Volume 5
Capítulo 229: Uma Proposta Do Suserano Da Morte
Viu-se em um lugar conhecido: aquele pedaço de mundo que era a sua mente.
À sua frente, uma figura também distinta.
— Azrael… como você…
— Este mundo não é conectado a nenhum outro, seu tempo é independente. Estive oculto aqui desde o nosso último encontro, meu querido Vassalo.
Era irônico ver como alguém com um título tão imponente declarou, naquele momento, estar vivendo como um parasita qualquer.
— A espada que tu tens em mãos é um Fragmento que não reagiu bem à tua alma, nenhum outro além de Loright devia tocá-la, contudo ganhei uma oportunidade graças a este acontecimento. O destino é cômico.
Não entendeu bem o que ele quis dizer com “Fragmento”, mas algo se passou pela sua cabeça.
O motivo de Loright ter tornado-se o Vassalo da Morte não era claro, não havia como um humano comum como ele ter acesso a tal poder, logo…
— Essa espada… — encarou o ser à frente, ignorando aquele drama exagerado — essa espada é o que vai transformar o Loright no Vassalo da Morte, não é mesmo?!
Azrael apenas confirmou com um leve fechar de olhos e aceno de cabeça.
— Não a espada em si, mas o que há em seu interior.
— Então eu só preciso destruir isso pra o Loright não ter um fim ruim. — Deu as costas ao Suserano da Morte.
— Tu não pareces interessado nos detalhes, ainda tens raiva de mim?
— Eu não confio em você, seu desgraçado, foi você que me fez aquela porra do Sigilo no peito, agora me tira logo daqui pra eu acabar com isso.
— Mesmo se destruir, ele irá reaparecer. Pode ignorar-me se desejares, mas contar-lhe-ei uma breve história que será útil para ti.
Relutantemente, Kurone sentou-se no chão, encarando a entidade de asas negras. — Desembucha logo.
— Tua personalidade é bastante forte quando não estás com a tua esposa. Escutai com atenção, pois só contarei uma vez.
Esperava que ele contasse a história como todos faziam, mas a sua expectativa foi traída ao escutar o estalar de dedos de Azrael.
Sentiu um empurrão repentino e perdeu a consciência por alguns momentos.
— Karllos, qual foi o resultado das suas investigações? — questionou a mulher de cabelos brancos.
— A-assustadores, mestra Astarte! Assustadores! — respondeu o rapaz magro e de cabelos rosados.
Kurone sentiu as pernas trêmulas ao encarar a mulher no trono, a aparência dela era como a de uma Rory adulta, porém a sua presença o dava calafrios.
Sentia como se a conhecesse, essa hostilidade era familiar, mas tão forte que quase o deixou de joelhos.
— É apenas uma memória, eles não podem nos ver, contudo o poder de minha avó é impressionante, não? Mesmo em uma memória, sua aura é sufocante — explicou Azrael, logo ao lado do garoto.
Essa à sua frente era a tão conhecida deusa Astarte, que possuía até uma das luas de Niflheim em sua homenagem. “Esse cara… ela chamou ele de Karllos?”
— Sim, este é ele — confirmou o Suserano da Morte. — As histórias fizeram com que os mortais tivessem uma visão distorcida sobre a figura de Karllos Sophiette.
“A Sophia ficaria chocada se soubesse que o ancestral dela tinha cabelos rosas também…”
— Eles estão usando de Magia Abismal para obterem a vida eterna, mestra Astarte — disse Karllos Sophiette, que acabava de atravessar o corpo de Kurone, algo não pertencente ao cenário.
— Deuses podem viver por milênios — esclareceu Azrael, ignorando a surpresa de Kurone, que descobria naquele momento que era como um fantasma nessa memória. — Mas também morrem como humanos, se forem feridos gravemente.
— Assassinato, suicídio, envenenamento, maldições, doenças mortais… — continuou o Suserano da Morte — são várias as maneiras de um deus morrer, sem falar em selamentos e punições.
— Então um deus não é realmente imortal… — comentou Kurone, averiguando seu corpo.
— É como um humano, raramente eles conseguem morrer de velhice no mundo de Niflheim, sempre há uma maneira de morrer em um lugar que sempre estamos em guerra.
O garoto engoliu em seco, lembrando-se das palavras ditas há pouco por Karllos Sophiette. Alguém, provavelmente um deus, queria burlar as leis naturais e tornar-se completamente imortal.
— Perfeito — Astarte falou, o que atraiu a de Kurone.
Em sua cabeça, devido às poucas histórias escutadas a seu respeito, uma deusa como ela era benevolente e gentil, contudo, não foi aquilo que viu nos olhos carmesins da mulher, nesse momento.
— O que eu preciso para alcançar a imortalidade, Karllos?
O jovem Sophiette de cabelos rosas pareceu hesitar por um momento, mas não resistiu àquela presença assustadora e disse:
— O Cálice da Ressurreição… os alquimistas estão criando um cálice para Érebos, capaz de reviver o deus que for morto… Uma vez morto e revivido, o deus será imortal.
Apesar de Karllos estar falando, os olhos de Kurone não se desviavam da figura de Astarte, mesmo intimidado pela aura, ficou ainda mais assustado com aqueles olhos de alguém repleto de ambições.
Deu alguns passos, para vê-los mais de perto, porém foi puxado de repente.
Em instantes, o cenário mudou da sala estranha para o mundo que era a sua mente.
— É suficiente… Aparentemente, agora teu interesse em mim aumentaste — comentou Azrael.
— Esse cálice… se nem Astarte, Érebos ou Agni reviveram até hoje, então o cálice…
— Ele ainda existe, contudo, aquele momento do tempo que tu viste ainda estava distante da morte das três divindades. A ressurreição deles foi dividida em duas partes.
A figura de Karllos Sophiette surgiu em sua mente, e lembrou-se daquele jovem falando algo sobre Magia Abismal.
— A Magia Abismal usada por eles permitiu com que os três deuses dividissem suas almas em diversos fragmentos, assim, aqueles designados por eles poderiam procurar as partes e levá-las ao Cálice da Ressurreição.
Por algum motivo, o coração de Kurone acelerou. Sentia que essa revelação do Suserano da Morte mudaria muito o seu ponto de vista do mundo de Niflheim.
— Mas Karllos era um humano deveras inteligente, ele sabia que o mundo entraria em colapso se um daqueles seres gananciosos retornassem à vida com uma imortalidade total, por isso ele criou um segundo artefato… o Cálice da Morte.
O garoto nem perguntou, apenas por esse nome sugeria que o segundo artefato fazia exatamente o oposto do primeiro.
— Por que você tá me falando tudo isso? Se a Astarte é a sua avó, então você deve tá querendo reviver ela, não é?
— De fato, em minhas veias correm tanto o sangue de Astarte quanto o de Érebos, porém há um motivo para eu possuir a alcunha de Anjo Caído.
Azrael abriu suas asas ao máximo, algo que deixou a sua frase ainda mais dramática.
— Eu e os anjos buscávamos os Fragmentos de Érebos sem saber da sua utilidade, mas absorvi um deles… e me foi revelada toda a verdade. Por isso eu caí, liderei uma revolução para que mais nenhum anjo buscasse os pedaços do Deus das Trevas e fui impedido por seus seguidores.
— Ei, ei, pera aí, tá dizendo que tu comeu um dos Fragmentos do deus Érebos?!
— Comer não é a palavra certa, eu fundi ele à minha alma. Kurone Nakano, por todos esses anos eu estive juntando o máximo de fragmentos que pude, mas apenas tu podes terminar o meu trabalho.
— Eu não tô afim, não. Minha única missão aqui é salvar a Luminus, tô pouco me lixando pra o que acontece nesse mundo. E, de qualquer jeito, parece que são muitos fragmentos, nunca que eu vou encontrar eles.
Parecia que o Anjo Caído aguardava apenas essa fala, pois um sorriso presunçoso ascendeu em seu rosto, assustando o garoto à sua frente.
— Por que tu pensas que recolhi a alma de cada “Lolicon Slayer” e os prendi no Hangar dos Mortos? Érebos guardou seus fragmentos nos moradores do outro mundo, assim como Agni.
Os reencarnados, foi a primeira ideia passada na mente do jovem. Claro, os deuses estavam em uma competição para saber quem reviveria primeiro, por isso não podiam guardar seus fragmentos em qualquer lugar.
Facilmente, súditos dos outros deuses poderiam destruir os seus fragmentos, deixá-los em outro mundo seria como guardar em um banco.
— Há centenas de almas no Hangar, se os fragmentos forem destruídos, eles poderão descansar em paz.
Essas palavras fizeram com que relembrasse a figura de alguns reencarnados que se sacrificaram para que seguisse seu caminho no Hangar dos Mortos, e também do que disse Ryuu Toshiro, o primeiro Lolicon Slayer.
— Eles descansaram em paz graças a você. — Azrael estalou os dedos, permitindo que pequenas pedras se projetassem no ar. — São as pedras que estavam presas às almas dos teus amigos. É trabalhoso para mim purificar cada alma daqueles no Hangar dos Mortos, por isso preciso de ti.
A paciência do jovem já estava no fim, apesar de tudo aquilo visto, não conseguia acreditar nas palavras de alguém como Azrael.
— Naquele dia, nesse mesmo lugar, você tava do lado do Vassalo da Morte, você aprontou colocando o Sigilo no meu corpo pra ele reviver, eu só voltei pro passado por sua culpa! Vai pro inferno!
— Entendo que não há de perdoar-me tão fácil, mas entenda que eu estava desesperado. Imaginei que, se revivesse o Vassalo, ele poderia destruir os Fragmentos de todos os deuses…
— Mesmo que a consequência disso fosse destruir o mundo? Que diferença faz o mundo ser destruído pelo Vassalo da Morte ou por um dos três deuses?! — berrou Kurone, tentava conter aquela fúria, mas era uma tarefa dura sem Annie.
— Existem coisas piores que a morte. Prefiro ver os inocentes sendo mortos do que torturados. Tu não viste! A Primeira Era era o verdadeiro inferno, ela não tinha motivos para passar por aquele tormento… por isso…
Estava pronto para avançar e dar um soco com toda a sua força em Azrael, mesmo sabendo que seria uma idiotice, mas parou ao ver aquela atitude inesperada.
Quase tocando o chão, estava a cabeça do Anjo Caído. Esse ser estava realmente se curvando perante um humano?
— Eu pedirei a ti uma última vez. Por favor, Kurone Nakano, ajude-me a destruir os Fragmentos de Érebos, não sou ninguém para pedir a tua confiança, mas posso garantir que, se assim fizeres, tanto Loright quanto Luminus estarão a salvo… o destino… sim, o traiçoeiro destino! O maldito destino deles poderá mudar a depender da tua resposta. Tornar-te tu o meu Vassalo!