Raifurori Brasileira

Autor(a): NekoYasha


Volume 4

Capítulo 199: Loop

O vento aquietou-se por um tempo, Kurone jamais viu uma calmaria como aquela desde que adentrou a floresta de Hyze — apesar dos flocos de neve continuarem caindo. 

Troncos secos preenchiam todo o cenário, havia partes quase intransponíveis devido aos troncos arremessados pelo vento da nevasca. 

Por sorte, mesmo naquela tranquilidade, não foram atacados por monstros, e muito menos cruzaram com outros aventureiros. 

A probabilidade de Clay Alysson, o Psicopata Reencarnado, ter matado os jovens de Dart que também buscavam a vila de Hyze eram altas. Aquele louco ainda estava solto pela floresta, por isso a atenção de todos era redobrada, principalmente ao verificar se não havia minas terrestres por baixo da camada de neve forrando o chão.

As três carruagens seguiam devagar pelo local, aquela tranquilidade os deixavam ansiosos, pois era senso comum que a breve calmaria sempre antecipava a tormenta.

— Parece que o céu está limpando… — comentou Lothus. — Mas o clima continua frio, talvez seja possível continuarmos viajando por esta noite, sem a interferência da nevasca.

— Viajar sob a luz de Jarnsasha? Você, como uma Pregadora da Razão, deveria saber que isso não é bom — Inari provocou, o seu tom indicava que ela não ligava realmente com as superstições daquele mundo, e até mantinha uma relação nada amistosa com a deusa de mesmo nome da lua, só queria assustar um pouco os seus companheiros.

— Não temos tempo a perder, talvez não tenhamos mais a mesma chance de viajar tão tranquilamente por aqui — a Pregadora da Razão explicou, encarando o horizonte.

Era fácil se perder por ali.

Todo o cenário era composto por troncos marrons secos e neve, vez ou outra havia uma pedra cinza que se destacava entre a monotonia.

Kurone (Lorigth al Mare) encarava o caminho com o cenho franzido e uma expressão séria, sequer dando atenção ao diálogo entre Lothus e Inari, ao seu lado.

— O que você acha disso, darling… Ei, darling, qual o problema? Você parece meio distraído, tem algo te incomodando?

— Vocês perceberam… que faz quase três horas que a gente tá andando em círculos? — Ele puxou as rédeas e parou a carruagem, o som dos outros veículos fazendo o mesmo ato também foi escutado.

— E-em círculos? Eu estive tão distraída conversando com senhorita Inari que não percebi… essa tranquilidade me fez baixar a guarda… — Lothus examinou os arredores, todo o cenário era semelhante por natureza, mas havia algo errado ali.

À frente, o caminho desvanecia por conta da quantidade de flocos de neve caindo do céu, e a mesma coisa acontecia atrás, impossibilitando que verificassem se estavam realmente andando em círculos. 

Era um fenômeno semelhante à destruição do cenário antigo e a renderização do novo, conforme o personagem avançava, dos jogos eletrônicos.

A demônia de cabelos castanhos-alaranjados suspirou por um momento e fechou os olhos, mas abriu-os poucos segundos depois, com uma expressão de pavor no rosto. 

— Isso é mau… eu achei que poderia ser algo como magia de ilusão, mas é magia espacial, há um portal à nossa frente que sempre vai nos levar ao começo do caminho… há quantas horas estamos andando em círculos, mesmo?

— Faz três horas que eu comecei a desconfiar, mas talvez a gente tenha desperdiçado todo o nosso tempo assim, é possível a gente nem ter saído muito do lugar que eu lutei contra o Clay Alysson — Kurone cerrou os punhos, ele foi idiota por não perceber aquilo antes.

— Senhor Loright, qual foi o problema? — Eulides saltou de sua carruagem e caminhou com dificuldade pela neve, ele ainda não conseguia se equilibrar bem ali.

— Parece que a gente caiu em uma arapuca de Hyze, Lothus disse que é magia espacial — Kurone explicou com um suspiro, ele contou a verdade a eles sobre o verdadeiro nome da demônia a pedido dela, porém decidiu não contar sobre o de Inari.

A deusa-raposa ainda estava na forma de Rory, ninguém poderia saber que ela era uma divindade, e da mesma forma não era uma boa ideia falar que o nome dela era Luminus ou Rory, então só restava continuar chamando-a de Saphyr.

— Espera, ma-magia espacial?! Como vamos escapar? — questionou Eulides, assustado. Era visível que aquele nobre afeminado estava cansado, o corpo dele não foi feito para jornadas intensas como aquelas.

— Sei lá, o importante agora é ninguém se desesperar. Bora acampar aqui por hoje e pensar um pouco, chama a galera da carruagem e explica a situação.

— Como pode ficar tão tranquilo com essa situação, senhor Loright?! — Eulides percebeu a própria agitação e suspirou com um pedido de desculpas, era bom ver que ele pelo menos reconhecia os próprios erros.

A calmaria de Kurone (Loright) perante aquela situação não era de se estranhar para quem conhecia sua trajetória. Ele passou por coisa pior, sobreviveu ao corredor que ligava o 99° piso do Hangar dos Mortos ao 100°.

O templo onde encontrou o Necromante de Cascos Fendidos possuía um labirinto quase interminável, lutar naquela floresta contra qualquer coisa era melhor que aquela escuridão, e naquele dia ele perdeu um dos seus primeiros orcs — Berthran carregava a espada daquele guerreiro em sua cintura.

Era a experiência. 

A troca constante de cenários o deixava mais forte e perspicaz, apesar de ter sido idiota, devia notar que estavam andando em círculos mais cedo… “Parece até que a tranquilidade foi proposital.”

[Usar a calmaria para baixar a guarda da presa é uma ótima estratégia, e usar algo tão raro como magia espacial só pode ser obra da xamã Hyze.]

“Nie, eu não consegui encontrar o fluxo de mana, mesmo com os dois Olhos Sagrados, parece que a desgraçada da Hyze se preveniu contra o Santo.”

[É o que tudo indica. Se não encontrarmos onde o portal que nos leva ao início foi colocado, vamos acabar dando muitas voltas, não temos tempo para tentativa e erro, entende isso, Kurone?]

“Tô ligado, nossos suprimentos tão acabando. Mesmo cortando a comida da Inari, o que a gente tem vai durar, no máximo, três dias.”

[O racionamento feito por Lothus foi perfeito, mas parece que ela não esperava uma armadilha como esses.]

“E aí, qual a melhor estratégia? Eu tava pensando em voltar, mas nada garante que a gente esteja perto do local que eu briguei com Clay Alysson, já que eu não sei onde fica o início e o fim do loop.

[Acho que a ideia mais eficiente é desfazer a barreira que nos manda de volta ao início, mas para isso precisamos encontrar ela primeiro.]

“Você consegue desfazer isso?”

[Não posso garantir que vou conseguir nos ajudar, mas tentarei fazer como aquilo que fizemos com o Orbe Amarelo de Lou Xhien Pi’yan.]

Annie possuía a capacidade de mexer no “circuito mágico”. 

Pelo que a deusa explicara, os circuitos mágicos possuíam várias camadas, a que todos conheciam era a camada da superfície, como as formações de círculos mágicos, as runas destes círculos eram entendidas facilmente pelos humanos e poderiam ser manipuladas.

No entanto, quanto mais baixo era a camada, mais complexo o sistema, e também maior era a liberdade para manipular a mana. 

Annie acessava uma camada que mexia diretamente no funcionamento da magia, porém apenas ela conseguia entender aquele emaranhado de fios mágicos e runas.

Quanto mais estudava sobre aquilo, mais Kurone pensava que o mundo de Niflheim fora programado como um jogo, por trás de tudo parecia haver um código-fonte, contudo, diferente da programação da Terra, lá os circuitos mágicos que ditavam as regras de funcionamento.

Se estava certo, então um deus era basicamente um ser capaz de modificar os sistemas mágicos como e quando quisesse.

— Senhor Loright, eu não consigo me comunicar com as minhas invocações que fazem ronda pelas proximidades, isso é preocupante — disse Law Zhen, aparecendo de repente, ela fazia jus ao seu trabalho de mercenária, esgueirava-se pelas sombras e quase sempre surpreendia Kurone.

— Parece que é como se a gente tivesse preso dentro de uma parte isolada da floresta, provavelmente tem como recuar, mas não como avançar — concluiu o jovem, não importava o quanto encarasse o cenário à frente, não conseguia ver nada além de neve.

— Tem certeza que devíamos estar acampando? Podemos estar perdendo muito tempo, senhor Loright.

— Não precisa se preocupar, Berthran e Ayshla tão fazendo ronda, logo, logo eles vão achar a barreira que tá atrapalhando.

— Nossa, que eficiência, eu nem vi vocês conversando… Na verdade, eu já vi isso algumas vezes, vocês têm algum tipo de habilidade telepáti…

Law Zhen interrompeu sua fala ao ver a expressão do jovem de repente. Kurone arregalou os olhos por um momento e voltou a atenção para o horizonte.

— Fique aqui — ele disse. — Parece que eles já encontraram a raiz de todo esse problema, avisa aos outros que vou sair por um momento, vão preparando o jantar.

A Invocadora não teve tempo de protestar sobre ser deixada para trás, Kurone impulsionou-se e desapareceu em uma velocidade surpreendente pela neve. 

O jovem corria sobre o chão instável como um ninja de alta classe, aquilo era resultado de seu treinamento infernal com Lao Shi.

Não demorou muito para ele avistar a figura de Berthran e Ayshla, a barreira que os impedia de avançar estava mais perto do que pensavam. Se continuassem andando, retornariam ao início do loop.

— É aqui, mestre — anunciou Berthran, a voz rude e grossa dele era escutada perfeitamente por conta da ausência de ventos violentos.

— Como você encontrou?

— Eu e Ayshla estávamos lançando magia para frente, como nosso localizador, então notamos que qualquer ataque mágico usado contra essa direção desaparece de repente. 

— Olha só isso. — Ayshla juntou neve na mão coberta por uma luva preta para fazer uma bola e arremessou-a em seguida.

O projétil voou pouco pelo ar frio antes de desaparecer, como se fosse engolido pela água.

Kurone franziu o cenho, ele decidiu testar por si e arregalou os olhos ao ver seu ataque de Fogo Infernal sendo completamente sugado pela barreira.

— Droga, parece que a gente tá numa situação complicada, viu? Será que tem como dar a volta nisso?

— Não testamos, mestre, mas, até onde fomos, o efeito é o mesmo.

— Merda… qual o problema dessa coisa? — Kurone aproximou-se devagar, ele não queria correr o risco de ser engolido e regurgitado no início daquela trilha.

“Eu não consigo ver o fluxo de mana, mas de perto da pra saber o quanto é perigoso.”

O jovem moveu o dedo e o balançou no ar, como se tentasse sentir a textura da parede invisível, porém bastou aquele toque mínimo para o cenário mudar em um piscar de olhos.

— O quê?…

Quando abriu os olhos, estava em sua carruagem.

O veículo se movia, qualquer outra pessoa diria que aquilo que teve até o momento foi um sonho, mas bastava olhar para o rosto de todos… era impossível que eles tivessem o mesmo sonho.

[Parece… que você voltou alguns minutos no tempo.]



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