Volume 4
Capítulo 190: Estranho Na Nevasca
Uma chama na mão de Kurone iluminava o caminho pela floresta repleta de neve.
O local tinha um ar sombrio, pois as árvores não passavam de troncos secos que, constantemente, eram arrancados do chão e levados pelo vento forte.
Berthran precisava usar ainda mais mana para manter a sua barreira de ar conforme a nevasca aumentava, ele era forte, mas todos tinham um limite, por isso retornariam quando percebessem que já estava impossível prosseguir com a busca.
Willian Zackarias e Law Zhen mantinham expressões sérias, como bons guerreiros habituados a situações complicadas como aquela, porém Eulides tremia, tanto pelo frio quanto pelo medo.
— Dizem que a nevasca é obra da xamã Hyze para que as pessoas morram no caminho para a vila. Quanto mais perto estivermos, mais difícil será o caminho — explicou Law Zhen, ela parecia insistir em ficar próxima a Kurone, mas o jovem sequer olhava para ela.
— Eu acho que é loucura alguém estar andando em uma nevasca dessas, estamos perdendo tempo — protestou Willian, apesar de ter se voluntariado para fazer aquilo sem pensar duas vezes, aparentemente ele era alguém que adorava se mostrar, mas não pensava antes de agir.
Kurone moveu a sua mana para a região do rosto e ativou os seus dois Olhos Sagrados. Era incômodo usar dois de uma vez, mas ele logo se adaptaria, assim como se habituou a usar apenas um.
Varrendo o cenário, via apenas o fluxo de mana de pequenas criaturas que se escondiam bem embaixo da neve, provavelmente em buracos bem fundos e quentes.
Estava prestes a desativar a habilidade quando notou um fluxo incomum.
— Parece que nosso homem é um maluco, ele tá andando mesmo pela nevasca. — O garoto apontou para a direção da origem daquele fluxo, era simples, como o de qualquer humano comum, porém havia uma energia demoníaca e divina ao redor dele.
— Isso são… Olhos Sagrados?!Q — gritou Law Zhen, mais impressionada com Kurone que com a descoberta da localização do estranho na nevasca. — E você tem logo dois… isso significa que você é um Santo?! Eu ouvi dizer mesmo que tinha surgido um novo Santo em Andeavor, mas o nome dele era…
— Não temos tempo para perder com essa conversa, o cara vai escapar se não corrermos.
Berthran entendeu a ordem implícita do mestre e apressou o passo, fazendo todos dentro da sua barreira de ar se movimentarem.
Ficar para trás seria mortal, quem saísse pelo menos um pouco da proteção do orc seria arrastado impiedosamente pela nevasca intensificando-se.
A Boito .20 foi materializada na mão esquerda de Kurone, ele continuava a usar os seus Olhos Sagrados para rastrear o fugitivo, agora ele tinha ao seu dispor um campo de visão mais amplo, porém era difícil correr desviando dos troncos voando pela floresta.
O grupo ficou mais cauteloso quando o fugitivo parou e, ao invés de fugir, começou a seguir em direção a eles.
Ele finalmente teria decidido escolher o combate direto?
Todos olharam com espanto para a figura de um homem caminhando naquela nevasca impiedosa como se não fosse nada. O corpo dele estava coberto por um manto escuro, mas ainda sim era algo muito fino para protegê-lo do frio.
“Nie, consegue analisar ele?”
[Está muito distante, mas tenho certeza que alguém que consegue andar pela nevasca daquela maneira não deve deixar os seus status públicos.]
A deusa tinha razão, havia pessoas como Lao Shi que escondiam os seus status.
O intuito do feito era não chamar a atenção, porém o simples fato de alguém conseguir ter acesso ao controle dos seus atributos já era um algo que mostrava o quão forte aquela pessoa era.
— Sinistro… e-ele está nos encarando — comentou Eulides, por mais que tentasse esconder, o medo transparecia em sua face. — O que vamos fazer?!
— Tentar conversar. Não somos animais irracionais que atacam como selvagens.
[Kurone… você cogitou atirar nele sem pensar duas vezes.]
Por alguns instantes, o grupo no interior da cápsula de ar e o estranho na nevasca ficaram parados, um encarando o outro. Eles hesitavam em avançar, pois não sabiam o quão perigoso seu oponente era.
Apesar de dizer que tentaria conversar, Kurone mantinha a sua escopeta de canos cerrados em mãos, pronto para disparar quando fosse necessário.
Ele levantou a arma quando o estranho na neve começou a se mover.
— Parem de se arriscar nesta idiotice — começou o estranho encapuzado, sua voz era pouco clara devido à força do vento. — Vocês não deviam estar em um lugar como esse, vão embora antes que seja muito tarde, aquilo que vocês buscam não existe.
Ninguém do grupo respondeu.
O estranho só podia estar se referindo à vila de Hyze, ele achava que um truque daquele enganaria os outros? A própria presença dele ali já era uma prova que a vila de Hyze era real.
— Vocês foram avisados! — Após suas últimas palavras, ele simplesmente desapareceu na nevasca. Tudo que restou ali foi uma ponta de medo, havia realmente coisas estranhas naquela floresta.
Aventureiros foram mortos, Inari foi atacada e, naquele momento, encontraram um ser que os advertia a deixar o local o mais rápido possível ou algo ruim aconteceria.
“Caraca, parece até que eu tô em um filme de terror.”
***
Eles retornaram à clareira o mais rápido que as suas pernas lhe permitiam correr, pois Berthran chegava ao seu limite.
A maioria dos aventureiros ainda aproveitava a refeição naquele momento.
O grupo separou-se.
Law Zhen e Willian seguiram para o caldeirão, prontos para pegar sua porção de comida. Eulides parecia um pouco indeciso, e ainda tremia devido ao medo, então decidiu apenas andar um pouco, enquanto Kurone e Berthran focaram em encontrar as garotas.
Elas pareciam um pouco preocupadas, até mesmo a sempre séria Ayshla, a orc fêmea, possuía uma expressão diferente em seu rosto esverdeado.
— Sentiram tantas saudades de mim? Eu fiquei fora por menos de uma hora — tentou brincar, porém Lothus adiantou-se, com um pouco de horror no rosto:
— Vocês… não escutaram a voz, não foi?
— Voz?
— S-sim… parecia a voz de um homem, ele mandou todos saírem da floresta ou algo muito ruim iria acontecer. Acho que alguns aventureiros vão desistir da jornada amanhã.
Kurone gastou pelo menos dez minutos para chegar ali e, nesse tempo, aquele ser estranho conseguiu plantar o medo no peito dos aventureiros, fazendo alguns desistirem.
Mas aquilo poderia ser algo bom, afinal quanto menos pessoas chegassem perto da vila de Hyze, melhor.
No entanto, o fato de haver um ser estranho como aquele na floresta era preocupante, eles podiam ser atacados e morrer, pois o ser parecia ser forte.
— A gente vai ter que ficar mais alerta… não enfrentem esse estranho se encontrarem ele — falou o jovem. Talvez se atacassem em grupo, ainda teriam uma chance, mas sozinhos jamais conseguiriam.
— Tenho certeza que é o mesmo homem que me atacou quando eu me separei de vocês… ele tinha armas que nenhum humano deveria possuir, então há a possibilidade de ele ser um membro do Conselho do Inferno.
Novamente o Conselho do Inferno? Onde quer que Kurone fosse, aquelas monstruosidades o seguiam?
Ele jurou que mataria qualquer um que ficasse em seu caminho, então não teria piedade se aquele fosse realmente um demônio louco. Na verdade, eliminaria todos aqueles que se pusessem à sua frente.
Belphegor dé Halls tirou-lhe Flugel. Por culpa de Azazel van Elsie, Rory morreu, e, recentemente, Lou Xhien Li foi morta da maneira mais cruel possível por Mamon von Faucher.
Kurone definitivamente não permitira que outro daqueles demônios tirasse mais nada dele.
“Eu devia ter atirado naquele desgraçado quando tive a chance!”
[Acalme-se, Kurone, você não sabe se ele é realmente um membro do Conselho do Inferno.]
“E daí se não for? O cara parece ser perigoso, então a gente só precisa eliminar ele!”
[Eu estou ficando realmente preocupada com o quão violento você está se tornando, Kurone.]
O jovem não respondeu.
Ele deixou o grupo e seguiu em direção ao caldeirão.
Annie tinha razão, estava se tornando cada vez mais violento conforme o tempo passava, era um sentimento nostálgico, semelhante àquilo que sentia quando era um delinquente dominado pela psicopatia.
Afinal de contas, quem era Kurone Nakano?
O jovem gentil que sempre andava ao lado de Teruhashi Nakano? Um delinquente que batia nos outros como um louco? Ele nasceu para matar Annie, e desde o seu nascimento, foi amaldiçoado pelo Vassalo da Morte, sempre esteve portando aquele ser em seu interior.
Ele realmente tinha alguma autonomia?
A cada dia, perguntava-se ainda mais quem realmente era.
Será que Kurone morreu naquele momento que Teruhashi Nakano, sua irmã mais velha, deixou-o? Aquilo que restava era apenas uma casca, insana, patética e fraca, que seria usada pelos outros?
[Eu não quis deixar você triste… é só que… eu tenho muito medo de perder você, não quero ver você sucumbindo à loucura e a violência.]
“Nie…”
[Olha, Kurone, sempre que você duvidar sobre o que ou quem é… basta lembrar que é o meu melhor-amigo-irmão-conselheiro-marido. O Kurone Nakano da Nie. Não foi você mesmo que disse isso? Ai, que vergonha…]
Ela tinha razão, como pôde ser tão idiota?
Escutar aquela voz tímida e doce fez o peito de Kurone ficar quente, ele sentia o seu coração demoníaco palpitando mais rápido. Por um minuto, toda a sua depressão e fúria desapareceram.
Ele não sentia atração sexual ou romântica por Annie, era algo bem maior que isso, um amor que seria impossível explicar em palavras, algo tão complexo quanto os fios dos sistemas mágicos.
Era grato, aquela deusa sempre o salvava quando estava em apuros.