Volume 5
Capítulo 242: Ela É Como O Irmão
— O que você tem na mão? — perguntou Loright ao órfão.
— É um inseto! Quer ver, irmã Daisy?
— N-não! Eu tenho pavor desses bichinhos! Loright, me proteja!
A sacerdotisa escondeu-se atrás do jovem de cabelos negros, claramente fazendo drama.
Loright estava ali apenas para ajudar na aula das crianças, ele conseguiu improvisar um quadro negro em uma das árvores do meio do jardim de Sophiette, mas era difícil controlar aqueles meninos quando estavam a céu aberto.
As outras irmãs limpavam as barracas, por isso só estava ele e a sua amante ali, responsáveis por aquelas feras.
— Deixa esse bicho aí e vai prestar atenção no que a irmã Daisy tá ensinando.
— Tá bom, irmão Loright.
Aquela última fala do órfão doeu. As crianças começaram a chamar-lhe de ‘irmãos’ devido a Luminus, e escutar aquilo fazia-lhe lembrar da garotinha toda vez.
Mas esqueceu da tristeza por um momento, quando olhou para o inseto que o garoto colocou sob a grama. Parecia um gafanhoto comum, contudo, possuía uma aparência metálica.
Jamais viu um animal como aquele antes.
— Lorigth, agora é você que vai ficar se distraindo com esse inseto? — repreendeu a irmã Daisy.
— Ah, desculpa, só fiquei um pouco curioso, mas prometo que vou prestar total atenção nas crianças!
Aquele era o limite dos cavalos, correr naquela velocidade era demais para aqueles animais, esqueceu-se de que normalmente andava em carruagens nobres, não comuns como aquela.
— Animais idiotas! Assim não vamos conseguir chegar lá a tempo! — Cynthia protestou, colocando a cabeça para fora do veículo.
— Foi culpa minha, eu devia ter pego pelo menos um dos cavalos especiais…
Desde que deixaram Fallen, Salas esteve se culpando por tudo, ela ficou abatida após ver a situação daqueles soldados de Andeavor.
Kurone suspirou, não estava no ânimo para conversar, precisava pensar em alguma maneira para chegar em Sophiette o mais rápido possível.
— Todo mundo salta da carruagem, agora! — Salas gritou de repente, puxando a irmã pela janela.
O garoto no banco de condutor obedeceu no mesmo momento aquela ordem, aprendeu a nunca duvidar de avisos súbitos como aquele.
Ao saltar, escutou o barulho de madeira rachando. Era a carruagem.
O veículo foi separado ao meio, assim como os cavalos que o moviam.
Sentiu uma ânsia ao ver aquela cena, um pouco do sangue dos animais divididos em duas bandas ainda pingaram em suas roupas.
Buscou as figuras de Salas e Cynthia, por sorte, elas estavam em segurança, apesar de que a irmã menor parecia ter ralado os cotovelos ao se lançar no chão.
Por fim, mirou o culpado por aquilo. Estava no ar, era um homem parrudo e loiro, aquilo que o permitia levitar era um par de asas grandes e brancas.
Conhecia aquele semblante de algum lugar.
— Ei, seu maluco, sabia que isso podia ter machucado um de nós?! — Kurone gritou, cerrando os punhos, aquele sujeito não parecia ser um dos mocinhos.
— Não consegue nem mesmo sentir a minha presença, — murmurou o homem no ar — não entendo porque o mestre tem interesse em alguém tão medíocre assim.
— Medíocre é a tua mãe — praguejou enquanto materializava a sua fiel Boito .20 de canos serrados. — Hoje eu não tô de bom humor e nem tenho tempo pra perder.
— Você consegue entender o que ele diz, Iolite? — Salas, ajudando Cynthia a levantar-se, perguntou. — É a língua antiga dos anjos, nós conseguimos entender porque somos meio-anjas, mas não imaginei que você tivesse esse dom.
Acasalar com um membro da família Sophiette não era uma tarefa fácil por eles serem muito fortes, por isso normalmente os Sophiette tinham filhos com os Sophys, mas havia exceções, como Salas, Sylford e Cynthia, que possuíam tanto sangue de Anjo quanto de Sophiette.
— Aquele cara ali em cima não é parente de vocês não? Tentem negociar com ele aí…
— Creio que não, e ele parece ter um interesse incomum em nós — Salas comentou. Após estabilizar a irmã, ela deu alguns passos à frente. — Deixe comigo, Iolite, eu vou proteger vocês.
— Tá zoando?
— Não sei o que você quer dizer, mas como a mais velha aqui, é o meu dever proteger vocês. Acima de tudo, eu ainda sou uma Sophiette, e sei muito bem como usar meu corpo.
Não conseguiu evitar, pensou em uma piada suja com aquele último comentário, mas voltou ao seu foco: aquele Anjo. Annie não estava mais consigo para ver os status dos seus inimigos, no entanto, podia dizer apenas de olhar que aquele era um inimigo perigoso.
Nunca viu Salas em combate antes, mas como alguém que vivia trancada em um quarto escuro poderia lutar, por mais que fosse abençoado pelo sangue Sophiette?
Recusava-se a deixar a moça lutar, mas um toque em seu ombro chamou a sua atenção. Era Cynthia, com uma expressão de dor devido aos ferimentos no cotovelo.
— Confia nela, essa pessoa sabe muito bem o que tá fazendo.
Apenas suspirou. Kurone sabia que Cynthia não era um idiota, se ela confiava em sua irmã mais velha, então só lhe restava ter esperança também.
— Se qualquer coisa der acontecer, eu vou entrar na luta também — afirmou enquanto se afastava com a Sophiette mais nova.
— Não se preocupe, Iolite, eu vou lhe mostrar como as artes marciais podem ser úteis em uma batalha real.
Ela falou como o Sylford, aquela família tinha uma tara esquisita com relação às artes marciais, principalmente com o estilo Sophiette.
— Desculpe por lhe fazer esperar, agora podemos começar — Salas falou, montando a base do estilo da sua família. Toda aquela tensão e o medo desapareceram do seu semblante, parecia uma guerreira habituada à batalha.
O Anjo, que acompanhava tudo calado e sem mudar a sua expressão, apenas esticou a mão esquerda, considerando a sua postura, ele era usuário do Tipo Elemental Vento.
“Porra, eu disse que não tem como vencer só com artes marciais, ele vai usar magia.”
Vosh! Uma lâmina de vento formou-se a partir da mão daquele sujeito e foi em direção da jovem Sophiette. Foi uma daquelas que partiu tanto os cavalos quanto a carruagem ao meio.
Não era tão rápida a ponto de não ser perceptível para todos, porém um humano comum teria dificuldades em desviar daquilo.
Mas Salas não teve dificuldades em esquivar. Além de não lutar com frequência, a garota estava com um vestido, o que limitava os seus movimentos, mas ainda assim, ela movia-se com destreza, atenta a cada movimento e mudança no campo de batalha.
— Pelo visto, teria que usar a força bruta para acabar com isso. O único que importa para o mestre é o garoto, por isso estou autorizado a tirar a vida de qualquer outro que não seja ele.
Como um guerreiro experiente, o Anjo percebeu que seria inútil lançar magia em Salas na esperança que alguma atingisse a garota, por isso buscou a forma mais eficiente de acabar com aquilo: combate direto.
O inimigo não portava qualquer arma, mas a diferença entre os físicos dos oponentes era gritante, e ainda havia a vantagem de ele poder usar magia de curta distância na garota.
Assim que seus pés tocaram o chão, o Anjo avançou com uma passada explosiva, o impacto daquela mão grande seria suficiente para explodir a cabeça de Salas em mil pedaços, mas a garota manteve-se focada até que o ataque chegasse a poucos centímetros de atingi-la.
Ela fez um pêndulo perfeito, Salas desviou do soco explosivo com facilidade e, com elegância, girou no ar, desferindo um chute poderoso nas costas do grandalhão.
Ninguém imaginaria que um pé delicado como aquele seria capaz de dar um chute tão poderoso.
Ao tocar a ponta do pé no chão, a moça não deu brecha e continuou a dar chutes altos e rápidos, os primeiros acertaram o queixo do oponente, mas logo perderam a eficácia quando ele usou os antebraços volumosos para defender-se.
— Argh!!!!
Com um grito de fúria, o Anjo fez uma barreira de ar ao seu redor e a explodiu, na esperança de desnortear Salas, porém a jovem antecipou-se e começou a tomar distância antes mesmo dele usar a magia.
Sem dúvidas, ela podia ler o seu inimigo como um livro.
Mas, apesar de tantos ataques desferidos, até mesmo no queixo do grandão, aquele ser não parecia ter sofrido nada. Abrindo os braços ao limite, ele fez um bater de palmas que lançou uma corrente de ar violenta na direção da jovem, seguida por várias lâminas de vento.
Salas desviou da maioria sem problemas, mas Kurone começou a preocupar-se quando ela foi atingida em sequência por aquelas lâminas invisíveis. Foram cortes leves no ombro e no pescoço, mas ainda eram cortes dolorosos.
— Desculpe por fazer isso, mãe, — Salas murmurou — mas preciso levar essa batalha a sério se eu quiser vencer.
Ela pegou uma pedra com ponta no chão repleto de grama e usou-a para rasgar um pouco do seu vestido, deixando a parte inferior quase na altura de uma minissaia. Removeu também as mangas, e usou um dos pedaços do tecido para prender o cabelo em um rabo de cavalo e outro em seu ombro, a fim de estancar o sangramento devido ao corte.
— Agora, sim, grandão, podemos lutar com tudo — a jovem disse em um tom de arrogância.
— Ei, Cynthia… — Kurone olhou para a garota ao seu lado. — É impressão minha, ou a Salas tá igualzinha ao Sylford agora?...