Volume 4
Capítulo 219: Um Herói Com O Peso Do Mundo Nas Costas
— O “Arcano do Tempo” é uma das vinte e seis Magias Abismais. Você teve contato com essas Magias enquanto enfrentava Azazel van Elsie e também na luta contra Mamon von Faucher, então não preciso explicar o quão poderosa é essa habilidade, certo?
Kurone confirmou balançando a cabeça. O plano era loucura, mas uma Deusa-Elfa como Hyze não mentiria sobre algo tão sério, a única maneira de impedir a ressurreição do Vassalo da Morte era voltando no tempo.
Apesar de ter decidido rapidamente, ainda tinha suas dúvidas, será que conseguiria mesmo se controlar ao encontrar Rory no passado? Se deixasse os sentimentos falarem mais alto, tudo iria por água abaixo.
— Mas tem uma coisa que não faz sentido. Se você tem essa magia, por que não usou há muito tempo? Você é forte e tudo mais, tenho certeza que conseguiria impedir o surgimento do…
— Magias Abismais não são como as comuns, menino, já devia saber disso. A maioria delas exige algo em troca, como a vida de metade de uma cidade. — Kurone engoliu em seco ao escutar a referência ao que aconteceu em Eragon, a Cidade-Estado flutuante. — Só conheço uma pessoa que usou o Arcano do Tempo sem pagar o valor total: Azazel van Elsie.
Essa demônia de novo. Isso queria dizer que a Presidenta do Inferno já havia experimentado a viagem no tempo, saber disso deixou Kurone curioso sobre o que ela teria alterado, porém sabia que não tinha tempo a perder ali.
— Então o preço para usar o Arcano do Tempo é…
— Minha vida. Percebe o motivo de ser uma magia que foi usada raramente?... Poucas pessoas podem usar, e quem sabe jamais usaria, pois é inútil morrer ao voltar no tempo.
— E eu? Não vou morrer também?
— É aqui onde chegamos à parte interessante dessa magia. O que volta no tempo, na verdade, é a alma. Seu corpo ficará aqui e sua alma substituirá a de uma pessoa que existe no passado.
Ele lutava para tentar acompanhar a explicação. Se entendeu bem, quando a Magia Abismal fosse usada, possuiria o corpo de alguém que vivia normalmente no passado, como um espírito mau.
Ao pensar nisso, outra coisa lhe veio à mente.
— Quantas pessoas podem ser mandadas para o passado?
— Ah… eu sabia que você iria se preocupar com isso. A sua companheira também será afetada, pois a alma dela reside dentro de você. Sendo assim… também tomará um corpo disponível para si.
Um suspiro de alívio foi escutado após a explicação. Na pior das hipóteses que pensou, Annie ficaria no seu corpo enquanto estivesse ausente, mas havia a possibilidade dela não ficar consciente ou haver efeitos colaterais por conta da ausência de sua alma nesse corpo.
— Você voltará há milhares de anos, no entanto, para nós, o resultado será imediato, assim que a viagem no tempo ocorrer com sucesso, nossa realidade mudará em um piscar de olhos, então saberemos se você conseguiu ou não…
Hyze ficou em silêncio, apenas encarando a expressão séria de Kurone e Lothus, ambos os jovens tinham tarefas importantes a serem cumpridas.
A elfa não era apenas uma figura qualquer, ela era a xamã Hyze, o ser que, segundo as lendas, estava viva desde antes a Era dos Deuses, seu poder era inigualável, Kurone só venceu porque a intenção dela nunca foi matá-lo desde o princípio.
E essa mesma figura histórica estava confiando o futuro de Niflheim a um garoto inexperiente e a liderança dos elfos a uma garota doce e frágil.
— Eu já vivi tempo demais, crianças, voltei no tempo várias vezes com truques menos rebuscados que o Arcano do Tempo, mas não dá para continuar fazendo isso. A existência do Vassalo da Morte e de Astarte são perigosas para este mundo.
— Você pode esperar até amanhã? Tem coisas que eu preciso fazer — Kurone perguntou após um suspiro. Essa era realmente a melhor opção, mas precisava deixar tudo em ordem antes de partir.
— Me encontrem no centro da vila amanhã, logo cedo.
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Ambos saíram da construção, não disseram mais nada, seus rostos possuíam expressões pensativas.
A pedido de Kurone, a xamã ordenou ao elfo de armadura negra para que libertasse os prisioneiros e os mandassem para a mesma casa em que os feridos se recuperavam.
— Quando eu visitei a xamã pela primeira vez, com o Asmodeus, — Lothus quebrou o silêncio — a senhora Hyze me disse que, se eu estudasse muito, um dia poderia ser a sucessora dela, naquela época eu apenas ri, pensando ser uma brincadeira.
— Eu acho que você se subestima muito… eu era assim também, mas reconhecer aquilo que alcançamos com esforço não é orgulho ou arrogância.
A menina parou de repente, suas mãos foram levadas aos olhos úmidos. Incrivelmente, essa demônia que outrora fora sua inimiga, tornou-se como uma irmã mais nova, outra que devia proteger.
— Você se parece muito com o meu irmão quando fala essas coisas. O Asmodeus tinha cara de delinquente, mas ele também era uma pessoa incrível. Obrigado, Kurone Nakano, por ter cuidado de mim por todo esse tempo.
— Não foi nada, e não precisa falar como se fosse uma despedida, afinal vou dar um jeito nas coisas voltando no passado e vindo para o futuro para acompanhar seu crescimento.
Novamente, o silêncio se fez presente ao redor dos dois jovens caminhando. Essas despedidas eram um incômodo, mas precisava fazer isso para salvar quem amava.
Em poucos minutos, estavam na casa onde seus companheiros, e Edward, foram jogados. Mesmo estando em meio a inimigos, o marquês Soul Za parecia despreocupado, apesar de ser alvo dos olhares furiosos de Ayshla e Law Zhen.
— Mestre… — Berthran murmurou com olhar sério.
— Eu vou partir, preciso salvar o mundo, mas em breve estarei de volta. Ayshla, Berthran, estou contando com vocês para cuidarem de todos… e, Ayshla, não mate o Edward, ainda não.
Ambos os orcs acenaram com a cabeça, seria comum vê-los pedindo para acompanhar o mestre onde quer que ele fosse, mas o tom de Kurone foi suficiente para eles entenderem que era um lugar que apenas ele podia ir.
— Darling, e eu? Não me diga que não pensou em mim? — Inari falou com seu drama exagerado.
Assim como Annie, essa deusa também dependia da mana do jovem, a alma dele sumir dali poderia acarretar sérios problemas, no entanto, Kurone pensou em algo enquanto conversava com Hyze, esse era o nível de sua preocupação com seus amigos.
Sentia-se mal por deixar Inari ali quando prometeu a Kumiho, a Besta Divina, que cuidaria dela, mas logo estaria de volta.
— Shirone… você pode usar isso enquanto eu ficar fora? — Ele falou tirando o torque quase imperceptível do seu pescoço.
Era um objeto dado por Lao Shi, na ilha Lou Souen. Isso substituía um pacto, fornecia mana suficiente para a deusa existir sem causar anomalias nesse plano. Por eliminação, Shirone era a pessoa mais recomendada para usar o objeto, porém os olhos de Kurone revelavam que não foi uma escolha por eliminação.
— Eu? — balbuciou o elfo, um pouco confuso. — Não tenho nada contra, mas…
— Eu confio em você, Shirone Nakano. Prometo que vou lhe pagar devidamente quando isso terminar, vou te ajudar a encontrar o seu pai.
O elfo continuava confuso, mas aceitou o torque na mão de Kurone. Era um colar fino e discreto, porém sugava mana como um vampiro. Assim que o tocou, Shirone tremeu o corpo em choque.
Inari também tremeu ao sentir o torque trocando o usuário. Certamente, Shirone tinha mais mana que um ser comum, no entanto jamais se equipararia a Kurone, a diferença na qualidade da energia vital era imensa.
— Uhhh! Pra onde você vai? — Dora perguntou o que todos queriam saber.
— Hyze tem um plano para impedir o renascimento do Vassalo da Morte, mas para executar ele, preciso voltar no tempo. — A última frase arregalou os olhos de todos.
Finalmente, todos perceberam o peso que tinha essa despedida do jovem. Havia a chance de ele não retornar.
— Escutem todos — Kurone falou em tom sério. — Há tanto a chance de fracasso quanto de sucesso nessa missão. Se, por acaso, o Vassalo da Morte tomar o meu corpo, quero que vocês me matem, não hesitem por ele ter o meu rosto.
— Sen-senhor Loright… — Eulides levantou a mão, talvez fosse dizer algo sobre a segurança do jovem, mas desistiu e falou após um suspiro: — Obrigado por tudo que você fez por mim até aqui… lhe desejo sorte em sua missão.
Por um momento, todos fizeram das palavras de Eulides al Mare as suas e baixaram a cabeça, até o jovem William Zackarias. Claro, Edward estava fazendo isso em deboche, mas os outros demonstravam respeito.
Berthran e Ayshla eram gratos por serem subordinados do jovem, isto era nítido em seus semblantes. Dora era uma amiga de longa data, Law Zhen, obsessiva, e Shirone era confiável a seu próprio modo.
Uma satisfação incomum percorreu seu peito. Quando chegou nesse mundo, considerava tudo temporário e não queria se envolver com ninguém, mas percebeu como estava errado ao formar alianças e amizades.
Se o mundo fosse se tornar um lugar melhor quando voltasse no tempo, então faria isso, por mais que significasse ter sua existência apagada.
Não esqueceu de suas irmãs, mas a balança pendia para o lado desse mundo. Seus poderes chegaram a um nível que ele não era mais um garoto tentando retornar para sua família, mas sim um herói que carregava um peso do tamanho do mundo nas suas costas.
Lutaria até o fim para continuar vivo, pois seu objetivo ainda era rever suas irmãs, porém, se tivesse que escolher entre a sua vida e o sucesso da missão, escolheria a missão.
“Raika, Rin, Eriko e mãe, parece que o garoto de vocês está crescendo, não é mesmo? Isso parece algo que a Raika diria…”, pensou consigo mesmo após um suspiro. Em breve, chegaria o momento.