Volume 5
Capítulo 248: Não Odiava Sylford
Vieram dias de “tranquilidade” após o confronto contra Belphegor dé Halls. Tranquilidade entre aspas porque os treinos só ficaram ainda mais infernais.
Loright e Kurone estava se esforçando como nunca para melhorar o seu nível, viram como estavam fracos. Se tivessem lutando sozinhos contra o Duque do Inferno, não tinham certeza se o resultado seria o mesmo.
Desde aquele dia, não viu Salas. Quando questionou a Sylford sobre a irmã do meio, ele falou que ela estava sendo cuidada em um hospital de Fallen e logo estaria de volta.
O garoto não deixou de ficar tenso, ainda mais porque não foi permitido visitá-la, mas Sylford e Cynthia deram a sua garantia que não havia com o que se preocupar.
Passado uma semana após o incidente, um empregado passou um recado para o menino de cabelos loiros. “Vá ao cômodo secreto”, o empregado apenas disse aquilo e foi embora, sabia que, mesmo se perguntasse, ele não teria qualquer resposta.
“Cômodo secreto” só poderia se referir ao local que Salas vivia reclusa, a entrada era conhecia: uma pequena abertura, protegida por um feitiço de ilusão, no corredor da cozinha.
Sem perder tempo, adentrou aquele lugar e desceu as escadas, com cuidado para não tropeçar naquele breu. A escuridão estendia-se por mais alguns minutos, até ver a luz de velas, o indicador que chegou no local.
— Iolite, que bom ver você.
Surpresa tomou conta de Kurone.
Contaram-lhe sobre o estado de Salas antes, ela não tinha feridas graves, contudo se machucou muita na luta contra o anjo. Mas aquela jovem na sua frente não apresentava nenhuma ferida, sua pele macia e pálida estava mais saudável que o normal.
— Acho que os Sophiette tão fora da minha compreensão mesmo… — murmurou, aproximando-se da moça sentada na borda da cama.
Salas esboçou um sorriso ao ver o seu amigo agindo naturalmente, porém aquele sorriso logo desapareceu e deu lugar a uma expressão séria.
— Iolite, há algo que eu quero te contar. Não vou te culpar se você me odiar por isso, porque você já me ajudou o suficiente, me sinto culpada por continuar mentindo.
Não entendia onde ela queria chegar, decidiu apenas escutar.
— Antes de tudo, — Salas continuou com o rosto um pouco baixo — queria agradecer pelo que você fez na luta contra o anjo. Obrigado, Iolite, por derrotar aquilo usando o estilo Sophiette.
— Desde pequena, minha mãe me criou mostrando que a delicadeza do estilo Sophiette era o segredo para vencer qualquer batalha, mas meu pai era um bárbaro, só queria saber da violência com a espada.
— Até hoje me pergunto o motivo deles terem se casado, eram como opostos, sempre estavam brigando. Meu pai sempre repreendia a minha mãe quando ela me tratava com delicadeza, dizendo que não era bom para o meu crescimento.
— Mas eu realmente gostava da delicadeza das mulheres… bem, acabou que um dia meu pai descobriu que estava usando roupas de garota e teve uma briga feia com minha mãe.
Aquela última parte fez a sobrancelha de Kurone elevar-se. O que ela queria dizer com aquilo? Não era normal uma garota vestir roupas de garota?
Sua dúvida foi sanada com o movimento seguinte da jovem, na verdade, do jovem.
Salas prendeu o seu cabelo longo em um belo rabo de cavalo e usou um pano para retirar o excesso de maquiagem do rosto. Ela nem precisava de qualquer cosmético, já era linda naturalmente.
Enfim, entendeu tudo aquilo que a moça queria dizer. Aquele com uma expressão um tanto melancólica na sua frente era ninguém menos que…
— Sylford?!
{Este sentimento é o que chamam de “surpresa”, A Celestial nunca havia sentido algo assim antes.}
Kurone podia dizer a mesma coisa, aquele foi um choque tremendo que o fez recuar alguns passos, como se houvesse um tipo de aberração à sua frente.
Mas era apenas instinto, logo conseguiu um pouco da sua calma e voltou a raciocinar.
“Claro, eu devia ter pelo menos suspeitado naquela hora.”
Na luta contra o subordinado de Belphegor, Salas prendeu o seu cabelo e assumiu uma aparência semelhante à do jovem líder da casa Sophiette. Imaginou que era apenas por serem irmãos. Engano!
O sentimento de traição era impossível de evitar, no entanto conseguiu entender, mesmo que superficialmente, os motivos de Sylford. Por isso, deixou ele continuar.
— Meu pai realmente nunca aceitaria algo como aquilo, mas minha mãe defendia a minha felicidade, ela disse que eu tinha que fazer o que me deixava mais confortável, por isso… ela desafiou ele para um duelo.
Era aquele o jeito da família Sophiette resolver os seus problemas?
O tom do jovem à sua frente foi ficando cada vez mais sombrio, indicando que o fim daquela história não era dos melhores.
— Minha mãe foi morta por aquele homem, meu pai. Ela tinha forças de ganhar, mas… mas ela quis ir até o fim apenas com o estilo Sophiette, ela disse que a delicadeza ia vencer, mas aquele desgraçado usou truques sujos!
Por um segundo, sentiu as pernas bambas.
O que era aquilo? Como o marido podia matar a mulher apenas por um assunto como aquele? Podia entender completamente o motivo daquelas lágrimas aflorando do rosto de Sylford.
Ficaram apenas em silêncio pelos próximos minuto, Kurone já podia deduzir os resultados daquele duelo.
O jovem Sophiette ficou traumatizado após sua mãe morrer, na sua frente, por sua culpa, e jamais conseguiu se vestir de garota novamente sem sentir aquele peso em suas costas.
Naturalmente, toda a culpa caiu sobre ele, por isso foi alvo da reprovação de todos, até da sua irmã, Cynthia. Viu claramente o olhar de desprezo que a garotinha a viu “Salas” em Fallen.
— Aquele vestido que você tava usando em Fallen…
— Foi um vestido feito à mão por minha mãe. Eu guardo ele como uma relíquia, achei que eu teria que usar ele quando fosse para aparecer no mundo externo vestido daquela maneira novamente.
Entendia.
Mesmo que fosse a causa da morte da sua mãe, Sylford sentia-se bem se travestindo, por isso escondia-se naquele cômodo, assim não perturbaria mais ninguém e não receberia o olhar de nojo de todos.
— Iolite, o que você tem a dizer sobre isso?
— Eu acho… que não tenho muito o que dizer. Não faço ideia de como você se sente, não vou mentir, acho estranho um cara gostar de se vestir de menina, mas você não tá fazendo mal a ninguém, então não é realmente algo da minha conta.
Sylford encarou-o com descrença. Foi uma opinião forte, mas Kurone não o reprimia, apenas não se importava realmente com os seus hobbies.
— Mas tem outra pessoa ali que você tem que conversar. — Apontou para a entrada do cômodo.
Com o seu dom natural, era óbvio que o jovem Sophiette já havia sentido aquela presença desde a sua chegada.
— Cynthia, minha irmã, pode aparecer.
A garotinha aproximou-se após o chamado. Embora sua expressão fosse fria e ainda possuísse aquele olhar de desprezo, Kurone podia dizer que aquela menina de braços cruzados estava contendo o choro.
Ela escutou toda a história contada pelo irmão.
Segundo o que “Salas” disse, quando estavam na outra cidade, “ela” e Cynthia eram amigas quando mais novas, aquilo acabou no dia em que a senhora Sophiette foi morta pelas mãos do próprio marido.
— Querido, pode nos dar licença? — a garotinha pediu, sem fazer contato visual.
Kurone não disse mais nada e apenas saiu do local, esperando na entrada até que terminassem, contudo passou-se quase uma hora e eles não saíram de lá.
Se não conhecesse bem aqueles dois, diria que Cynthia matou o irmão e enterrava ele naquele momento.
“Acho que eles têm muito pra conversar mesmo.”
Simplesmente desistiu de esperar e foi na direção do jardim da mansão. Ainda sentia algo estranho, mas finalmente decidiu-se: não odiava Sylford e perdoava-o por sua mentira.
{Uma memória envolvendo “cosplay de femboys” foi acionada em sua mente, isso tem algo a ver com a situação atual?}
“Já falei pra você não ficar bisbilhotando minhas memórias assim! E eu não tenho fetiche em femboy não, viu?”
{Essa memória…}
“Ué? Por que o Azrael não tá me perturbando mais? Desde o começo da luta contra o Belphegor, ele não deu mais sinal de vida… se bem que ele tá morto mesmo.”
Falou apenas algo para desviar o assunto da conversa, mas aquilo era realmente estranho. O silêncio do Suserano da Morte era algo inquietante, nada de bom poderia vir daquilo.
Kurone pensou em perguntar a Ellohim se ela ainda sentia a presença daquele ser excêntrico, contudo, sua atenção foi direcionada para diversos soldados de Andeavor ali.
Conhecia um deles, era o homem responsável por apresentá-lo como um Gênio da Geração para o rei. Aquilo só podia significar que a hora da sua partida chegava, isso se não houvesse qualquer problema com a sua admissão na academia da capital.
O homem sorriu e acenou para o garoto, educadamente.
— Iolite, eu vim te buscar!