, Emma! Como vai, querida? — A jovem nem mesmo teve tempo de responder.

— Ah, se não é e ela. — Paul disse num tom mais grave. — Finalmente acordou, bela adormecida.

— É... foi mal ter dado tanto trabalho extra pra vocês.

Paul fez menção de reclamar, mas a esposa o impediu no mesmo instante com um gesto ameaçador mascarado por sua gentileza habitual.

— Se preocupa com isso não, vem cá!

Embora não houvessem motivos para a recusa, ela executou uma série de gestos, todos indicavam a sua oposição contra o convite. Para o ultimato, insistiu:

— N-Não precisa! Já causei problemas demais, também não quero ficar devendo pra vocês.

— Garota. — Paul chamou-a em tom grave. — Deixa de coisa, pode sentar na mesa. Fica na conta da casa.

A garota não mediu o sorriso tímido que escapou dos confins de sua vontade e, levada pelo sentimento, decidiu ceder. Disse um simples “Obrigado” e se sentou à mesa com a família.

Naquele momento e nos que seguiram, Emma teve suas preocupações destiladas, esquecidas entre colheradas e papo furado. O efeito da aura cotidiana e casual não afetava somente o seu presente, como também a lembrava do passado. Memórias que ela nunca pôde criar, que foram arrancadas de si.

O medo, ansiedade, frustrações, tudo foi varrido pelos Morgan, deixando apenas um campo primaveril para trás. E, ao fim do almoço, as flores se foram queimadas pelos sentimentos em regresso. A razão voltou à ela tão rápido quanto sumiu, o que tornou o impacto ainda mais dolorido.

E só havia um jeito de acabar com a saudade do momento que acabara de viver.

Sem avisos, Emma se esgueirou pela casa, dando o máximo para não chamar atenção até chegar na porta da frente. Alcançá-la foi só o primeiro passo, o verdadeiro desafio chegou quando ela parou nas escadas, chamada por uma voz confusa e, certamente, ambiciosa.

— Emma, onde você vai? — Ele perguntou com a inocência de uma criança.

— Alay... eu não posso ficar, tenho que ir.

— Quê? Por quê?

Amargurada, ela calou o próprio desejo para responder: — Isso eu não posso dizer.

— Qual é Emma, você não pode estar falando sério.

Ela se virou para o encarar, forçando um semblante decidido, convicto quando as dúvidas a assolavam.

— Eu tô falando bem sério, tenho coisas pra fazer além da fazenda.

— Você nunca foi só uma turista avoada, né? — O desvio de olhar da jovem o deu corda para continuar. — Eu sempre soube que você escondia algo, só me guardei porque poderia ser incômodo.

— Com certeza é.

— Me deixa ir com você.

— Hein?

Alay cerrou o punho, resoluto em seus pensamentos. Emma esperava uma bomba, e a expectativa foi logo atendida.

— Cê me deu coragem pra enfrentar aquele troço, uma força que eu nunca tive pra continuar seguindo em frente. Esse lugar não é pra mim, é lá! — Seu dedo apontou para a distante cordilheira. — Além da fronteira de Stawrin... há um mundo inteiro atrás daquelas montanhas. E eu quero vê-lo com meus próprios olhos. Tenho a impressão de que, se eu continuar com você, talvez...

— Não.

— Huh?!

— Eu disse que não.

— Isso só pode ser uma piada de mal gosto. Anda, diz que é só pra me ver com cara de tacho.

A fatal feição da garota não se moveu um único centímetro. De maneira oposta, o sorriso forçado do rapaz se desfez em segundos.

— Por favor... me diz que não pode estar falando sério.

Ela foi até ele, a cabeça pensando em milhões de formas para dizer poucas palavras antes do fim. Um sentimento que ela nunca desfrutou antes, a prévia da saudade que mal havia começado.

Com a mão no ombro do lanceiro, ela deixou as palavras fluírem por sua boca.

— A coragem que eu vi naquela noite com certeza não fui eu que a trouxe. Sou a pessoa mais covarde que eu conheço, não que eu tenha muitos amigos.

As palavras foram difíceis de engolir para os dois, ainda mais com o fato do sentimento que ambos partilhavam. Da mesma forma que as pétalas abrasadas pela responsabilidade de Emma, a amizade que havia acabado de florescer, dado seu primeiro passo, ameaçava morrer com uma única frase.

— Ei... Emma.

Os dois carregavam a mesma angústia, a incapacidade de finalizar aquilo. Entretanto, Emma passou por cima do sofrimento ganhando tempo. Tempo o bastante pra dizer...

— Adeus, Alay. — Ela disse por fim, voltando para as escadas que separavam os dois mundos. — Até a próxima.

Ali, aventureiro e condenada disseram suas últimas palavras, uma partida dolorosa que impulsionaria o caminho de ambos de formas distintas. Enquanto Emma ainda passava pelo campo gramado, Alay se agarrou à cerca da varando e gritou para o vento:

— Obrigado por tudo!

Ela parou seu decidido caminhar, mas tanto a invasora quanto o refém daquele universo sabiam que prolongar mais só traria mais dificuldades. Assim, ela continuou até além do portão sem dizer uma única palavra. Ela, porém, mantinha um sorriso inviolável e, junto dele, a emoção que lhe deu a vontade para enfrentar o caminho ainda a frente.

A batalha que tinha acabado de começar.



Comentários