Raifurori Brasileira

Autor(a): NekoYasha


Volume 4

Capítulo 191: Clay Alysson

— Às vezes, eu fico pensando…

— É só isso que você faz. Já pensou em ser um pouco mais idiota e pensar menos? Nunca ouviu falar que a ignorância é uma benção? — respondeu a psicóloga com sua expressão habitual de desinteresse pelo que o garoto falava, apesar dela, teoricamente, ser alguém que deveria ajudá-lo.

Kurone sentava na poltrona aconchegante no centro do consultório de senhorita Kanade. 

A garota de cabelos negros e olhos cansados era um pouco mais velha que ele, e dependia daquele jovem para pagar suas contas, pois havia muitas psicólogas em Tóquio.

— Mas vamos em frente, diga o que te perturba dessa vez — ela falou tirando o último cigarro da caixa e acedendo-o.

— É que…. às vezes eu me questiono quem realmente sou… tipo, sinto que já mudei radicalmente tantas vezes que é como se eu fosse outra pessoa… Eu não sei exatamente como expressar isso… Ei! Você tá me escutando?!

Hã? Vai chorar? — a senhorita Kanade tirou o cigarro da boca e soltou a fumaça. — Todos nós mudamos conforme crescemos, Kurone. 

— M-mas…

— Você acha que mudou radicalmente? Creio que ninguém te conhece melhor que as pessoas que estão próximas a você. Suas irmãs continuam te amando do mesmo jeito, acha mesmo que você mudou tanto assim? Com certeza as meninas não pensam isso, seu siscon safado.

O jovem parou por um momento, apesar da franja cobrir seus olhos, Kanade Toshiro sabia exatamente qual era a expressão dele, afinal eram próximos há muito tempo.

— Vê se lembra disso, sempre que se questionar quem é, lembre-se apenas que é o irmão daquelas três garotinhas adoráveis… e o amigo de Kanade Toshiro, certo? Se estas pessoas começarem a te odiar sem motivo, pare, pense e reveja seus atos.

— Eu… não sei exatamente o que dizer… obrigado…

— Já que eu ajudei… — a jovem aproximou-se de Kurone e o encarou com olhos suplicantes. — Será que você poderia comprar mais cigarro pra mim… por favorzinho?

— Nem vem com essa cara de cão sem dono! 

— Não seja mal! Você é meu amigo!

— E sou seu paciente também! Droga, você não tem jeito mesmo…

***

— Bom dia, Iolite.

— Bom dia, Law Zhen — ele cumprimentou passando a mão pelos cabelos negros da aventureira. Apesar de não ter percebido, aquele ato deixou a jovem bastante corada.

O jovem nobre que estava ali perto, Eulides al Mare, olhou assombrado para aquela cena, como se visse uma assombração. 

Claro, era a primeira vez que ele via Kurone sorrindo, ele parecia estar bem alegre naquela manhã.

A mudança de humor não era para menos, afinal a conversa com Annie no dia anterior o lembrou de quem realmente era. 

A senhorita Kanade certa vez lhe dissera a mesma coisa, como pôde esquecer facilmente?

Enquanto estivesse ao lado de Annie, e ela gostasse dele, então estaria no caminho certo. Que bom que sempre havia garotas gentis em seu caminho.

— Nossa, darling, você está tão sorridente hoje, e é porque nem passou a noite comigo — Inari, na forma de Rory, provocou o jovem com uma expressão presunçosa. — Espera! Será que você andou me traindo com aquela mulherzinha oriental ali?! — A deusa apontou para Law Zhen, ao que a jovem aventureira olhou confusa para ela.

— Que bom ver que está mais feliz, senhor Cordielyte, acho que uma expressão mais suave combina realmente com seu rosto — disse Lothus. A demônia era gentil, provavelmente devia estar preocupada com o rosto sombrio de Kurone nos últimos dias.

— Obrigado pela preocupação, eu tô realmente melhor agora.

Apesar de a tristeza e o ódio ainda não terem desaparecidos em sua totalidade, conseguia lidar com eles. Sempre que tocava o anel dourado em seu dedo anelar, lembrava de Lou Xhien Li, mas tentava trazer à tona as boas memórias para evitar ficar muito depressivo.

Perdeu muitas pessoas importantes, mas ficaria louco se continuasse a pensar nisso a todo momento, e sua insanidade era exatamente o que o Vassalo da Morte queria, pois Kurone percebeu que, sempre que ficava mais furioso, aquelas veias roxas espalhavam-se ainda mais rápido pelo seu corpo.

“Nie, valeu por ontem, eu consegui dormir e tô realmente mais leve.”

[N-não tem pelo que agradecer!]

Hmmmm… será que a Nie ficou com vergonha do que ela falou ontem? Não precisa ficar acanhada, pode falar com o ‘Kurone da Nie’, hehe.

[Hmpf! Pare de falar essas coisas constrangedoras!]

Kurone riu discretamente ao escutar a voz gentil da sua deusa. 

Ele realmente não sabia o que seria da sua vida se não tivesse aquele pacto com ela.

Ao olhar para o lado, viu os aventureiros mais covardes preparando suas carruagens para retornarem a Dart. Após o anúncio daquele estranho que encontrou na nevasca, eles decidiram que não continuariam pela busca da vila de Hyze.

Com certeza, todos ali acabariam mortos se continuassem, então aquela era a melhor ideia mesmo. 

Quatro carruagens retornariam, e haviam quinze veículos inicialmente, excluindo a de Kurone, a de Berthran e dos aventureiros que fugiram antes, isso significava que mais metade deles eram loucos.

Eulides al Mare, Willian Zackarias e Law Zhen insistiam em continuar. 

Os dois últimos tinham altas chances de permanecerem vivos, mas o primeiro era muito fraco e sua morte era certa, no entanto Kurone nada disse dessa vez, pois aquele jovem nobre já estava irritado com ele desde a última conversa, quando encontraram os corpos, sem as cabeças, de dois aventureiros. 

— Tem certeza que vão continuar? Nós vamos ficar por mais um tempo aqui, organizando as coisas, antes de voltarmos — comentou um dos aventureiros.

— Você está nos chamando de covardes?! — rugiu Ayshla, já preparada para sacar seu cutelo.

“Por que todo mundo tem que pensar nisso? Nós que somos os lunáticos aqui…”

— Sen-senhorita Ayshla! Ele está apenas sendo educado! — gritou Eulides, apesar de ele não ser a melhor pessoa para falar aquilo.

Kurone simplesmente ignorou aquela discussão com um suspiro e voltou sua atenção à sua carruagem. 

Eles partiriam primeiro, antes que a nevasca ficasse mais forte. O jovem deixou uma tocha com Fogo do Inferno para aqueles que retornariam, pois eles não chegariam na cidade-fronteira em apenas um dia, certamente precisariam parar para acampar e comer, e por isso necessitavam do fogo. 

— Já estamos prontos para partir, e vocês? — questionou o jovem Willian. 

O garoto arrogante e um pouco narcisista sempre se aproximava do grupo de Kurone sorrateiramente, ele parecia gostar muito de Lothus, e isso deixava Eulides incomodado.

“Parece roteiro de light novel de romance escolar.”

[Ah, para, eles são fofos, mas acho que a Lothus combina mais com o Eulides.]

“No fim, você ainda é uma garota…”

[O que você quis dizer com isso?!]

— Nós já estamos prontos! — respondeu Kurone, ignorando as últimas palavras da deusa. — Saphyr, Ruby, vamos! — ele chamou as duas garotas pelos nomes falsos.

Enquanto deixavam a clareira, os outros aventureiros acenavam e desejavam boa sorte a eles. Todos sabiam que seria uma jornada difícil, então pelo menos desejavam que os seus amigos, que queriam continuar, sobrevivessem.

— Eles eram bem legais, acho que vou mandar você levar uma lembrancinha para eles em Dart quando chegarmos em Hyze — disse Lothus, acenando de volta.

— Eles com certeza gostaram de você mesmo — Kurone respondeu com uma expressão desconcertada. 

Os jovens adoravam escutar as histórias da demônia e sempre estavam tentando flertar com ela, mas Lothus era inocente demais para notar que aquela gentileza deles tinha, na verdade, segundas intenções. Kurone decidiu não falar sobre isso para que aqueles aventureiros fossem pelo menos respeitados por ela.

A maior parte daqueles que decidiram continuar eram homens e mulheres mais velhos, que tinham mais experiência em batalha e eram ambiciosos pelo tesouro que lhes aguardava na vila de Hyze, então Lothus só precisava lidar com os flertes de Eulides e Willian.

***

Ahhh… eu vou sentir muita falta da Lothuszinha! — falou um aventureiro com uma expressão triste. 

— Eu também! — respondeu outro.

Eles começaram a deixar a clareira trinta minutos após o grupo de Kurone sair. 

Os mais jovens sentiam-se derrotados e irritados por saberem que Willian teria a chance de paquerar Lothus, por decidir continuar a jornada.

— Será que vocês vão ficar falando daquela garota a viagem toda?! — rugiu uma jovem no interior da carruagem, ela parecia incomodada com o tópico da conversa dos rapazes.

— Não precisa ficar com tantos ciúmes assim, Kelly. Reconheça que Lothus era realmente gentil, diferente de você, que é uma brutamontes.

— Se eu me levantar daqui, vou te mostrar quem é a brutamontes!

— Viu só, Luan?!

— Você tem razão, mano. Ela é metida a machona mesmo. Ei, ei! Não leve tão a sério, você não sabe brincar!?

A viagem deles prosseguia calma até aquele momento, porém aquela carruagem barulhenta com os três aventureiros chamou a atenção dos outros. 

A garota estava prestes a levantar e dar um tapa na cabeça do seu companheiro, porém…

Pam! 

Aquela cabeça que estava prestes a receber o tapa delicado da garota não existia mais. O membro tornou-se nada mais que pedaços de carne que se espalharam pela carruagem.

Ahhhhhhh! — Kelly olhou horrorizada para aquela cena, recusava-se a acreditar que aquilo era realidade. A cabeça do seu amigo que a instantes estava ali foi simplesmente desintegrada.

— Kell… — O outro companheiro, ao lado, tentou segurar o corpo sem cabeça do seu amigo, mas teve o mesmo fim que ele após outro “pam!” violento.

— Não… não… não… — Apesar de se preocupar com os seus companheiros, o instinto humano da garota a obrigou a sair dali, ela sabia que morreria se continuasse lá dentro, por isso fugiu pela janela da carruagem.

A neve fria tocou seu corpo trêmulo. 

Ela estava desamparada, não fazia a menor ideia do que fazer ou para onde ir. 

O campo de visão tornava-se turvo devido às lágrimas escapando pelas extremidades dos seus olhos. Talvez pudesse buscar ajudar nas outras três carruagens? Não! Pois aquele som horripilante e estrondoso lentamente dizimava todos.

Houve os que tentaram lutar, porém quem quer que atirasse contra eles estava escondido nas sombras, em uma vantagem territorial, ninguém conseguia vê-lo.

Kelly olhou assombrada para o cenário, mas desistiu após constatar que não conseguiria mais correr, suas pernas se recusavam a obedecer. Lágrimas desciam pelos seus olhos, os corpos dos seus dois amigos que há poucos minutos discutiam sobre a garota Lothus estavam logo ali a frente, sem cabeça.

— Por quê?... 

Todos aqueles que os acompanharam naquela jornada estavam mortos, sendo que decidiram retornar para não morrerem. Por que a vida tinha que ser tão injusta?

Ao escutar o som de passos, Kelly direcionou seus olhos repletos de lágrimas para a origem e arregalou os olhos. 

Era um homem.

O homem repousava uma arma estranha atrás do pescoço. Ele usava um terno com um sobretudo que se arrastava pela neve, o rosto era oculto por um chapéu negro.

— Ei, mocinha, — o homem começou com uma voz grave, não havia sinal de remorso em seu tom, mesmo ele tendo matado tantos jovens de maneira tão cruel — por acaso um daqueles jovens se chamava Loright al Mare ou Iolite Cordielyte?

Kelly estava aterrorizada, ela devia atacar, mas seu corpo não se movia, então apenas forçou a cabeça e a balançou dizendo que não.

Hmm… que bom, muito bom, não matei ele sem querer. Então, agora posso continuar minha caçada — ele disse, afastando-se da garota. Seria aquilo um dos monstros que habitavam o interior da floresta de Hyze? 

As lágrimas no rosto de Kelly aumentaram e ela chorou alto, pois foi a única a sobreviver, pelo menos assim pensava.

Ah, diga ao diabo que foi Clay Alysson, o Psicopata Reencarnado, que lhe mandou — o homem anunciou antes de puxar o gatilho e explodir a cabeça da aventureira.



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