Re:Nascimento Brasileira

Autor(a): Saya


Volume 1

Capítulo 5: Novo Mundo

Ao sentir a brisa amena passar por seu corpo, Emma enfim abriu os olhos e, quase que no mesmo instante, se levantou num salto, afetada por uma dor de cabeça remanescente. O sol ofuscou sua visão, o que a obrigou a piscar algumas vezes para que se acostumasse com a luminosidade. Aquela cena a lembrou de mais cedo, fazendo-a cogitar a esperançosa possibilidade de tudo ter sido um sonho lúcido.

Contudo, ao notar que estava deitada em um mar de flores numa planície, soube que devia estar muito longe de casa. Olhou ao seu redor, vendo no horizonte uma vasta cordilheira, por onde o Sol se erguia dos picos nevados. Para a direita, uma floresta de eucaliptos e, à esquerda, um grande rio de águas cristalinas que serpenteava pela paisagem.

Sentiu a carícia da grama; o cheiro das flores; a ventania fresca carregando seu cabelo enquanto dançava pelas planícies; o sol lhe envolvendo num abraço quente. Sentia tudo o que aquele mundo tinha a oferecer, e perceber isso fez o coração dela acelerar. Olhou para a própria mão, para um espelho. Era ela, mesmo que não acreditasse. Um simulacro perfeito de si mesma.

“Puta merda, eu realmente...”

Se levantou, ainda hesitante. Observou cada ponto do seu corpo e chegou à mesma conclusão: ela atravessou a fronteira e estava em Yharag, o reino digital. Riu de nervoso, um misto entre ansiedade e medo.

Seu olhar recaiu sobre a paisagem. Em seu cotidiano, estava acostumada à típica paleta de cores nova iorquina: cinza e bege de dia, neon de noite. Naquele lugar, no entanto, as cores estavam por todos os cantos, pintando o cenário de um verdadeiro mundo de conto de fadas.

De repente, uma tela abriu-se na sua frente, como um holograma que ela estava acostumada a ver, só que fixo e de tamanho reduzido.

---{Mensagem}---

Bem vindo(a) a Yharag, viajante! Você deve estar cheio de perguntas sobre o que fazer agora que chegou até aqui, bom, iremos lhe dar algumas dicas!

°O Início -> Yharag é um mundo baseado nos famosos universos fantásticos medievais. Aqui, a magia floresce em cada canto deste vasto mundo vigiado por uma eterna sentinela. Desbrave as fronteiras do arcano e da natureza, dome este mundo e se torne o mestre de sua nova vida!

°Dicas -> Procure uma cidade próxima para encontrar outras pessoas e dar início à sua jornada! Há várias pelo mundo, basta procurar!

Por enquanto é só isso. Até a próxima!
 

---{X}---

A tela se fechou diante dos olhos da garota, instigada a se localizar. Olhou seus arredores, analisando a geografia local para ter uma ideia mínima de onde se encontrava.

“Bom, se o Sol nasce nas montanhas, para lá só pode ser o leste, ou seja, logo atrás de mim é o oeste. A floresta se encontra ao norte, enquanto o grande rio está ao sul? É, talvez.”

Ela trilhou o caminho até o rio cristalino a passos mancos. Se sentia enferrujada, como se não andasse há muito tempo. Desceu o declive que levava até as águas, agachando-se na beirada. Levou seus dedos até a correnteza, os recolhendo instintivamente ao sentir a temperatura.

“Tá, eu consigo sentir frio.”

Com este detalhe em mente, seguiu o trajeto do rio com os olhos, vendo que o mesmo terminava nas montanhas.

“A água vem de lá, logo se eu seguir o rio...”, olhou para o outro lado, contemplando as distâncias verdejantes com olhos decididos. “Devo conseguir achar uma cidadezinha”.

Com este pensamento em mente e um plano de viagem arquitetado, Emma se virou para o oeste, onde a grande extensão de planícies gramadas continuava.

Enquanto caminhava, ela sentiu a gigantesca diferença de sensações entre os dois mundos. Naquele lugar, a solidão não era opressora ou frígida. Era libertadora. Sentia-se solta das correntes de sua pacata rotina, livre como uma borboleta. Sensações que jamais poderia experienciar do outro lado da fronteira.

Nas distâncias à sua frente, algo se destacou entre o mar florido. Era uma pequena vila cercada por cercas de madeira, constituída de algumas casas, umas iguais às outras, como se fossem realmente cópias; uma construção de onde saía fumaça por uma chaminé e uma grande fazenda. Apesar de não ser muito, estava empolgada para chegar logo ao vilarejo.

Já bem próxima da cidade, a menina sentia-se exausta de tanto andar, mas ainda precisava cobrir alguns metros. Ao passar pelo pequeno portão de madeira, identificou o nome da cidade, que se localizava na placa em um dos suportes. 

— Wast. — Leu em voz alta. — Parece simpático.

Vendo mais de perto, o lugar era a definição de comum, com pessoas fazendo seus afazeres e crianças brincando pelas ruas estreitas no chão de terra. Simples, porém encantador de certa forma. Após recuperar o ritmo de sua respiração, voltou a caminhar para o interior da vila.

Por um momento, se perguntou se aquelas pessoas eram de fato reais ou meras imitações criadas pela realidade em que se encontrava. De certa forma, ela não era tão diferente deles. No entanto, mesmo cercada de vida, sentiu certa solidão.

Perdida em seus pensamentos, mal percebeu sua chegada ao centro do povoado, notando apenas ao bater de frente numa pilastra de pedra. Felizmente, só recuou em resposta ao impacto, porém corou ao perceber o que aconteceu.

"Boa, Emma. Da próxima vez faz isso num lugar sem gente pra olhar.”

Observou melhor no que ela havia colidido e viu que a pilastra fazia parte de um conjunto circular de outras sete, cada uma gravada com um estranho símbolo indecifrável para ela. No centro desse círculo pétreo, encontrava-se uma espécie de altar, onde jazia um cristal transparente que rotacionava no ar por forças que a jovem desconhecia.

Aproximou-se do cristal flutuante com receio, examinando-o com o olhar. No pequeno suporte que ficava embaixo da pedra, encontrava-se uma frase: "Para começar, você pode ajudar algumas pessoas".

"Parece algo importante"

Decidida a fazer aquilo o mais rápido possível, Emma optou por procurar em algum local onde pessoas geralmente precisam de ajuda. Sua atenção logo se voltou para um lugar diferente, que se destacava entre o resto da vila por seu tamanho: a fazenda.

Assim que viu o lugar, imaginou que a maior parte da alimentação dos cidadãos viesse dali. Isso caso se alimentassem. Logo, imaginou que o lugar precisaria de ajuda em pelo menos alguma coisa.

Andou mais um pouco até chegar no portão de entrada. “Fechado”, concluiu, vendo que o mesmo estava guardado por um rapaz armado com uma lança. Se aproximou com passos calmos, chamando a atenção do sentinela.

Seu cabelo castanho caía até a altura dos ombros e os olhos da mesma cor encaravam a garota numa tentativa de intimidação. Entretanto, sua postura caída e recuada denunciava que ele possuía certo receio.

Diferente dos outros aldeões, que pareciam expressar pouco, o jovem lanceiro tinha muito a ser visto. Emma o reconheceu como uma pessoa de verdade.

— S-Senhorita, não posso permitir que forasteiros passem, peço educadamente que se retire — suplicou, com a voz trêmula.

— Mas eu nem falei nada! — argumentou, incrédula. — Deixa eu pelo menos me apresentar antes de ser rejeitada.

— Me desculpa, mas eu realmente não posso te deixar passar. Eu tenho um trabalho a cumprir!

— Ah! Ok! vamos lá então. — Emma respirou fundo, tentando controlar sua impaciência. — Me diz, qual o seu nome?

— Meu... nome?

— Isso! Me fala o seu nome, anda! — exigiu em voz alta.

— Alay! O meu nome é Alay! — gritou, enfim ficando de pé e firme. Vendo dessa forma, ele era apenas um pouco maior que Emma.

— Certo, Alay. — A jovem cruzou os braços e olhou bem no fundo dos olhos do rapaz, lançando-o um olhar calmo. — Ok, você tem um trabalho a cumprir e blá blá blá. — Gesticulou enquanto falava. —  Mas veja bem, eu só tô aqui pra oferecer ajuda caso vocês tenham algum problema e estejam muito ocupados pra resolver. É uma propriedade grande, deve ter algo que eu possa fazer.

— Bom, é verdade que meu pai está precisando de ajuda... tivemos alguns "problemas" recentes — resmungou, perdendo a postura fragilmente estabelecida.

“Bingo! Agora, se eu oferecer ajuda, tenho certeza que esse medroso não vai recusar. Vitória total!”

— Eu posso ajudar, se quiser. Não importa que tipo de tarefa, eu irei fazer! — finalizou com sua cartada final no jogo do convencimento.

— Bom, eu posso ver o que posso fazer por você, mas não prometo nada.

Sentindo-se vitoriosa, Emma sorriu orgulhosamente. Logo após isso, Alay gesticulou para que ela o acompanhasse para o interior da fazenda.

O lugar era ainda maior por dentro, com plantações dos mais variados tipos de vegetais: comestíveis como batata e milho e decorativas como rosas e crisântemos florecendo por longas extensões de terra. Um pouco mais distante do portão principal, encontrava-se a grande casa dos proprietários, bem perto do celeiro que parecia bem antigo.

Na varanda da casa, um homem adulto, junto de uma mulher e três crianças, olhava para a garota com uma certa curiosidade e desconfiança, o que ela já esperava. O homem aproximou-se deles, parando em sua frente. Seu cabelo tinha a mesma cor que o de Alay, mas era mais ralo e acompanhado de uma barba não muito grande. Era robusto e bem alto, um físico díspar ao do rapaz.

— Alay, o que eu te disse sobre sair do seu posto? Estou sem tempo pra lidar com as pessoas agora. — Ele disse, impaciente, como se já tivesse dito o mesmo várias vezes.

— Me desculpe, pai, é que…

— Ah! Deixa pra lá. E a jovenzinha, quem é?

— Emma Adams, sou uma... aventureira, isso! Estou aqui pra oferecer ajuda caso você precise de algo.

O homem riu alto, confundindo a garota.

“Eu falei algo de errado?”

— Garota... não existem mais “aventureiros”, não neste fim de mundo. Estão mortos ou assaltando alguém por aí, e como você tá bem viva na minha frente, acho que nos encontramos em um impasse, certo?

“Por que eu fui inventar?!”

— Senhor... vamos ser sinceros, você acha mesmo que uma jovem como eu teria a ousadia de invadir uma fazenda sozinha e desarmada?

— Dependendo de quem você for, acho sim. — Ele arqueou a sobrancelha, fazendo Emma recuar instintivamente.

— Pai, ela pode nos ajudar com aquilo, você sabe muito bem que...

— Alay, agora não — disse, logo voltando sua atenção para Emma. — Quero saber a resposta da nossa convidada. Você tem algo mais a adicionar ou pode dar o pé da minha casa?

— Hey Hey, vamos nos acalmar, sim? — Uma mulher se aproximou deles, apoiando-se no ombro musculoso do homem. Suas feições eram semelhantes à de Alay, além de compartilharem a mesma cor dos olhos. — Quantas vezes já pedi pra ser mais educado com as visitas?

— Amor, por favor...

— Eu sou Trish, mãe do Alay, é um prazer. — Se apresentou, ignorando a suplica do marido. Emma deu um sorriso tremido, seguindo o fluxo da situação.

— É... Emma.

— É um nome bonito. — Trish adicionou, dirigindo seu olhar para Paul. — Vamos querido, por que não damos uma chance pra ela?

— Mas eu tava resolvendo o problema...

— Sentar perto do galinheiro por dois dias não é resolver. — A fala de sua esposa o fez dar um profundo suspiro cansado. — Você está exausto, vamos deixar isso nas mãos dos jovens, que tal?

— Você tá mesmo me chamando de velho?

— Não! Jamais faria algo assim! Você é sempre será meu chuchuzinho!

— Mãe...

— Oh! Mil perdões. —  Desculpou-se, mantendo o sorriso. —  Querido, mostre pra ela o que está acontecendo, vou estar em casa pra nossa seção de ioga com as crianças! — Ela saiu saltitando pelo campo gramado. Virou-se uma última vez para mandar um beijo para seu marido, que continuou de costas.

Ele bufou, desistindo de insistir. Assim, disse: — Vamos então, sigam-me de uma vez.

Alay e Emma acompanharam o homem até um local não muito grande, tendo um espaço para a criação das aves. O lugar tinha o típico cheiro forte e ruim de um local onde se cria animais, além de ter vários grãos e feno espalhado pelo chão. A princípio, nada aparentava estar diferente do normal, entretanto, Emma sentia que algo estava errado.

Com os olhos, sondou todo o local. Viu detalhe por detalhe enquanto se aproximava deles para verificar. Então, viu algo anômalo no cercado, algo que não chamava muita atenção, mas poderia significar alguma coisa. Ela tinha a pista, bastava ser a chave para aquilo.

— Há alguns dias, percebi o sumiço de algumas aves aí dentro. Estou com medo de que possa ser algum ladrão — explicou, dando uma breve pausa enquanto observava o olhar curioso de Emma. — Tem alguma ideia genial?

— Talvez. — A afirmação da garota fez Paul arregalar os olhos, incrédulo. — Antes de eu assumir que eu estou certa, tenho que fazer algumas perguntas. — Com um gesto, o homem concordou. — Com que frequência você põe palha nos cercados?

— Quando está muito sujo, o que não demora tanto pra acontecer, algumas vezes por semana bastam.

— Você mesmo faz os ninhos delas ou permite que elas os façam?

— Deixo que façam, eles sabem como fazer melhor que qualquer um aqui.

Com todas as dúvidas que ela tinha sanadas, Emma tinha praticamente certeza de que sua suposição estava correta. Desse modo, ela sorriu para os dois e apontou o dedo indicador para cima.

— Agora quero que me ouçam, não quero interrupções. — Ao dizer isso, pai e filho se entreolharam e concordaram. Assim, ela começou: — Bom, é fato que o nosso culpado vem de noite atazanar as galinhas. Mas a questão aqui é: “como ele faz pra entrar sem deixar vestígios pra trás?”. Bem, minha suposição é que ele tomaria um caminho mais... esperto.

— Se ao menos esse desgraçado usasse essa inteligência pra algo além de roubar meus bichos... — Paul reclamou. — E então? O que mais?

— Aquele monte desorganizado de palha ali. — Ela guiou os dois até o dito amontoado com o indicador. — Não foi feito por uma galinha, nem por você. Claro, pode ser só um negócio aleatório e jogado, mas eu acho que vale uma olhada.

— Tá, né? Não que eu tenha uma ideia melhor. — Ele atravessou o galinheiro e, com alguns chutes, desmanchou o montinho. Para sua surpresa, escondido pela palha, encontravam-se rachaduras nas tábuas, uma meia lua disforme que simulava um buraco médio.

Ele retornou o olhar para Emma, que o incentivou a continuar com um gesto positivo. Assim que chutou, a frágil cobertura cedeu ao seu pé, que atravessou até o exterior. Descrente, ele foi e voltou com os olhos muitas vezes até aceitar a realidade.

— Esse buraco...!

— Bingo. — Emma concluiu. — Detetive Emma Adams ao seu dispor.

— Seja o que for, não é humano. Ainda assim, teve a capacidade de pensar nisso...

— Deve ser um bicho bem do inteligente. — A jovem se distanciou, movendo-se até a parte traseira do galinheiro. — Mas não é muito prático.

Surgindo um pouco distante das lascas de madeira, uma trilha de rastros animais.

— Vamos ver isso aqui. — Emma disse, agachando-se para ver as marcas.

— Nunca soube de um animal que poderia invadir um lugar assim, é algo novo. Tem alguma ideia do que é?

— Três dedos e quatro patas... ou é uma lagartixa de Chernobyl, um dinossauro ou um bicho bem esquisito.

— Não gostei de nenhuma das três. — Paul comentou, juntando-se aos jovens. — E nem me importa, você vai lidar com isso, não vai?

— Claro, nunca tive problema com lagartixas.

Emma acompanhou o caminho com os olhos, perdendo-o de vista além do cercado, nas planícies que antecediam a floresta.

— Então o veredito é esse? O filho do Godzilla comeu minhas galinhas?

— Parece o roteiro pra uma paródia fodida daquele filme de 67, uma verdadeira piada de mal gosto. Mas o mais provável é que seja por aí, um lagartão.

— “Lagartão” é? Isso me lembrou de uma coisa. Fiquem aqui, já volto.

Deixados ali, Alay e Emma se encontraram numa situação inesperadamente desconfortável. Ela perdurou até o garoto quebrar o silêncio.

— Você viu mesmo o filme?

— É claro que não, acha que eu perderia meu tempo com uma coisa dessas?

— Nunca se sabe o gosto dos outros.

— Olhando pra você eu chuto que você gosta de músicas mais calmas, suas bandas favoritas são Imagine Dragons e Coldplay.

— Pera aí, e quem não gosta desses dois?

— Elementar, meu caro Watson. — Depois de dizer isso, Emma seguiu o caminho feito por Paul para longe do galinheiro.

“Essa garota...”

Sem muitas opções, Alay seguiu a misteriosa viajante.



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