Raifurori Brasileira

Autor(a): NekoYasha


Volume 4

Capítulo 220: Heth, O Arcano Do Tempo

As arquibancadas da arena eram lotadas pelos seres de orelhas pontudas, mesmo não havendo luta ali. 

Apesar da vila de Hyze ser protegida por uma barreira mágica, a luz fraca e alaranjada do sol adentrava ali, revelando que o astro surgiu há pouco tempo.

Kurone não tinha mais dificuldade com o horário, mas era difícil dormir quando se tinha uma responsabilidade tão grande… e também quando uma deusa-raposa carente queria se despedir adequadamente.  

Fazia tempo que Inari não era tão selvagem. Doía-lhe admitir, mas as horas com o sabor de luxúria que passaram juntos fê-lo mais calmo, apesar de cansado. Annie não reclamava disso, talvez até estivesse assistindo escondida, contudo não deixava de chamar o jovem de “cafajeste” no dia seguinte.

No centro da arena de terra batida, havia quatro silhuetas. Hyze terminava de desenhar um grande círculo mágico no local, enquanto Lothus, Kurone e o elfo de armadura negra apenas observavam tudo com grande respeito.

Os companheiros do jovem encontravam-se na primeira fileira das arquibancadas de madeira. O mais hesitante no grupo, por mais que tentasse não parecer, era Eulides al Mare, ao lado de Law Zhen, esse nobre era realmente medroso, porém era bom ver que estava evoluindo aos poucos.

O círculo mágico desenhado por Hyze fez o jovem de cabelos negros com mechas brancas lembrar da cena no Hangar dos Mortos.

Ryuu Toshiro, o primeiro que carregou o título falso de Lolicon Slayer, o Supervisor e os outros jovens deram a vida para que seguisse em sua jornada. Será que estavam orgulhosos dele, vendo o que fazia nesse momento?

O único objetivo de Ryuu era proteger a garota que ele chamava de “Astaroth”, Kurone também pensava o mesmo. Muitas pessoas precisavam que voltasse vivo, mas não deixaria que Rory, Lux, Luminus ou fosse lá qual fosse o nome dela, se machucar em sua frente.

— Agora, o círculo mágico está pronto, podemos começar o ritual para utilizar a Magia Abismal Heth, o “Arcano do Tempo”. — Hyze virou-se para o público e continuou em voz alta. — Declaro aqui, na frente de todos, que, assim que a magia for usada com sucesso, minha liderança e todos os meus privilégios irão para a menina ao lado, Lothus. A cerimônia será realizada pelo meu amigo de confiança quando eu morrer.

Alguns olharam torto, outros não entenderam, e houve também os que detestaram a ideia.

— Afastem-se, deixem apenas o menino aqui. — Ela sinalizou para os dois jovens ao seu lado. Lothus obedeceu no mesmo momento, porém a hesitação era nítida no semblante do elfo.

O guerreiro de armadura negra sempre estava ao lado da xamã, e, considerando que Hyze não tinha filhos, era provável que ele fosse tratado como um.

— Confie na menina Lothus, ela vai lhe impressionar se lhe der uma chance — comentou a xamã discretamente, virando-se para Kurone. — Vamos começar, menino?

Engoliu em seco ao ver a expressão séria da elfa. Esse era o momento que tanto aguardava. Ainda sem dizer nada, acenou com a cabeça de forma afirmativa.

Por reflexo, olhou uma última vez para seus companheiros, podia ver as diversas promessas que fez nos rostos deles, e isso o dava forças para reforçar sua determinação.

Todos ali, desde a obsessiva Law Zhen, o misterioso Shirone Nakano, a dupla de orcs sempre leais, o frágil e afeminado Eulides al Mare, a linda Inari, o desgraçado do Edward e a confiável Dora o fizeram amadurecer de alguma maneira, era grato por tudo.

Sempre lembrava das palavras de Raika, a mais velha das irmãs Nakano, nessas ocasiões: “Ter amigos não é tão ruim assim.”

Esses pensamentos lhe trouxeram tranquilidade mesmo naquela situação, por isso suspirou e lançou um olhar sério para a xamã à sua frente.

“Nie…”

[Sim, estou pronta. Não precisa se preocupar, Kurone, ficaremos bem, afinal um vai proteger o outro, como sempre foi até aqui. Vamos conseguir, mesmo não compartilhando o mesmo corpo.]

“Sim, você tem razão.”

A elfa levantou as mãos e, no mesmo momento, uma primeira barreira foi erguida em volta do círculo mágico, era similar à que levantada durante a luta de Kurone e Hyze.

Não demorou para o círculo abaixo de seus pés começar a brilhar em uma cor intensa e partículas de mana se espalharem pelo ar.

Os mais fracos esconderam os olhos nas costas das mãos, enquanto os jovens enérgicos mal piscavam vendo a cena de um ritual que um elfo comum jamais veria na vida.

Sentiu a mão fina da xamã tocando o seu peito. Era, implicitamente, um “boa sorte” à moda de Hyze.

— Faça toda a confiança que demos a você valer a pena, menino — comentou a xamã. 

Pequenas partículas amareladas tomaram conta da barreira, mudando a cor dela para um dourado que impedia quem estava fora de ver a cena.

Quanto a Kurone, sentia todo o corpo formigando. Experimentou morrer, certa vez, e lutou inúmeras batalhas dolorosas, mas era a primeira vez que tinha a alma separada do corpo à força.

Braços, pernas, tronco e cabeça começaram a formigar, e a escuridão tomava conta, lentamente, do campo de visão, algo similar à sensação de quando trocava de lugar com Annie, porém mais doloroso.

Nem sabia há quantos minutos estava ali, só escutava, ao longe, a voz de Hyze, ela parecia pronunciar o cântico para usar o “Arcano do Tempo”, que finalizava gritando seu nome, “Heth”.

A alma foi puxada bruscamente após a voz da elfa parar de ecoar em sua cabeça, e provavelmente não ecoaria mais na cabeça de ninguém.

Lembrar que a xamã estava sacrificando a própria vida o fez cerrar os punhos imaginários, ranger os dentes que não sentia e jurar com gritos da voz que não encontrava ondas para propagar. 

E, após a jura, simplesmente apagou.

◈◆◇◆◇◆◈

“Um teto novo”, foi a primeira coisa que pensou ao abrir os olhos. 

Era um déjà-vu

Lembrava-se da mesma sequência de acontecimentos quando brigou com Rhyan Gotjail usando toda a sua força, apagou e acordou no Instituto para Reencarnados em Eragon, porém, dessa vez, não havia uma meia-humana dormindo ao seu lado.

Os seus ouvidos incomodados pela sensação de entupimento captavam um sino ao longe, acompanhado de risos e gritos do que pareciam ser crianças — um som nostálgico que lhe remetia ao ensino elementar.

Tentou mover o corpo, mas parou ao sentir uma pontada violenta. O que era isso?

Tudo indicava que o local era um hospital, Hyze não lhe avisou que seria algo tão repentino. Era diferente da sensação de reencarnar por uma deusa, mas não era como retornar à vida, contudo isso se parecia mais com a segunda experiência.

Inconscientemente, levantou forçando o corpo dolorido, havia muitas camas semelhantes à que dormia, mas todas estavam vazias, todo aquele clima acinzentado passava um ar depressivo.

A mente ainda estava bagunçada, porém havia algo que deveria se preocupar nesse momento: onde estava Annie? Pelo que a xamã explicou, a deusa de cabelos prateados também ganhou um corpo ali, mas a elfa não falou nada sobre eles aparecerem no mesmo local.

A possibilidade de sua companheira ter aparecido em outro país ou continente lhe deixou aflito, precisava de acalmar, sabia disso, mas os pés inquietos buscavam a luz da saída do local, nutria a esperança de encontrar a divindade no lado de fora.

Capengando de um lado para o outro e usando as paredes sujas do local escuro como apoio até finalmente chegar à saída. A luz do sol da tarde agrediu seus olhos sem piedade, fazendo-o girar um pouco.

Os pés desajeitados sentiram a sensação de terra fria, estava descalço, nem percebeu isso quando levantou, o mais provável era que tivesse um par de calçados ao lado da cama.

Quando pensou em entrar novamente, foi levado ao chão por empurrões fortes. Pelo barulho, chutou se tratar de uma manada de crianças energéticas. A visão estava ruim e a vertigem não desaparecia, por isso suspirou profundamente para tentar deixar o corpo estável.

— Você está bem? — questionou uma garota de voz doce, estava tonto, mas sabia diferenciar o timbre de uma garota.

Pensou em pegar a mão estendida para levantar, mas a ideia ficou apenas em pensamento. A visão embaçada por conta do sol limpou um pouco os pontos fortes que via e, após encarar a figura que se deu ao trabalho de estender-lhe a mão, ficou imóvel.

— Você se machucou?! Ei, ei, está tudo bem mesmo?! — perguntou a menina, desta vez em um tom preocupado ao ver o silêncio de Kurone.

Como poderia reagir de outra maneira? Foi algo muito súbito, achou que teria mais tempo para se preparar, mas não havia dúvidas, a menina gentil à sua frente era…

— Ei, Luminus, o que aconteceu? — interrogou uma mulher que não conseguiu identificar por conta dos efeitos da exposição ao sol, e, mesmo se enxergasse tudo, não prestaria atenção nela, pois o seu foco era a menina.

Os cabelos meio esbranquiçados, um olho vermelho-carmesim e o corpo infantil, estava um pouco diferente, mas sabia que era ela.

— Rory…



Comentários