Re:Nascimento Brasileira

Autor(a): Saya


Volume 1

Capítulo 4: Precipício

Poucos minutos se passaram desde o começo do percurso pelos corredores, estes povoados por alguns poucos perdidos após algum tempo. Felizmente para as duas, não foram paradas em momento algum, o que facilitou a chegada no escritório do curador.

Diferente das muitas portas metálicas que encontrou pelo caminho, esta se assemelhava mais às da sinagoga deixada para trás.

Amber estalou o dedo bem em frente dos de Emma, interrompendo as divagações dela bruscamente.

— Não é hora de viajar na maionese. — A crente advertiu.

— Vê se me erra — retrucou, irritadiça. — O que estamos esperando? Abre logo essa porta.

— Ah! Você não tem jeito mesmo! — Apertou o topo do nariz, depois tornou a encarar a parceira, preocupada. — Presta atenção, a partir daqui você vai ter que ser a boa samaritana e jogar conforme as regras. Vai ser como aquele teatro que você citou, tendo a sutil diferença de que, aqui, as palavras da princesa não tem vez. Estamos na boca do lobo mal, então nada de gracinhas, ok?

— Tô sabendo — concordou, já um tanto impaciente. — Vamos acabar logo com isso, não aguento mais esse lugar.

Ela aceitou os termos, embora quisesse responder as frequentes provocações de Emma. Sem mais delongas, Amber girou o corpo e pôs a mão na maçaneta. Antes de abrir, fechou os olhos e fez uma prece, prosseguindo com a ação logo depois.

O dominante cheiro de produtos químicos dos corredores foi expulso, subjugados pelo aroma opressor que o escritório exalava. Contudo, tal dominância não era um mal para as moças, pelo contrário. Era um convite.

A fragrância misturava vela queimada à madeira bem conservada com um toque de incenso característico, uma combinação que casava perfeitamente nas narinas de quem a cheirasse. Atraídas pelo perfume exótico, logo entraram na sala.

Vindo logo atrás de Amber, a universitária teve as expectativas esmagadas pela surpresa que alimentava certa curiosidade e, ao mesmo tempo, fomentava o receio.

Era uma sala cúbica com uma grande mesa retangular no centro, flanqueada por estantes repletas de livros e itens cujos escritos ela não conseguia ler. Entre as cristaleiras, debruçado sobre a mesa, jazia um homem idoso. Vestia roupas parecidas com as de Levi, mas portava um chapéu tão escuro quanto as roupas ao invés do pequeno gorro do jovem. Seu rosto estava fixado nas páginas em frente, mas logo percebeu a presença das duas recém chegadas.

Girou na cadeira, colocando o livro suavemente sobre a mesa. Após livrar as mãos, as usou como apoio para o rosto após se curvar no assento. Visou as duas com olhos escurecidos como o céu sem estrelas. Seu rosto carregava uma notável história: acometido por muitas manchas e marcas, tanto da idade quanto de vivências não contadas. Mesmo assim, seu sorriso carismático ainda brilhava com carisma.

Emma foi tomada por um sentimento perturbador. Poderia jurar que sentia uma ameaça encantadora vindo daquele homem que a encarava com um interesse nebuloso, um que ela não se arriscava imaginar. Se sentiu uma ovelha agarrada aos dentes do lobo.

— Adams, estou certo? — Ele perguntou, dando fim ao aterrador silêncio que tomava conta da sala.

— A-Ah! Sim, sou eu mesma. — A pressão do momento quase a fez descarrilhar com as palavras. Precisava de apoio o mais rápido possível e, felizmente, não estava sozinha.

— Senhor curador, essa é a Emma, já deve conhece-la bem. Eu a trouxe aqui pra que você a introduzisse.

— Por favor, vamos deixar as formalidades de lado — disse, ainda mantendo o sorriso enquanto se encostava na cadeira. Entrelaçou os dedos e pousou as mãos em seu colo. — Pode me chamar de Altair, querida. Sou curador deste museu e, também, rabino nessa pequena comunidade. Creio que a guia do museu já lhe poupou das minhas explicações chatas, estou certo?

— De algumas, sim. — Amber levou a mão ao queixo, ponderando se havia esquecido algo. — Mas ela não estaria aqui se eu tivesse contado tudo. Deixarei as honras de contar o plano pra você.

— Sendo assim... — Com certa dificuldade, ele se levantou da cadeira, o que revelou sua altura: muito maior do que Emma imaginara. — Você já leu a bíblia alguma vez na vida, certo? — perguntou, dirigindo-se até uma das estantes, onde pegou um livro surrado de capa azulada. Emma balançou a cabeça positivamente. — É claro que já.

Altair fez uma pausa para voltar à cadeira, onde esticou o braço para entregar o exemplar para a jovem, que primeiramente hesitou. Amber deu alguns tapinhas em seu ombro, incentivando-a a prosseguir.

Era, de fato, uma sensação indescritível. Um medo que jamais sentira em toda sua vida. No entanto, uma coisa era clara: ela precisava seguir o roteiro, assim como a fiel lhe disse.

— Na Torá, nos é contado uma história; nossa origem. A criação da humanidade pelas mãos do Deus todo poderoso, incomparável de todas as formas. Nós, o povo judeu, carregamos uma tradição milenar, a palavra dele. — Apontou para cima. — Nosso legado, apesar de banhado em nosso próprio sangue, segue vivo em nossos corações, e assim seguiremos, espalhando a palavra pela terra. No entanto... — Parou por um breve momento, assumindo um tom e postura mais sérios. — Há quanto tempo este mesmo trabalho se encontra ameaçado por toda essa... luz? Ouso dizer que é mais recente do que parece.

Naquele momento, sua fala se tornou fervorosa, e Emma logo entendeu o motivo por trás da organização de toda organização.

“Esse cara sabe como fazer um discurso”, disse para si mesma, prestando atenção em cada palavra que saía da boca de Altair.

— A escuridão ronda as metrópoles, o pecado... impregnado na nossa sociedade. A batalha contra esta realidade sempre foi árdua, admito. Nunca houve tempos fáceis para nosso trabalho como conservadores dos ensinamentos dele, mas, mesmo assim, tínhamos certo controle da situação. E então... veio a revelação de três dias atrás. Uma verdade obscura cuja descoberta foi feita por você. Pode me dizer o que você encontrou naqueles arquivos?

Emma engoliu em seco, sentindo todo o peso da situação recair sobre si de repente. Primeiro, engasgou com as palavras, mas logo conseguiu se acalmar ao mentalizar seu mantra: “Siga o roteiro”.

— “Um mundo na fronteira entre a vida e a morte, um domínio digital capaz de imitar a realidade como a conhecemos com um toque fantasioso: Yharag. Reviver a vida ao máximo, com muito mais do que a tediosa realidade nos dispõe” e blá blá... — citou.

— Depois de tanto tempo beirando o absurdo, a humanidade enfim lança seu ultimato. Um desafio contra seu próprio criador: privar as pessoas do verdadeiro paraíso enquanto as prende numa realidade mentirosa! — Bateu na mesa, fazendo Emma pular com o susto. De forma contraditória, um sorriso surgiu no rosto de Altair em seguida. — É claro que, como o povo escolhido por Deus, não podemos somente assistir enquanto o mundo mergulha no caos. Esse é o momento definitivo onde nossa fé será posta à prova e, para cumprirmos nossos objetivos, precisamos das suas habilidades, senhorita Adams.

— Certo..., mas no que uma universitária como eu pode ser útil?

— Para conseguirmos passar para o outro lado, precisamos acessar o servidor principal e criar uma brecha, só assim poderemos entrar no mundo digital. Temos o maquinário e todo o sistema, só precisávamos de alguém para operá-lo. E é aí que você entra.

Ao digerir a fala de Altair, Emma enfim compreendeu o que Amber queria dizer com “o outro lado”. Uma conclusão aterradora a qual desejava estar errada com todo o seu coração. Todavia, a seriedade na fala do rabino e o olhar cabisbaixo da guia atestavam que aquela era a terrível verdade.

“Afundei o pé na merda... o que é que eu vou fazer?!”, se perguntou.

— D-Devo dizer que meu conhecimento é limitado, não sei vou ser capaz de...

— Relaxe, você terá o apoio da nossa querida Beija-Flor. Além do mais, temos isso aqui também. — Ele alavancou o pequeno objeto com o dedo, que voou na direção da garota.

Ela se embolou tentando pegar o objeto em pleno ar, conseguindo ao preço de cair sentada no chão frio. Deixou escapar alguns gemidos de dor, logo ignorada em prol de analisar o que jazia em suas mãos.

Se tratava de um objeto semelhante a uma moeda, tão pequeno quanto, mas esticado nas verticais; uma elipse. Em meio à coloração violeta escura da coisa, ramificavam-se ranhuras douradas como aquelas encontradas em peças essenciais para computadores e outros dispositivos. Emma conhecia muito bem o objeto, e foi exatamente por isso que sua preocupação se elevou em sincronia com o interesse.

— Como vocês conseguiram uma CSA? — inquiriu e levantou em sequência. Em momento algum conseguiu tirar os olhos do item sofisticado. — Essas coisas valem milhões de dólares no mercado ilegal, pessoas matam pra conseguir uma dessas.

— Não posso dizer como, mas adianto que foi bem difícil pôr as mãos nela. Tenho muitos motivos pra acreditar que o servidor que abriga o paraíso falso é feito nos moldes da Adler, então nada melhor que uma Chave de Segurança Adler pra nos dar o acesso.

— E se não for? — Amber se pronunciou, surpreendendo o curador por um breve momento. — Vai arriscar todas essas pessoas, e depois?

Altair riu baixo, lançando um sorriso despreocupado para a colega.

— Tenha mais fé, Amber. Lembra das palavras que eu venho repetindo desde que nos conhecemos?

A mulher exalou um suspiro cansado, quase derrotado. Balançou a cabeça em negação, cedendo à falta de tempo e paciência.

— Não desperdice o resto de minha confiança, Altair. Por favor — O sorriso do velho se desmanchou em confusão. Foi pego de surpresa, tendo as palavras tomadas da sua boca. — Vamos, Emma. Temos que resolver umas coisas.

A crente não perdeu tempo e retirou-se da sala de imediato. Emma hesitou por um momento, mas logo atendeu ao chamado da companheira, deixando Altair com um semblante amargo e culposo.

Do lado de fora, Amber não esperou, seguindo direto por um caminho que tinha em mente. A jovem veio logo atrás, com perguntas demais para simplesmente se manter em silêncio. Mesmo que o túnel estivesse mais cheio, não conseguia esperar nem mais um segundo. Guiada por este instinto, segurou a manga do casaco dela, quase sendo puxada pela desavisada que parou ao perceber o peso extra.

— Aqui não. — Tentou prosseguir, mas a garota manteve o pulso firme.

— Você me deve respostas. — Ela rebateu. — Por que não me disse tudo desde o começo?

— Isso não mudaria o resultado.

— Mudaria. — Cerrou os dentes, frustrada por estar presa à situação que se desenrolava. — Eu teria me matado antes que vocês o fizessem. Entrar lá é suicídio, pessoas vivas não podem...! — Antes de completar a sentença, Emma foi arrastada pela cultista até a curva para uma passagem menos movimentada.

Ao chegar, foi solta pela agente. Amber cruzou os braços, verificando se alguém além delas estava por perto.

— Por que sempre acaba em sequestro? É algum tipo de fetiche incontrolável?

— Seu senso de humor é terrível. — A mulher se queixou. — Eu perdi o controle da situação. — Admitiu por fim, desviando o olhar para não encarar a garota.

— Não fode, Sherlock. Agora, qual é a ideia genial pra salvar todo mundo da morte certa? — Emma foi repreendida pela fiel, que pôs o dedo indicador sob os lábios e pediu que ficasse quieta.

— Bom, você deve ter lido o arquivo. — Amber colocou a ponta do dedo na cabeça, numa região pouco atrás da orelha. — Para acessar nossas memórias e converter em dados, o procedimento original prescreve a inserção de uma agulha unida a um cabo receptor de ondas no crânio de algum morto recente. O cabo é levado até o hipocampo, onde se comunica e transcreve nossas memórias pro computador, que logo é traduzida para códigos e, então, levada para o outro lado.

— Eu não acho que essas pessoas estejam dispostas a serem lobotomizadas por seu Deus.

— A maioria não — concordou. — Mas Altair comentou que o método que usaremos é mais “amigável” com os vivos. Nem por isso menos invasivo, imagino. — Ela suspirou, pondo a mão sobre a testa. — Droga, eu só queria ter mais tempo.

— Pra viver?

— Pra salvar essas pessoas — corrigiu. Emma então começou a entender o que ela pensava. — Posso não ser capaz de fazer isso aqui, mas lá, ainda temos uma chance.

— Deixa eu adivinhar, é aí que entra o seu “plano especial”?

Para a tristeza e desespero de Emma, Amber sorriu.

— Gosto de pessoas que pegam a ideia rápido.

— Já eu nunca odiei tanto estar certa. — Mesmo no limite do despenhadeiro, algo dentro da universitária a incentivava a permanecer relutante. Instinto, autopreservação ou medo? A resposta, na verdade, é que as três são quase a mesma coisa no fim. — E se eu recusar?

— Você não vai.

— Vai me machucar se eu não quiser? — Cruzou os braços, esbanjando um sorriso esnobe. — Você não pode encostar um dedo em mim, eu sou fundamental pro plano do culto.

Amber suspirou e, depois, sacou um revólver e o apontou diretamente para a cabeça da jovem, que perdeu a postura no mesmo instante que viu o cano em sua testa.

— Eu não tenho medo de espalhar o teu cérebro na parede — disse em tom sério, negando qualquer possibilidade de blefe para Emma. — Sem você, eles não vão entrar tão cedo, logo, eu ganho mais tempo. Uma vida pela possibilidade de salvar muitas, uma boa troca, não?

— E-Eu discordo.

Fosse o desespero ou mesmo a cruel verdade em que se encontrou, Emma não tinha argumentos, muito menos era capaz de pensar em algum. À beira da morte, ela só podia, ironicamente, rezar por um milagre. E, contra todas as expectativas que mantinha, suas preces foram ouvidas.

— Pois é, eu também — disse, abaixando a arma e a guardando no coldre oculto pelo casaco. — Se é pra salvar vidas, faremos isso juntas, sem sangue. Então, temos um acordo?

“Me caguei”

Com o coração quase saindo pela boca, Emma se contentou em sinalizar positivamente com a mão. No mesmo instante em que se firmou o contrato, sinos cantaram por todo o complexo subterrâneo, levados por alto falantes que logo trouxeram o comunicado do curador.

— Meus fieis, é chegada a hora. Reúnam-se no coração da base, nossa jornada está prestes a começar.

Elas se entreolharam, concordando silenciosamente em prosseguir.

— Quando for mexer na máquina, faça questão de mudar a localização da sua transferência. O plano só vai dar certo se você não estiver junto de nós no começo.

— E depois, o que?! Já vai ser um milagre se eu conseguir abrir o caminho.

— Você vai saber o que fazer. — Manteve o sigilo, vendo que mais pessoas se juntavam a elas na caminhada. — Eu confio em você.

— Dá pra emprestar um pouquinho dessa confiança não?

Já no enorme salão que abrigava o maquinário, Emma viu-se diante do maior desafio em toda a sua “carreira” como hacker. O console que comandava o colossal conjunto de fios ligados era totalmente diferente de seu fiel computador.

 Ela olhou para trás, vendo centenas de pessoas agrupadas que esperavam seu próximo passo. Ao lado, uma moça também esperava por um sinal em uma máquina externa para pavimentar o caminho para o aríete que chegaria batendo contra os portões da fortaleza digital.

Em uma das mãos, estava a chave que iniciaria o ataque. Tinha tudo em mãos, bastava a coragem para executar o plano. Não fazia ideia do que a esperava do outro lado, nem mesmo se seria capaz de atravessar o firewall poderoso que defendia o sistema.

Mais desculpas para não avançar surgiam a cada segundo, e ela tinha total consciência disso. Estava fugindo do inevitável, agarrando-se até o último dedo da beirada do precipício em que estava. Preferia o termo “esperançosa” à “teimosa”, mas sabia que era um pouco dos dois.

Logo chegou à fatal conclusão de que não tinha mais tempo. Nem mesmo um segundo para gastar. Para sobreviver, desceria ao inferno em busca de qualquer saída. E, naquele instante, estava prestes a bater às portas do Diabo.

Decidida, respirou fundo e encarou o desafio.

— Beija-Flor, faz a boa — pediu por fim, dando início ao impiedoso ataque.

A cultista atendeu à ordem no mesmo instante. Evadiu das defesas mais simples até ter de enfrentar as barreiras primárias. Logo, o sistema viu que não se tratava de uma simples ameaça e enviou suas defesas para o embate que atrasou o avanço impiedoso da cracker, mas não a impediu.

Em questão de minutos, todas as linhas de defesa foram ultrapassadas, chegando à opressora muralha até então impenetrável para ela. Até a chegada da Chave.

— Emma, sua vez! — Deu o comando que a jovem precisava para inserir a CSA e começar a abertura forçada do firewall.

— Em posição, pessoal! As coisas estão prestes a esquentar pra valer! — Amber guiou as pessoas para as muitas camas de ferro dispostas na sala circular.

Enquanto as pessoas se conectavam à máquina, a jovem hacker dava o máximo de seu conhecimento para atravessar a última e mais poderosa linha de defesa do sistema. A CSA, com o auxílio da portadora, verificava e descartava milhares de acessos por segundo, à procura do único passe correto em meio à um vasto oceano de opções.

Minutos depois, todos as pessoas já estavam em suas posições, no aguardo do acesso ao mainframe. Emma, aos poucos, começava a perder o controle da situação. Com o tempo, as linhas de defesa se reestruturavam, dificultando a passagem a cada segundo que se passava.

“Vamo, porra! Não tenho mais tempo pra brincadeiras, me dê logo esse maldito acesso!”, Emma pensou, vendo suas opções desaparecendo diante de seus olhos.

— Se você for fazer algum milagre garota, sugiro que faça logo! Não sei por quanto tempo vou conseguir manter a conexão estável!

— Eu só... preciso de um pouco mais de... tempo!

— Que Deus nos ajude.

As tentativas frustrantes começavam a afetar o raciocínio da garota que estava prestes a ser obrigada à recuar. No entanto, assim como fez antes, se segurou na última ponta de esperança que lhe restava. Sorriu, sentindo a animação do desafio subindo a cabeça.

“É agora ou nunca! Se não funcionar, eu rasgo o meu diploma do acampamento de HTML!”

Em seu último ato na iminência da derrota, Emma conseguiu. Como um passe de mágica, o firewall foi rompido. Incrédula, comemorou com um grito vitorioso, atirando o punho ao céu inúmeras vezes em animação. Antes de sair, alterou a própria rota de destino como combinado.

— Vai, eu te cubro! — A parceira falou. Liberta da missão, Emma correu até a última maca disponível: a que estava disponível pra ela.

Seu destino estava bem diante dos olhos. Não entendia o porquê da animação crescente, muito menos tinha noção se todo o esforço valeria ao fim de tudo. Contudo, tinha sim certeza de uma coisa: que, não importasse o quão indomável o caminho à sua frente pudesse ser...

Ela continuaria agarrada à ponta do penhasco, sobrevivendo até a última fagulha de energia. Pois, de todas as pessoas, somente ela sabia quantas vezes esteve ali, prestes a cair do precipício, um lugar que conhecia quase tão bem quanto sua casa.

Sozinha, ela se ligou à máquina, tendo que esperar somente alguns segundos para que sentisse o brusco início do processo de transferência. Os eletrodos ligados à sua cabeça descarregaram uma imensa quantidade de energia, arrancando uma resposta imediata do hipocampo, que devolveu o sinal na mesma intensidade. Uma dor indescritível atingiu todo o seu corpo, como se milhares de agulhas perfurassem cada milímetro possível

Com as ondas do hipocampo em mãos, os receptores de onda forçaram uma ligação. A ligação foi criada, permitindo que a consciência da jovem fosse tomada em instantes.

Os sentidos se tornaram confusos, até que desapareceram por completo. “Sentiu-se” flutuando num espaço escuro e, ao mesmo tempo, tão claro que chegava a cegar.

Bastaram segundos para que Emma fosse recebida pela fronteira entre a vida e a morte. Um lugar sem fim ou horizonte, minúsculo e gargantuano ao mesmo tempo. Emma não via ou escutava, muito menos sentia. Mas sabia que estava ali, em algum lugar do infinito, caindo eternamente de um precipício infinito.

Vagando pelo vazio inerte, Emma não fazia ideia de onde estava, muito menos se o processo realmente havia funcionado. O terror da dúvida a fez cogitar que a passagem havia falhado, e que agora estava morta, à deriva no inferno negro.

Olhou de um lado para o outro na busca de algum ponto de referência. Mas não havia nada além da mais pura treva. A solidão gélida a dava calafrios mesmo distante das sensações, rastejando por seu consciente como um pesadelo vívido.

Antes de aceitar o fim, um súbito clarão emergiu do horizonte profundo, reacendendo as esperanças da jovem. A centelha aumentava a cada segundo, pulsando no vazio como uma ferida exposta no tecido do espaço tempo. Emma logo percebeu que não era o portal que estava crescendo, ela que estava se aproximando da luz.

Diante daquela situação, Emma não resistiu à crescente atração e deixou-se levar até a beirada do buraco. De súbito, uma voz robótica ecoou pela vastidão abissal:

— Consciente conectado ao avatar computadorizado, sincronia se iniciará em 1...2...3...4...5… sincronia criada.

E então, numa velocidade surpreendente, Emma foi jogada para dentro da passagem. Quanto mais adentrava, mais ofuscante se tornava a luz no final do túnel, até que esta tomou sua visão por completo.



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