Raifurori Brasileira

Autor(a): NekoYasha


Volume 5

Capítulo 239: Dupla De Mentirosos Na Carruagem

— Você está ficando bastante tempo aqui dentro, não é mesmo, meu querido? 

Foi surpreendido pela voz de Cynthia. 

A menina, com uma expressão de quem possuía um pouco de irritação, estava ali, em pé no fim do corredor, de braços cruzados.

Esteve evitando a garota nos últimos dias, não queria se envolver muito com ela, ainda mais sabendo que aquela era a pessoa que reencarnaria como Flugel, no futuro.

Sua mente já estava repleta de problemas, não queria ter que se preocupar com aquilo também.

Mas não importava como a tratasse, Cynthia não dava sinais que desistiria dele.  

— De onde você está vindo? — Ela olhou desconfiada para o corredor vazio. — Tem andado muito por esse corredor, não é mesmo?

— Eu tinha ido comer alguma coisa na cozinha…

Hmmm… Olha, por mais necessitado que você seja, não pode ficar atrapalhando nossos empregados assim. No horário certo, mandaremos a ração para vocês.

Aquela menina realmente não mudava o seu jeito, mesmo estando em frente ao garoto responsável por roubar o seu coração.

— Certo, certo, aprendi minha lição. Olha, eu tô indo dormir agora, então…

— Você está tentando me evitar ultimamente, querido. É realmente tão horrível a ideia de passar um tempo comigo? 

“Droga, esse lado carente dela sempre me pega desprevenido.”

— N-não, não é nada disso! É só que eu fiquei bem ocupado ultimamente. Vamo fazer assim, amanhã a noite eu vou passar um tempo com você depois do treino, pode ser?

O movimento sutil das orelhas de Cynthia a entregou. Seu rosto ainda estava fechado, mas aquilo era apenas birra por ser evitada nos últimos dias.

Como passaria a manhã com Salas, em Fallen, aproveitaria a noite para conversar com a irmã mais nova.

— Eu vou te deixar ir só porque você precisa dormir para manter esse rosto bonito, mas não ouse esquecer o seu compromisso amanhã!

Apenas acenou com a cabeça e deu um sorriso. Cynthia era uma boa garota, o único problema era aquele seu mentor, sempre ensinando tudo errado. 

— Está passando muito tempo na mansão após o treino, não é, Iolite?

“Parece que todo mundo vai falar isso hoje.”

Balançou as mãos para o lado e jogou-se no colchão estirado, suspirando. Seu companheiro de quarto, ou melhor, de barraca, era Loright, a melhor companhia que poderia pedir.

— Mulheres são bem complicadas…

Loright concordou com um suspiro. Mesmo aparentando ser mais novo, tornou-se comum Kurone falar com o jovem sobre assuntos como aquele, no fundo, o seu companheiro sabia que ele não era apenas uma criança comum.

— Iolite, sobre amanhã, já que o senhor Sophiette não vai estar por aqui… eu pensei em tirar o dia para ajudar a irmã Daisy. Desculpe, você vai ter que treinar só.

Ah, tudo bem, eu também não vou treinar, tenho um compromisso com uma pessoa.

Ambos se entreolharam, sabendo quais eram as suas intenções.  

— Bem, aproveite o seu dia então.

— O mesmo para você.

Após o último diálogo, não demorou muito para que pegassem no sono, o treino pesado de Sylford Sophiette do dia era o maior catalisador de sonhos que possuíam. 

Acordou logo cedo.

Loright ainda dormia profundamente, por isso esgueirou-se com cuidado, levantou a “porta” da barraca e deu de cara com a revigorante luz do sol.

Como sempre, os empregados já trabalhavam desde cedo, limpando o jardim e recolhendo os resíduos deixados pelos órfãos no chão.

Nas barracas dos residentes do orfanato, não havia outro som senão o do ronco das crianças.

Após lavar o rosto com o conteúdo de um cantil próximo ao que fora uma fogueira na noite passada, Kurone seguiu, pelas sombras, para a entrada da mansão, com cuidado para não ser notado.

Ainda não entendia exatamente o motivo de Salas não querer ser vista nem mesmo pelos seus serviçais. Talvez seu nível de fobia social fosse tão alto que ela morreria apenas de escutar outra pessoa pronunciando seu nome?

Bastou andar um pouco em direção à entrada para avistar uma fita vermelha ao redor de uma pedra, aquele era o adereço que Salas usava às vezes em seu pescoço, logo soube que caminhava no caminho certo.

Acelerou, com cuidado para não produzir muito barulho ao pisar nas gramíneas. Correu por pelo menos uns cinco minutos e, usando aquele impulso, saltou o portão da entrada com habilidade. Um salto olímpico!

— As artes marciais são realmente importantes em um momento como esse, fufufu… 

Virou o rosto na direção daquela voz doce. Lá estava ela, Salas Sophiette, em um vestido inédito para o garoto.

A peça não era algo muito glorioso, pelo contrário, lembrava as vestimentas de uma camponesa, mas no corpo da moça, só enalteceu a sua beleza.

— É a primeira vez que uso esse vestido desde que comprei… — ela comentou, ao perceber o olhar do menino.

— Ficou bonita em você… eu acho.

Viu ela corando levemente. Poderia ser Salas uma pervertida? Isso explicaria o motivo de ela ser tão apegada a um garoto mais novo. “Isso me faz lembrar daquela palhaçada de Lolicon Slayer.”

Ah, não podemos perder tempo, eu trouxe uma carruagem, vamos partir logo… você sabe conduzir, certo? Eu não tenho muita prática, hehe…

Ser um péssimo condutor devia ser algo de família. Sylford também não era dos melhores nesse assunto, e Cynthia nem se falava, aquela menina nunca tocou em uma rédea na vida.

Ficou tentado a perguntar como Salas conseguiu o veículo sendo tão tímida, mas deixou aquilo de lado, provavelmente ela roubou na noite passada. Embora “roubar” não fosse a palavra certa, afinal os bens da família Sophiette também a pertenciam.

Sem mais perder tempo, Kurone saltou no assento do cocheiro, pronto para usar as habilidades de condução ensinadas por Amélia. 

Salas sentou-se ao seu lado, disse que iria para o interior do veículo apenas quando chegassem à cidade. 

Aquele último comentário deixou o garoto preocupado, ela conseguiria mesmo caminhar por Fallen? Segundo o que estudou, a cidade era bem próspera no passado, repleta de moradores de todas as espécies.

Lembrava vagamente do caminho para aquela cidade, e a disposição das árvores e dos obstáculos eram diferentes no passado, por isso Salas providenciou um mapa, apesar de ser algo desnecessário, a garota conhecia bem o caminho.

— Eu visitei Fallen algumas vezes, quando era criança — ela falou em determinada parte do caminho, quando a mansão Sophiette já não podia mais ser vista.

— Eu sempre quis te perguntar isso… mas como você ficou assim? Tudo bem se não quiser responder, eu entendo…

— Você diz como eu desenvolvi essa fobia social extremas? — Salas olhou para o céu, pensativa. — Acho que foi quando eu percebi que não somos realmente livres quando pertencemos a uma família modelo. Sabe, sempre haverá pessoas para apontar o dedo e julgar suas escolhas.

— Acho que te entendo, no meu caso, eu sempre fui julgado por minha família não ser um bom exemplo…

Tanto o pai quanto o tio eram criminosos, e isso transformou a família de Kurone Nakano no alvo de olhares tortos de toda a vizinhança. Quantas vezes suas irmãs foram intimidadas ou excluídas sem motivo? Perdeu até as contas.

— Sabe, — a moça olhou para o lado — já pensei diversas vezes que talvez eu devesse fugir, ir para um lugar bem distante, onde as pessoas sequer sabem o que é o clã Sophiette, assim não poderiam me julgar…

Não entendeu exatamente por qual motivo julgavam Salas, ela parecia ser uma garota pura e inocente, seus hobbies eram a leitura e a combinação de ervas para fazer chás deliciosos.

— Sabe, eu me escondo de todos da mansão porque eles só me dão olhar de desprezo… sinto uma apreensão quando eles me olham fixamente, sei que, na cabeça deles, estão me julgando sem parar.

— Ainda bem que você é alguém que me entende, Kurone. Eu nasci com esse dom de perceber mais ou menos o que estão pensando apenas de ver os olhos das pessoas.

Algo parecido com a habilidade de Sophia de saber quando estavam mentindo ou não? O clã Sophiette tinha realmente algumas ideias peculiares.

— Mas sei que se eu te contasse o motivo de todos me odiarem, você também me odiaria, não pelo motivo realmente, mas sim pelo fato de eu não te contar isso logo e mentir por todo esse tempo.

— Acho que não entendi muito bem, mas você pode me contar isso quando sentir que tá pronta.

Afinal, Kurone era quem mais escondia segredos ali, sua própria existência era uma mentira. “Iolite” sequer existência, a sua aparência era a de um garoto qualquer.

— Eu também…

Hã? — Salas olhou confusa.

— Quando eu sentir que é a hora, eu também vou te contar o que eu escondo. 

“Apesar de que essa hora tá bem longe de chegar.”

Após aquele diálogo, ambos seguiram calados pelas próximas horas, acelerando e reduzindo a velocidade até o momento em que avistaram o muro de Fallen.

— Bem, parece que chegamos… tá pronta? — Suspirou ao ver a velocidade com que a garota jogou-se dentro da carruagem. — Eu espero que sim…

 

    

  













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