Volume 4
Capítulo 220.1: (SS) Dever De Um Sophiette [1/6]
O nascimento que abalou o mundo, surgira a criança que lideraria o clã Sophiette.
Ali, na mansão da família em questão, estavam reunidas as maiores influências do Continente Ocidental: reis, nobres, cavaleiros da Guarda Real de Andeavor, sacerdotes e até mesmo o Santo da igreja da deusa Annie, já no fim da sua vida.
Ansiedade e alegria adornavam o rosto de todos.
O choro do bebê rompeu o silêncio tomando conta do ar e atraiu os olhares curiosos.
— É uma menina! — a parteira anunciou, distraidamente, palavras as quais não tinha a menor noção do peso. Ela ficou confusa ao ver os murmúrios aumentando e os olhos arregalados espalhados pelo salão.
Um alvoroço tomou conta de toda a sala da mansão Sophiette. As pessoas tão animadas anteriormente colocaram uma expressão de desgosto no rosto, afinal aguardavam um menino, o futuro líder do clã Sophiette, sempre fora assim, jamais existira uma mulher na liderança dele.
Na verdade, era raro uma mulher na linhagem, porém todos ficaram surpresos quando, no ano passado, foi anunciado que o filho de Eliezer Sophiette era, na verdade, uma garota. Inacreditavelmente, essa era a segunda garota Sophiette a nascer nessa geração.
O líder atual não tinha mais saúde para ter outro filho.
“Como ficará a liderança do clã Sophiette?”, questionavam alguns discretamente.
O senhor Sophiette ficava cada dia mais doente, não ficariam surpresos se ele morresse a qualquer momento, na verdade a maioria ficaria contente com esta notícia, pois o homem nunca gostou da política ou da guerra, atuava sempre como o mediador dos conflitos, nunca erguendo sua lâmina sem necessidade.
Aos olhos dos sanguinários e corruptos, o líder do clã Sophiette era um estorvo, os Tesouros de Karllos continuariam pegando poeira e sua força jamais seria ostentada no campo de batalha — o oriente não temeria o ocidente com um Sophiette pacífico.
Todos ficaram em silêncio quando a parteira retornou, a mulher também era empregada da mansão. Ela carregava nos braços a criança recém-nascida, o alvo do olhar curioso de todos.
A empregada subiu as escadas e, direcionando um olhar de repreensão para todos, levantou a criança ensanguentada, mostrando-a para os nobres. Suspiros e comentários foram escutados quando viram os finos e quase imperceptíveis fios de cabelos rosas na cabeça da criança.
Além de ser uma menina, a futura líder do clã Sophiette tinha cabelos rosas, cor tão rara nessa época quanto dragões, e tão amaldiçoada quanto estes monstros, a menina havia herdado isso da mãe, que era uma Sophys de sangue puro, seria heresia lhe chamar de Sophiette.
— Apresento a vocês ela, Sophia Sophiette Sophys III. — A mulher girou lentamente, dando a oportunidade para que todos pudessem vislumbrar ou lançar mau-olhado na recém-nascida.
A palavra “Sophys” provocou indignação em alguns. Normalmente todos os membros tinham apenas o sobrenome “Sophiette”, herdar o nome da mãe dessa maneira era uma afronta à tradição, toda a existência da criança era uma ofensa.
Não era novidade, por haver outras duas Sophias na história que herdaram esse sobrenome maldito, mas isso não impediu que os nobres ficassem indignados.
— Intrigante… — comentou uma senhora de cabelos brancos e rosto enrugado, seu corpo só se mantinha de pé devido ao cajado de madeira em suas mãos.
O nobre ao lado dela, o marquês de Soul Za, acompanhado de seu filho, Edward, olhou confuso e a senhora continuou sem que ele tivesse a oportunidade de questionar nada:
— Creio que estamos na frente do que pode ser o último líder do clã Sophiette — concluiu abrindo um sorriso, movendo as diversas rugas do rosto branco e revelando a falta dentes.
As pessoas ao redor arregalaram os olhos, assustadas. A velha era Gynbaba, a adivinha do Continente Oriental, conhecida por ter as previsões mais certas do mundo. Suas palavras eram inquestionáveis, pois querendo ou não, a profecia se cumpriria. Ninguém a convidou, porém ela apareceu lá e disse algo tão sério como se não fosse nada.
O medo tomou conta do rosto dos nobres.
Como esperado, o pai morreu antes da menina completar dois anos. Sophia não se lembrava dele, mas a sua mãe lhe contava que ele morreu dizendo a todos os nobres sobre como a sua filha seria a melhor líder que o clã já teve.
Apesar das palavras do antigo líder, nos últimos anos, Sophia era constantemente criticada pelos nobres e governantes dos outros reinos, pois ela fazia por onde.
Passou-se quatorze anos desde a previsão de Gynbaba, a adivinha do Continente Oriental, e, nesse momento, ninguém conseguia domar a rebelde Sophia, exceto a gentil senhora Sophys, a sua mãe.
O seu treinamento devia ter começado quando tinha dez anos, porém ela recusava-se a treinar ou frequentar reuniões com pessoas influentes, jogando essa tarefa para a sua querida mãe. Herdou aquela falta de vocação do pai.
O único capaz de fazê-la segurar uma espada era o seu tio, Eliezer Sophiette, mas com muita peleja. Após a filha dele fugir de casa e aventurar-se no mar, o homem começou a tratar Sophia como se fosse sua filha.
A prima da garota, Ponta Sophiette, era dois anos mais velha. Assim como a menina, odiava fazer parte daquela família e ser alvo de críticas, por isso juntou-se aos piratas perigosos de Leonheart e deu início à sua vida no crime marítimo.
No entanto, Sophia não tinha essa coragem para fugir de casa, muito menos de se tornar uma pirata. Quando tinha doze anos, perdeu-se na floresta da mansão e passou horas chorando, com medo por estar sozinha na escuridão dominada pelo barulho horripilante dos corvos.
— Eu prometo que não vai ser nada perigoso, só vamos fazer uma excursão em uma masmorra com outros jovens — insistiu Eliezer.
Eliezer Sophiette, o único membro da família que conhecia além da sua mãe e da prima — que vira apenas uma vez, quando tinha oito anos. O homem possuía curtos cabelos amarelo-escuros e uma barba mal-feita, seu rosto era sempre sorridente, mas o físico era o de alguém habituado à guerra e matança, por isso tinha o cargo de vice-capitão da guarda de Nova Canaan.
Quase todo mês, ele sugeria algo para a menina, como torneios de espada, caça aos monstros ou expurgo de demônios. Nunca aceitara nenhum convite dele, mas estava realmente tentada a fazê-lo dessa vez, pois sua mãe ficaria fora por dois meses.
— Vão ter outros jovens de sua idade lá, será uma aula prática para os estudantes de Nova Canaan, não iremos muito fundo na masmorra, eu prometo.
Ela olhou para a mansão enorme à sua frente. Ali estava a residência dos líderes do clã Sophiette, imponente e sem graça, assim como o resto das terras e os membros da família. As terras de Sophiette tinham aproximadamente o tamanho da capital, porém a única construção ali era aquela morada colossal.
Não suportaria passar dois meses confinada ali, a mãe era a sua única companhia, já que não frequentava a Universidade Mágica de Andeavor como os outros jovens nobres. Sua empregada, Maria, era professora particular também, além de parteira, e ela foi com a senhora Sophys.
“Parece até que elas fizeram isso de propósito. Mamãe, você me paga.”
— Me promete que não vai ser perigoso, mesmo? — perguntou direcionando os olhos rosa-avermelhados para o tio.
— Prometo! Eles vão ficar felizes em saber que você vai nos acompanhar! Aqueles garotos são fãs dos Sophiette.
— Não fique tão animado! Eu só vou porque não tenho o que fazer aqui na mansão, não vou lutar nem nada do tipo, e nem vou levar nenhuma espada.
Eliezer lançou um olhar que dizia “você nem precisa de uma lâmina mesmo”, porém a sobrinha ignorou.
Tirar uma vida ia contra todos os seus princípios, mesmo que fosse a vida de um animal raquítico. Era errado, sabia disso, e o diário que seu pai deixou só provava seu ponto.
— Ótimo, sairemos amanhã cedo!
Sophia olhou com indiferença para o homem saltando de felicidade atravessando o jardim. Não estava nem um pouco animada para a viagem, mas seu coração pulsava desordenadamente… talvez fosse ansiedade.
A ideia de interagir com outros jovens deixava um gosto amargo em sua boca, pois não gostava de jovens, independente da idade ou sexo. Ainda não esqueceu o dia em que o marquês de Soul Za queria arranjar um casamento entre ela e seu filho. Foi uma das únicas vezes que as habilidades com a espada foram úteis.
Desafiou o filho do marquês, Edward, para um duelo, fez isso no calor do momento e deixou o jovem mestre em uma situação constrangedora, provavelmente o nobre jamais pisaria em Sophiette outra vez.
“Malditos abutres carniceiros, eu odeio esses nobres.”
— Anime-se, minha querida sobrinha, verá que o exterior é mais divertido do que pensa. E, veja bem, você vai fazer muitos amigos, os alunos de Nova Canaan são bem acolhedores.
— Não tenho interesse em fazer amigos, não se ganha nada de bom com amizade, já disse que só estou indo porque não tenho mais o que fazer aqui.
— Ahhh, Sophia, você ainda vai se arrepender dessas palavras no dia que encontrar verdadeiros companheiros.
— Hmpf, como se eu fosse confiar em alguém, outras pessoas são estorvo, só preciso de mim mesma. Se algum dia eu ficar tentada a ter amigos, é porque não estou bem da cabeça — Sophia falou com confiança, saltando na carruagem.