Raifurori Brasileira

Autor(a): NekoYasha


Volume 5

Capítulo 240: "Feitiço De Proteção"

A aparência dessa Fallen era incomparável à do futuro.

Bastava olhar para o rosto dos moradores transitando, e para a quantidade de visitantes atravessando a entrada da cidade, não havia dúvidas, aquela era uma cidade próspera.

Após adentrar o local, buscou um ponto menos movimentado, seria um tiro no pé deixar Salas sair logo ali, em uma área repleta de multidões. Precisava molhar as mãos dela com algumas gotas antes de mandá-la para a banheira, que era o acervo de pessoas.

Percorreu a cidade um pouco até encontrar um local com menos movimentação, ainda se lembrava de algumas partes do local— também do cheiro de algumas frutas exóticas à venda nas barracas das esquinas.

A carruagem usada para aquela viagem não possuía o brasão da família Sophiette, por isso não chamaram a atenção de ninguém. Eles nem mesmo estranharam uma criança conduzindo, afinal a escravidão infantil era algo comum naquele mundo.

O local escolhido para encostar o veículo foi um beco pouco movimentado, que futuramente serviria de ponte entre a área nobre e a favela da cidade, ainda inexistente naquela época.

— Pode sair quando tiver pronta — falou Kurone, dando alguns toques na porta. Podia escutar a respiração pesada da garota através da madeira. 

Sabia como era sentir aquela pressão, mas o medo de Salas nunca desapareceria se ela não o confrontasse, por isso tentaria dar apoio, assim como a senhorita Kanade, sua psicóloga, apoio-lhe nos momentos que mais precisou — apesar de ser bem pagar para aquele serviço.

Passaram-se pelo menos cinco minutos. O garoto encostado na carruagem surpreendeu-se ao escutar a porta abrindo e o pé delicado da sua passageira tocando o chão com ladrilhos.

Os olhos de Salas examinavam todo o cenário com apreensão, seus ombros na altura das orelhas e as mãos próximas ao peito deixavam nítida a sua ansiedade, estava realmente nervosa.

Tocou o ombro da moça, fazendo uma leve pressão, na esperança de tranquilizá-la. 

— A gente vai começar devagar, primeiro vamos naquela banca ali da esquina que não tem quase ninguém. Você trouxe dinheiro?

Ah… sim, sim, eu peguei um pouco das minhas economias exatamente para tentar comprar algumas coisas sozinha…

— Relaxa, vai dar tudo certo… e se der errado, eu vou tá aqui pra te ajudar, era isso que minha psicóloga sempre dizia.

— Psi o quê?

— Esquece, só me acompanha, você vai comprar algumas frutas agora.

— Tudo bem deixar a carruagem aí? — Ela apontou para o veículo. — Sei que não é das carruagens com o brasão da família, mas ainda assim podem tentar roubar.

— Não acho que vão perder tempo roubando uma carruagem assim, mas por via das dúvidas…

— O que você fez?

— Vamos dizer que lancei um feitiço de proteção.

Na verdade, plantou uma mina terrestre logo ao lado do veículo, mas Salas não precisava daquela informação.

Enquanto treinava sozinho, focando no uso das suas armas, aprendeu a controlar a potência da explosão das suas minas. Aquela que deixou ali causava pouco dano, pois não fazia sentido matar o ladrão e destruir a carruagem, e só acabariam chamando atenção com uma explosão muito forte.

No máximo, seu “feitiço de proteção” jogaria o larápio para longe sem causar alvoroço.

— Vai dar uma moeda de bronze no total — cobrou a senhora da banca de frutas.

— Agora, com calma, pega uma moeda de bronze e entrega pra ela — sussurrou Kurone, logo ao lado da jovem um pouco tensa.

Salas mantinha a sua cabeça baixa, os ombros ainda estavam altos e seus braços delicados tremiam um pouco.

Após um longo suspiro, ela conseguiu forças para tirar uma moeda da pequena bolsa que carregava consigo, e entregou para a senhora, que, por sua vez, estendeu a cesta com as frutas.

— Deixa que eu levo. — O garoto adiantou-se, segurando o objeto, sabia que a jovem Sophiette não possuía mais força para segurar nada depois de todo aquele esforço.

Ah, mocinha, levante essa cabeça, você é muito bonita, precisa ter mais confiança — disse a senhora de repente, fazendo Salas corar intensamente.

— Mo-mocinha? Bonita?...

— O que foi? Vai dizer que nunca te elogiaram assim antes? Seu irmão pode confirmar isso, é lógico que você é muito bonita.

— E-ele não é meu irmão…

— Oras, entendo, então vai precisar de mais confiança se quiser impressionar ele, quaquaquaqua!

As palavras da velha vendedora só deixaram Salas ainda mais constrangida, a ponto da respiração dela oscilar de uma maneira preocupante.

Vendo aquilo, Kurone segurou rapidamente a mão dela e a puxou, despedindo-se daquela senhora de risada estranha com um aceno do membro que carregava a cesta de frutas.

— Você mandou muito bem.

— Sé-sério? Acho que tremi muito… ela fez muitas perguntas sobre o tipo de frutas que eu queria comprar, jamais imaginei que fosse tão tenso comprar qualquer coisa.

— E é porque você não precisa dizer se é no débito ou no crédito…

Hã?

— Esquece, é só eu pensando alto de novo.

Haha, você é muito engraçado quando fala essas coisas que não fazem sentido… Ué? Você me deixou mais relaxada depois de me fazer sorrir, já estou conseguindo respirar normalmente, apesar de meu coração estar um pouco acelerado ainda…

— Vai demorar um pouco pra você se acostumar a comprar, mas uma hora você pega o jeito, o mais difícil é manter o contato visual com o vendedor. Você não pode demonstrar ser fraca, ou vão te vender produtos caros sem dar a chance de você protestar.

Ohhh, você sabe de muitas coisas, professor Iolite!

Uma expressão presunçosa formou-se no rosto do menino quando escutou o termo “professor”. Estava acostumado a ser ensinado pelos outros, a sensação de passar conhecimento para um pupilo era estranha, de um jeito bom.

— Bora sentar aqui pra descansar um pouco. — Kurone parou e puxou duas caixas velhas, vazias e abandonadas. — Posso pegar uma dessas coisas?

— Que pergunta boba, é claro que pode! E não são coisas, são mamões roxos, um tipo de mamão que só cresce nas terras de Fallen.

— Você sabe muito para quem quase não sai de casa.

— Eu leio muitos livros, hihi.

Apesar do nome, aquela fruta não possuía nada de “mamão”, era doce, e sua suculência lembrava muito mais uma manga.

Salas degustava a sua em uma postura nobre, sem tremer e com os olhos fixos no horizonte, não parecia aquela garota acanhada de poucos minutos atrás.

— Em uma coisa aquela senhora tinha razão, — ele pôs a cesta no chão, entre a sua perna e a de Salas — você é bem bonita, não devia duvidar quando te elogiam.

Um leve rubor surgiu na bochecha da moça, mas dessa vez ela conseguiu manter a postura.

— Pare de dizer essas coisas constrangedoras, Iolite. Minha irmã te mataria se soubesse que você está falando esse tipo de coisa para mim.

— Não falei com essa intenção, mas o que a sua irmã nutre por mim é um sentimento unilateral.

Afinal, ela só possuía dez anos. Mesmo sendo a alma que reencarnaria como Flugel, conhecia o certo e o errado, e não queria causar problemas que repercutiriam no futuro.

— Mas é fato que o que a Cynthia sente por você é verdadeiro, nunca vi ela agindo daquele jeito com outra pessoa antes. Todos temos nossos problemas, até ela, mesmo sendo tão nova, e aquela personalidade narcisista foi um meio que ela criou de se proteger e não se machucar novamente.

Era até óbvio aquilo. Bastou passar tempo com Sylford, Cynthia e Salas para perceber o quão incrível eles eram, cada um da sua própria maneira e, por mais que tivessem peculiaridades, isso não os tornava pessoas ruins.  

— Eu e a Cynthia já fomos bem unidas até recentemente, mas infelizmente houve um desentendimento, e ela acabou se juntando ao grupo de pessoas que aponta o dedo para mim. Eu não tenho raiva dela, nem a culpo por isso, afinal eu fiz algo imperdoável…

— Mas talvez se vocês sentassem e conversassem um pouco…

A sentença de Kurone foi interrompida por uma explosão.

Conhecia o som. 

Salas estava certa ao se preocupar com a segurança da carruagem, pois aquele era o barulho de uma mina terrestre explodindo.

— A carruagem! Fica aqui, eu vou lá ver o que foi. — Levantando-se com um salto, Kurone correu na direção do beco onde estacionou o seu veículo. Materializou a sua Boito .20 de canos serrados, apenas por garantia.

Viu uma fumaça escura ao aproximar-se, e o som de alguém tossindo com força, mas estranhou ao discernir aquela tosse: era uma garota.

— Não pode ser…

Lançou uma magia de ar simples, para dispersar toda aquela fumaça e visualizar o “ladrão”, ou melhor, a “ladra”.

A culpada era uma garota na mesma estatura de Rory, com cabelos dourados e roupas caras. A descrição seria diferente se fosse do ponto de vista de outra pessoa, pois ela estava completamente suja, apenas seus olhos azulados se destacavam na silhueta coberta de poeira.

Kurone conseguia imaginar os cabelos e as roupas da menina, pois a conhecia. Essa era ninguém menos que…

— Cyn-Cynthia?!! — gritou Salas, chegando naquele momento, com a cesta de frutas ainda na mão. 

Um terror indescritível tomou conta do rosto da moça após ela ver a sua irmã mais nova ali.









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