Volume 1
Capítulo 16: Labaredas da Alma {1}
A carroça freou de supetão, levando Gileon a precisar se segurar para manter-se firme. O sol brilhava alto no céu da manhã, azul e profundo como o Pacífico. Ele desceu num salto, já próximo do portão da propriedade.
— Me espera aí, Russel, volto logo! — avisou ele.
Na mão direita, levava um pesado saco que, a cada passo, soava o a melodia inconfundível de aço em colisão. O som, porém, lhe trazia um gosto amargo na boca, reforçado pelo receio da possibilidade de perder todo o investimento da operação.
“Espero que tenha valido a pena”, pensou.
Sua dúvida, contudo, não demorou muito a ser contrariada. No momento que pôs os pés no gramado, ouviu vozes carregadas pelo vento, tão inconfundíveis quanto o conteúdo do saco em sua posse. Junto das vozes, vez ou outra impactos podiam ser escutados. Ansioso, logo fez a curva que lhe concedeu completa visão do pátio principal.
O que viu, todavia, estava longe das expectativas que criou. Athert estava deitado na grama, o olhar perdido e direcionado ao céu. Próximo dele, Luca cutucava-o no pé com um graveto enquanto repetia “Ei, tio, acorda!”. Alex, não muito distante dos dois, observava Emma e Esther disputarem uma espécie de partida de baseball.
A jovem de cabelos negros mantinha a postura firme com o cetro do sacerdote em mão, já Esther tinha os dedos abraçados em volta duma bola de barro advinda do próprio solo da arena.
— Abre o olho ou vai comer poeira! — advertiu a fiel.
— Olha quem fala! Dessa vez eu não erro!
— Então vamo no um... dois e...!
— Mas que merda é essa aqui?!
E, daí pra frente, tudo desandou para uma sequência desastrosa de eventos. Todos ali – com exceção de Athert – direcionaram os olhares para o investidor. O arremesso de Esther foi interrompido no meio, ocasionando seu voo prematuro e desviado.
— Gileon?! — Alex disse, só não menos surpresa que as duas jogadoras.
— Patrão?! — Descrente, a fiel tentou ajeitar a postura na mesma hora, mas falhou miseravelmente.
— V-Velhote?! — Emma, no entanto, não teve a mesma sorte das amigas, e levou o saque de Esther direto na bochecha.
A esfera de lama se desfez no mesmo instante que atingiu a bochecha da garota, atordoada com o impacto. Ela caiu de lado, mas não a ponto de ir pro chão por completo.
— Ah! Droga! — Emma colocou a mão sobre a área atingida enquanto levanta-se o mais rápido possível.
— Algum de vocês, palermas, poderiam me explicar o que tá acontecendo aqui?! — Ele exigiu respostas, mas tudo o que recebeu foi um longo silêncio envergonhado.
— N-Nós estávamos treinando, é! — Esther argumentou. — Tudo tinha como resultado treinar a velocidade de reação deles, é isso aí!
— Por Deus... — Gileon afundou o rosto na palma da mão. — Era melhor só ter falado que estavam jogando baseball mesmo. Afinal, vocês treinaram nesses últimos três dias?
— Claro! — Disseram elas em coro.
— Mesmo?
Elas reafirmaram com gestos, convictas do que diziam. Afinal, não era mais que a verdade. Depois do acerto de contas entre Emma e Esther, as coisas fluíram muito mais facilmente.
Enquanto as manhãs e tardes foram reservadas a treinos individuais e conjuntos, as noites foram separadas exclusivamente para o descanso – mesmo que Emma quebrasse tal padrão algumas vezes. Na noite anterior ao último dia, entretanto, as coisas foram... mais extremas.
Dois dias foram o bastante para Athert convencer Alex a visitar a tal adega que Gileon mencionou ainda antes de chegarem ao chalé. O lugar, para o curandeiro sedento, era como a terra prometida, a materialização física do Eden se este fosse recheado de vinhedos.
E uma noite foi o bastante para ele terminar no estado deplorável do momento.
— Tá certo, vou acreditar em vocês. — Gileon coçou a cabeça, ainda meio incerto. — Mas e o sacerdote? Ele nem parece estar em condições de batalha!
— É só ressaca, velho. — Ele disse, a voz seca e arrastada. — Noite passada foi do caralho.
— Athert! — Alex o repreendeu, ação que não chegou nem perto de passar despercebida. — É... então.
— Sujou.
Foi então que as peças do mistério se encaixaram de vez. E, ao imaginar a resposta por trás do estado de Atbert, saiu correndo para dentro da casa. O previsto por eles então aconteceu:
— O MEU VINHO!
— É, ele descobriu.
— Graças a esse bêbado linguarudo! — Alex foi até o colega e o deu um chute consideravelmente forte.
— Ai! Qual é...! Ele ia descobri uma hora ou outra, me deixem em paz!
O dono da propriedade veio correndo até eles, longe demais da sua habitual postura. Estava possesso, furioso a ponto de explodir. A vermelhidão nas bochechas e os gestos frenéticos não ajudavam a contrariar tal tese, também.
— Sabem o quanto eu gastei pra juntar tudo naquela adega?! Milhares de sóis! Dinheiro pra cacete! E vocês conseguem tomar quase metade em uma noite?!
— “Vocês” vírgula, eu nem toquei nisso aí, odeio álcool. — Emma retrucou, mas não foi de muita ajuda.
— Tanto faz se bebeu ou não! Nem é preciso discutir pra ver quem bebeu aqui! — A frustração, aos poucos, foi deixando o homem, acalmado pela urgência da situação. — Quer saber? Foda-se isso, vocês me pagam depois. Peguem isso, equipem-se e vamos! A missão está prestes a começar.
Os equipamentos foram jogados aos pés deles e, depois de hesitarem por um momento, foram um a um pegando os próprios.
Alex foi a primeira a trajar-se com tudo. A armadura recebida fora algo derivado das vestes imperiais, adaptadas para melhor mobilidade e combate em terrenos quentes. Como arma. Recebeu duas machadinhas negras, leves e versáteis, apesar de totalmente feitas de aço.
O clérigo precisou de ajuda para se levantar e até mesmo para vestir o novo traje: o antigo robe largo fora desmantelado e dividido num conjunto mais leve e adaptado ao costumeiro calor da região.
— Não acredito que precisou da minha ajuda.
— Fica quieta...
As próximas foram Esther e Emma, respectivamente. A cultista recebeu roupas mais leves e mais bem protegidas, semelhantes à Athert em forma, mas diferentes no propósito. Eram mais pesadas e melhor revestidas, capazes de aguentar dano considerável. Para as mãos, recebeu um par de manoplas feitas de aço leve com alguns centenas de pequenos poros para a liberação das chamas ao mesmo tempo que conferia proteção.
— Agora eu gostei de ver!
A última foi Emma, e ela teve a cortesia de receber uma roupa mais estilizada. Tratava-se de um grande sobretudo preto, serpenteado por bordados brancos em formas de rosas pálidas e seus respectivos ramos, conectados em uma grande rosa nívea entre as omoplatas. De arma, ganhou uma espada leve o bastante para ser carregada numa só mão. A lâmina negra era apoiada pelo cabo versátil de cores entre o cinza e o branco.
O mais notável, porém, era uma pequena inscrição talhada no metal, escrita numa língua desconhecida pela garota.
— Aí, o que tá escrito aqui?
— Ah, isso? É rúnico. Lê-se “trovão”.
— Trovão...?
— Gravações rúnicas em armas concedem à elas traços especiais. Essa espada aí foi feita para armazenar grandes quantidades de “fluxo” do portador e até mesmo absorver energia de ataques mágicos mais fracos. A parte do trovão foi meramente estética, combina com você.
— Se você tá dizendo... aí Alex, dá uma olhada no material, o negócio é do bom?
— Mesmo depois de tudo isso, você ainda duvida de mim? — Gileon suspirou.
— É questão de segurança, aposto uma nota que você faz isso também.
E ele não negou, apenas permaneceu em silêncio.
— Realmente tudo parece ser de ótima qualidade, dá pra ver só de bater o olho. — Alex comentou.
— Valeu velhote, sei nem como agradecer por tudo isso.
— Ah, mas é claro que sabe! Me deixando rico depois da caçada. Falando nisso, é chegada a hora, vamos logo, não temos tempo a perder!
O trio de jovens acompanhou Gileon prontamente, já Esther ficou para trás junto de Luca. Ela agachou-se para ficar no mesmo nível de altura que ele, e então dizer:
— Eu já volto, ok? Não vamos demorar muito.
— Não é mentira, é?
— Ei, de onde veio isso? Eu não mentiria pra você desse jeito.
— Meus pais disseram a mesma coisa da última vez... lá na montanha.
De súbito, a situação tornou-se muito mais delicada. Apesar disso, Esther sorriu complacente, estendendo a mão. O punho estava cerrado, com exceção do dedo mindinho.
— Vamos fazer assim então, promessa de dedinho. Se eu voltar, vamos comer um doce juntos numa daquelas cafeterias que comentei noite passada, ok?
— Mas e se você não voltar?
— ...
Por um breve momento, as palavras não quiseram sair. Mais uma vez, ela teve de usar da arte do improviso para escapar da situação.
— Se eu não voltar, diga pra Emma que eu peço desculpas por tudo o que fiz. Não fui corajosa o bastante pra dizer isso eu mesma, então conto com você. Fechado?
Ele então selou o trato com o próprio mindinho.
— Fechado!
— É isso aí! — Depois de se levantar, ela bagunçou o cabelo do menino com a mão numa tentativa de afago e logo se direcionou para o resto do grupo.
Luca colocou a mão sobre o peito, o assoviar do vento tomando conta do lugar enquanto o sol passava do auge e começava a tarde. Ele não podia fazer nada senão esperar, e essa sensação corroía seu pequeno coração. Não só a despedida era familiar, mas ele temia que a conclusão também fosse.
Não houve um discurso antes do fim, nem quaisquer palavras motivacionais, apenas um comando, o que todos seguiram depois de unidos. O pelotão era composto por mais de duas dúzias de pessoas, contando com os quatro especialmente designados para a missão, todos agindo sobre a mesma ordem do comandante, este que liderava a expedição e copiosamente repetia: “Vamos!”, “Mantenham-se unidos” e, vez ou outra, um comentário sobre a passagem do tempo.
Cruzaram a floresta a cavalo, fossem individuais ou em carroças, e assim fizeram até o entardecer. Nenhum rastro sequer da onça vorpal foi encontrado, embora tivessem rodado a região dos avistamentos diversas vezes.
— Um animal tão grande e feroz como esse... como pode simplesmente desaparecer?! — Gileon reclamou diretamente para os seus companheiros no vagão.
— Não tinha nenhum padrão nos ataques? Digo, nada para usar de base? — Athert indagou
— E eu vou lá saber? Nenhum ataque impactou minhas economias diretamente, nem procurei sobre.
— Alguma coisa está faltando, isso tá estranho demais — adicionou Alex.
— Talvez o isolamento nessa região tenha tornado ela mais esperta, não tem outra explicação.
— Esperta? Não tem como, essas coisas só pensavam em matar no meu tempo!
— Exato, no TEU tempo, velho. Dê espaço para uma criatura se adaptar e ela vai se tornar muito mais imprevisível.
— E de onde foi que você tirou isso? Algum daqueles documentários do Discovery Channel?
— Na verdade, foi no Animal Planet.
— É isso, vamos parar. Prefiro virar comida de onça vorpal do que ouvir vocês tagarelando no meu ouvido. — Ele ficou de pé no vagão e então gritou para a companhia vindo atrás: — Pessoal, vamos parar! Tenho uma ideia em mente!
E assim foi feito. Poucos minutos bastaram para que todos os caçadores estivessem organizados em um círculo ao redor da carroça de Gileon, no momento preparado com um arco decorado em mãos.
— É o seguinte, pelo visto essa coisa não vai aparecer enquanto andarmos todos juntos. Faremos assim: Nos dividimos em quatro grupos de seis, três saem em conjunto nas direções opostas enquanto eu e meu grupo ficamos aqui para mantermos a localização. Se acharem a fera, não fiquem presos numa luta, quanto menos de nós, melhor é pra ela. Achem-na e chamem pelos outros da maneira que der, vamos matar essa coisa todos reunidos, assim temos a melhor chance. Combinado?
A tropa assentiu em silêncio e, feita a divisão, Emma viu-se sozinha com outros cinco soldados, sem saber do escalamento para os outros colegas. Assim, eles partiram do ponto central em três direções diferentes, próximas o bastante para permitir a mobilização rápida do apoio.
O grupo de Emma estava bem reunido, cada um cobrindo a posição do outro e mantendo os olhos bem abertos para todos os cantos. A garota era a última da formação, cobrindo a retaguarda em tensão crescente, apaziguada somente pelo som natural da floresta densa. Visto daquela forma, o perigo parecia inexistente, e ela pôde se sentir numa excursão dos escoteiros que seus pais sempre falaram.
A clara diferença, porém, é que aqueles escoteiros não carregavam nenhum biscoito e praticavam atividades divertidas. Era o completo oposto, na verdade.
Depois de andarem um bocado, alcançaram o rio principal que cortava a região. Não só as águas eram rápidas demais, como também não haviam motivos para continuar além da água. Eles então concordaram numa série de gestos para o retorno da equipe. Algo, porém, soou repentinamente estranho.
Toda a floresta pareceu emudecer-se de uma hora para a outra. O cantar dos pássaros cessou abruptamente e levou junto o som dos outros animais. Somente a água e o vento rugiam unidos ao fundo, mas nada vivo sequer ousava fazer um som. E, percebendo isso, todos colocaram as armas de prontidão.
— Aí, por que tudo ficou quieto do nada? — questionou um dos caçadores.
— Boa coisa não é — disse outro.
O Diálogo foi encerrado até o momento em que o primeiro da fileira notou algo.
— Gente, aquilo ali não parece...! — Ele, porém, nunca pôde concluir a sentença.
E, tão rápido como surgiu, o silêncio foi cortado pelo grito estridente do soldado empalado e erguido junto à longa cauda que de repente apareceu. Diante dos olhos dos outro cinco, parte da paisagem tremeu e começou a tomar forma, mudar do verde musgo para o mais puro branco, partindo da ponta do rabo até revelar toda a extensão da criatura.
A onça então os circundou vagarosamente, ficando de frente para eles. Os caçadores, incluindo Emma, simplesmente paralisaram de medo, vendo o corpo sem vida do colega ser jogado atirado para longe somente com a força da cauda. A gigantesca criatura abriu a boca e os olhou com seus enormes olhos âmbares, ameaçando-lhes com um rosnado rouco e grave.
— Corram! — gritou um deles e, sem nem questionar, eles dispararam na direção oposta.
O monstro, porém, não deu nenhum segundo de folga. Ela imediatamente os perseguiu, abatendo os caçadores um a um com patadas, mordidas e golpes das lâminas. Emma somente ouviu os gritos e o som da carne sendo despedaçada e de ossos esmagados, não ousou olhar para trás nem que a instintiva curiosidade lhe ordenasse fazer.
A vez dela estava pra chegar, também. Já podia sentir o arfar da criatura e o bafo podre vindo da bocarra cheia de dentes afiados. Ela, no entanto, foi salva no último instante por não uma, mas toda uma saraivada de flechas vinda do grupo de Gileon. A morte dos companheiros e sua velocidade deram-na tempo o suficiente para alcançar a relativa segurança.
Perfurada por algumas flechas, a criatura logo preparou outro ataque, mas foi flanqueada pelos outros dois grupos. Em questão de segundos, a onça vorpal foi cercada.
— Ataquem com tudo, soldados! Ataquem com garra e tragam a vitória para casa! — Gileon bradou, e então começaram os ataques sequenciais.
O elemento surpresa provou-se efetivo em retardar as ações imediatas do felino gigante – ainda maior do que as proporções previstas -, mas tal vantagem não durou muito tempo. A maioria das lâminas só foi capaz de causar pequenos cortes na pele grossa do animal, que reagiu na oportunidade surgida.
Com simples balanços do enorme corpo armado de lâminas, ela foi capaz de derrubar meia dúzia dos soldados. Os ainda vivos eram desesperadamente retirados e tratados por Athert e outra curandeira presente, mas isso não colocaria os mais feridos em disposição de combate imediatamente.
Pouco a pouco, o cerco ao redor da onça virou-se contra os atacantes, e ela rapidamente reverteu a situação. Numa sequência de ataques devastadores, mais da metade dos soldados restante foi ferida, mas praticamente nenhum ficou de pé, empurrados pelos movimentos da besta ou simplesmente desequilibrados pelo balançar constante do solo em resposta aos movimentos bruscos do pesado animal.
Mesmo em tal situação desesperadora, Emma conseguiu atingir em cheio um dos membros da criatura, deixando-a mais lerda, mas também ganhando a atenção dela. Com a lança na ponta da cauda, a onça tentou perfurar Emma, mas ela reagiu a tempo suficiente para desviar o ataque, embora não totalmente.
Apesar do aparo, a ponta da lâmina óssea passou cortando pelo braço esquerdo da garota, jogada para trás com a força do impacto. Alex, uma das poucas ainda de pé, correu para ajudar a colega, mas foi igualmente atirada para longe por um balanço súbito do felino.
Vendo a situação indo de mal a pior, pouco poderia ser feito a não ser continuar lutando até o fim. Muitos já haviam morrido, outros não estavam mais em condição de lutar. Uma das poucas pessoas ainda capazes, porém, era Esther.
Foi então que ela teve o terrível vislumbre de seus companheiros de batalha caindo um a um, abatidos como moscas por algo avassalador e além das suas capacidades. Sabia que logo seria a próxima, mas não podia aceitar este destino, não quando as coisas finalmente começaram a se consertar.
Ela lembrou de mais cedo, dos dias anteriores, de todos os desejos que nasceram no começo de sua nova vida. As memórias do tempo no culto voltaram torrenciais, todas as provações contestadas e paralelas aos momentos de maior felicidade. As palavras do motoqueiro solitário ecoaram mais uma vez na sua mente junto do rugido tempestuoso da chuva gelada daquele fatídico dia:
“Você tem o ímpeto pra mudar o mundo, garota, não deixe ninguém lhe dizer o contrário. Mostre pra eles o seu fogo interior!”
Sorriu involuntariamente, decidida a vencer a qualquer custo. E, para isso, ela tinha uma última carta na manga.
— Ah, pode apostar que vou! Aí, tigrão! — Ela chamou e, milagrosamente, conseguiu a atenção do felino para si. — Olha bem pra mim!
“Queria que a Amber pudesse ver isso, porque agora eu vou botar pra foder!”
Ela foi com tudo, não mais controlando o próprio poder, sendo rapidamente envolvida num turbilhão de chamas vorazes. A súbita liberação piroclástica foi tão intensa que o excedente energético vazou na forma duma onda de choque com alta temperatura, expandindo-se de forma a chacoalhar árvores próximas e simplesmente calcinar toda a vegetação num círculo ao redor do ponto de ignição.
De brilho capaz de rivalizar o sol poente, a energia mágica irrompeu com todo o fluxo da floresta e, inevitavelmente, tornando-se um alvo prioritário para a onça alterada. Com a atenção do predador desviada, os caçadores restantes puderam se reagrupar e levar os feridos para longe da batalha entre a mulher e o monstro.
Fugaz pela própria essência, o turbilhão de fogo desfez-se, deixando para trás uma densa nuvem de cinzas que, a princípio, tomava toda a visão da fera. Mas não demorou muito para que a cortina de fumaça fosse aberta por grandes asas flamejantes, feitas do mais puro fogo.
Renascida como uma fênix, Esther saiu das brasas em seu auge. Os braços estavam cobertos de labaredas até a altura dos cotovelos e já as pernas estavam tomadas dos pés aos joelhos. O cabelo dourado queimava em fogo puro, mas não traziam dor à evocadora. As já citadas asas projetavam-se das escápulas, de tamanho suficiente para intimidar o oponente.
Numa das mãos, munia-se duma alabarda flamejante e, com a outra, desafiou a criatura.
— Pode vir quente que eu tô fervendo!