Raifurori Brasileira

Autor(a): NekoYasha


Volume 5

Capítulo 222: O Lado Gentil De "Rory"

A sopa descia com dificuldade pela garganta de Kurone, a comida tinha um gosto nada agradável, mas o verdadeiro motivo do sabor ruim na boca eram os últimos acontecimentos.  

Recapitulemos então os derradeiros ocorridos.

Com a ajuda da xamã Hyze, Kurone e Annie voltaram para um ponto no vasto passado de Niflheim, e aquilo que afetou o jovem japonês após acordar foi algo que aconteceu minutos depois.

Ao sair do local semelhante a uma enfermaria, deu de cara com algumas crianças, sendo uma delas aquela sentada ao seu lado, com uma tigela de sopa semelhante à sua frente: Rory.

A aparência da menina era um pouco diferente daquela que o acompanhou em sua jornada, esta tinha apenas um olho vermelho-carmesim e mechas brancas em partes do cabelo — aquilo lembrava um pouco o Kurone após fazer o pacto com Annie.

Falando na sua deusa companheira, estava aflito por ainda não tê-la encontrado, a cada minuto passado, cogitava a ideia de ela ter aparecido em um local distante, como outro continente.

Mas ao invés de entrar em pânico, decidiu primeiro orientar-se. 

Apenas seguiu uma sacerdotisa que surgiu de repente e sentou-se na mesa como todas as outras crianças para receber a sopa.

O que conhecia até o momento era que aquele local era um orfanato, e as responsáveis por ele eram um grupo de sacerdotisas de uma religião que não sabia dizer a qual era. Seria problemático se fosse da igreja de Lucy, a divindade que se passava por Annie.

— A sopa hoje está deliciosa! — comentou Rory, ou melhor, Luminus, com um sorriso que fez o seu coração acelerar.

Sabia que a menina mentia, mas aquela mentira seguida do sorriso resplandecente fez com que até aqueles que não aguentavam mais colocar uma colher na boca aproveitarem o sabor da comida quente.

Era estranho ver a garotinha agindo tão gentilmente, a Rory que conhecia era um demônio capaz de roubar a tigela de todas aquelas crianças apenas para destruí-las, ela não tinha respeito por ninguém.

“O que será que aconteceu com você pra acabar daquele jeito?...”

— Você é garoto novo que chegou ontem, não é? A irmã Daisy me contou que você estava com muita febre, tem certeza que não devia descansar mais? — a garotinha perguntou com um olhar preocupado.

— Tu-tudo bem, eu já tô bem melhor!

Por sorte, adquiriu um corpo recém-chegado naquele lugar, seria bem problemático se fosse alguém conhecido e tivesse que conversar normalmente com aquelas pessoas.

— E qual o seu nome?

Aquela pergunta o deixou pensativo por um momento.

Usar o seu nome japonês não era uma boa ideia por N motivos, principalmente por ser diferente dos habitantes daquele mundo, e não seria bom se encontrasse outro reencarnado por ali.

No entanto, Hyze explicou, antes do ritual, que o verdadeiro nome do Vassalo da Morte era “Loright”, o que deixava inviável a ideia de usá-lo, mas por bem ou por mal, seu repertório de nomes falsos era extenso.

— Sou Iolite… — apresentou-se com um sorriso.

Ainda não viu a sua nova aparência, mas pelas mãos menores que as antigas, podia supor que o seu novo corpo era o de uma criança na mesma faixa etária de Luminus.

— É um prazer conhecê-lo, Iolite, eu sou Luminus. Se você quiser, eu posso te mostrar o orfanato — ela sugeriu, aproximando-se de uma menina ao lado e acariciando o cabelo dela.

Todas as outras crianças pareciam amar Luminus, ela era como uma irmã mais velha, todos ali eram três ou quatro anos mais novos, chutando que a garotinha tinha entre dez e doze anos.

— Sim, eu vou ficar muito grato se você puder me mostrar o local!

Fazer reconhecimento da área era essencial, repetiu isso muitas vezes em sua mente até o tour pelo lugar começar, mas a verdade era que só queria passar tempo com aquela garotinha. 

Se o incidente em Eragon não ocorresse, certamente conheceria aquele lado gentil daquela que chamava de Rory, seria apenas questão de tempo, esteve realmente próximo, mas a maldita Azazel van Elsie atrapalhou-o.

Após Luminus ajudar as sacerdotisas a levarem as crianças mais novas para o banho, eles finalmente iniciaram o tour pelo orfanato.

A grama do local era acinzentada e o céu parecia sempre nublado, tudo aquilo provocou um sentimento estranho em seu peito… um sentimento próximo à nostalgia. Como podia sentir-se familiarizado com aquela paisagem deprimente?  

— Esse lugar tá caindo aos pedaços… — comentou com um suspiro, tentando aguentar aquele sentimento desagradável, como o de escutar uma música sentimental que ouvira apenas uma vez na infância.

— Eu sei que não é um dos melhores orfanatos que existem, mas esse é o meu lar, você me ofende falando mal dele.

A-ah, foi mal, eu não quis dizer isso assim…

O olhar repreensivo que a menina lançou nele era semelhante ao que ela sempre usava no futuro. “Então ela já sabia fazer essas expressões…”

— Desculpe, eu acho que me exaltei, é só que… eu não consigo escutar alguém desmerecendo esse lugar e ficar calada, você não deve saber o motivo do orfanato estar estado, não é? 

— Talvez por que ele precisa de uma reforma?

— O rei de Zhongu, o reino onde o orfanato se encontra, parou de fornecer recursos para as sacerdotisas por elas aceitarem aberrações como eu aqui.

Ela era realmente uma criança? Luminus falava em um tom triste, sabendo de toda a desgraça que aquele local vivia.

— Eu li as cartas que o rei enviou às sacerdotisas há alguns anos, elas acharam que eu não sabia ler, então não suspeitam que eu saiba que estão deixando de se alimentar para nos dar comida.

Kurone sentiu-se mal por reclamar da sopa mais cedo, aquele orfanato não duraria por muito tempo se continuasse daquela maneira, e muito menos as mulheres que abriam mão do seu pão para dá-lo aos seus protegidos.

Mas apesar dessa ser uma situação terrível, conseguiu algumas dicas para orientar-se. Lera muito sobre o reino de “Zhongu” enquanto estudava na biblioteca de Lou Xhien Li.

O reino em questão ficava nas proximidades de Dart, a cidade-fronteira, na verdade, Luminus expressou-se mal, Zhongu era um império, o único império do Continente Oriental.

Era comum usar “Zhongu” como sinônimo de “Continente Oriental”, assim como “Zaphon” se referia ao Continente Demoníaco como um todo. O ocidente era o único continente a ter vários governos e dividi-los por reinos.

Os monarcas do oriente diziam que Nova Canaan devia tornar-se um império e absorver todos os reinos supostamente fracos, porém o Mestre das Lâminas nunca deu ouvido a esses governadores, quem estava mais inclinado a isso era o reino de Sphynx.

Falando nisso, uma curiosidade sobre o reino de Sphynx era que a maioria dos seus habitantes eram pardos, talvez Dora tivesse nascido lá? 

Ah, não conte para a irmã Daisy que eu sei disso tudo, certo? Ela quer que todos pensem que tudo está sobre controle.

— Sim, com certeza eu não vou contar.

— E, ei… — Luminus ficou um pouco corada de repente — você quer… apostar uma corrida até o até aquela árvore? Ali é o meu local favorito para ler livros.

Kurone riu internamente, no fim, ela ainda era uma criança, e já que os outros habitantes do orfanato eram menores, ela não podia ter brincadeiras intensas com eles, seria injusto apostar uma corria com alguém menor.

Aceitando o desafio, o garoto posicionou-se como um atleta, claro, estava apenas copiando o que viu na TV, mas sabia que aquilo era eficiente. 

Contaram do um até o três antes de dispararem com toda a velocidade em direção à árvore, os risos deles ecoaram pelo ar depressivo repleto de nuvens escuras.

Esqueceu-se de que esse era um novo corpo. Não demorou para o seu coração bater rápido e os músculos das pernas começarem a arder, sua velocidade diminuiu gradualmente, enquanto a de Luminus só aumentava.

— Parece que eu venci — a menina comentou, sem qualquer sinal de cansaço.

“Parece que ela sempre foi uma trapaceira, droga…” Kurone foi obrigado a segurar os joelhos com força enquanto o seu corpo se recuperava, teria problemas se precisasse lutar com aquele corpo fraco. “Vai me dizer que eu vou precisar treinar aquele inferno todo de novo?!”

Podia sentir seus músculos doendo apenas de lembrar do treinamento de Lao Shi, uma criança poderia suportar tudo aquilo?

— Puxa, Luminus, assim você deixa o garoto desconsertado, ele tava desesperado e você nem finge que tá cansada — disse a voz de alguém atrás da árvore.

O jovem arregalou os olhos, ele não tinha notado a presença de outra pessoa ali, se fosse um inimigo, teria certamente atacado antes que pudesse percebê-lo.

Luminus fez um sorriso alegre, demonstrando que conhecia o dono daquela voz relaxada.

— Você é o garoto novo, não é? Espero que não esteja pensando em colocar suas garras na minha doce irmãzinha. — Finalmente, o dono da voz ficou de pé e deu a volta na árvore, a aproximação repentina daquela figura deixou Kurone atônito.

— Iolite, esse aqui é o meu irmão, Loright — Luminus apontou para o jovem à frente, que afagou a cabeça dela ao chegar perto.

O responderia? Estava em choque, afinal, esse na sua frente era ninguém menos que Kurone Nakano, sentia-se como se estivesse olhando um espelho. Hyze não mentiu, Kurone e Loright eram mesmo uma única pessoa.



 








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