Raifurori Brasileira

Autor(a): NekoYasha


Volume 4

Capítulo 182: Fogos De Ano Novo

Fazia três dias que iniciaram a viagem de carruagem.

Kurone conduzia com um pouco de dificuldade, afinal não era habituado a fazer aquilo, mas conseguia controlar bem o veículo. A única coisa que as garotas tinham a reclamar era de quando o jovem perdia o controle dos cavalos nas estradas com buracos.

Mesmo viajando por três dias consecutivos, eles ainda estavam na área urbanizada do Continente Oriental, apesar de que o vilarejo que pararam para pernoitar tinha um ar de campo. 

Hime explicara que, após aquele vilarejo, havia a longa estrada que os levaria a Dart, ou seja, era onde eles se separariam, afinal o garoto precisava ir à procura da vila de Hyze antes de seguir para a cidade-fronteira.

Apesar de ser noite naquele momento, quase todas as pessoas do vilarejo estavam fora de suas casas, havia fogueiras acesas no centro do local e alguns camponeses cantavam, dançavam e bebiam.

Era o último dia do ano de 1501 da Era Mágica. Aquele mundo seguia um sistema de contagem semelhante ao calendário gregoriano, com doze meses e uma mudança de estações a cada três meses.

A contagem dos anos zerava e a Era mudava diante de um acontecimento marcante, de certa forma similar à divisão predominante da Terra, que usava Antes e Depois de Cristo. 

Mas em um mundo perigoso como aquele, sobreviver para aventurar-se em outro ano era um grande feito.

Diante de um evento como aquele, a caravana de Kurone teve que parar naquele vilarejo para apreciar a virada do ano, era algo sempre especial, não importava o mundo, mas era um momento especial em dobro para Kurone, pois seu aniversário de vinte e um anos era no dia primeiro.

O jovem estava um pouco distante da multidão, as pessoas mantinham sua atenção voltada para Inari, que disputava queda de braço contra alguns brutamontes. Claro, todos estavam assustados, afinal ela estava com a aparência de Rory, era realmente estranho ver uma garotinha derrotando homens grandes como aqueles.

— Você não vai ficar perto dos seus, humano? 

Devagar, Kurone voltou seu rosto oculto pela touca do seu novo sobretudo para a dona daquela voz. Era Kumiho, a Besta Divina de Inari. Na verdade, elas desfizeram o pacto recentemente, então aquela era uma criatura livre.

— Eu prefiro o silêncio, nunca gostei muito de festas.

Apesar de estar totalmente agasalhado com as novas roupas dadas por Lao Shi, o jovem ainda sentia um frio intenso, e para a sua surpresa, um dos camponeses dissera que o frio de verdade ainda estava longe de começar.

Kumiho também se separaria do grupo após saírem daquele vilarejo, sua missão era buscar o Seol da sua mestra, e não conseguiria fazer isso se estivesse preso a ela por um pacto.

— Kumiho, — Kurone olhou para a criatura, ela tinha o tamanho de um gato comum para não chamar a atenção — você conhece alguma Besta Divina com aparência de morcego?

A raposa branca ficou em silêncio por um momento, como se tentasse relembrar de algo. Assim como sua mestra, ela também perdeu a metade de suas memórias, era algo que incomodava todos os que viveram no mesmo tempo que Astarte, a deusa misteriosa.

— Kamazotz o nome dela, era a Besta Divina da Condessa Hematófaga do Caos. Por que está pergunta de repente?

— Eu encontrei essa criatura há algum tempo… e fiquei pensando em algumas coisas.

— Você encontrou Kamazotz? E quer que eu acredite que está vivo mesmo após confrontá-la?

— Na verdade, era apenas um esqueleto.

Ahh… então Kamazotz foi amaldiçoada e não teve paz nem em seu pós-vida. Suponho que você a tenha libertado, certo?

— Eu acho que matei ela… eu acho. Mas aquilo me fez pensar que algumas pessoas não têm paz mesmo após a sua morte.

— Existem muitas pessoas assim. Seja deus, buda, demônio ou um híbrido como você, uma vez envolvidos com os segredos deste mundo, jamais teremos paz. Olhe para minha mestra, — Kumiho meneou sua cabeça para Inari, ela dançava ao som de alguns instrumentos estranhos tocados pelos humanos — ela foi morta, no entanto passou muitos anos aprisionada em uma masmorra.

— Eu tava pensando nisso… você não morreu, não foi mesmo? Tipo, você tem o tal do Seol, já que pode se materializar no mundo real sem ajuda da Inari ou a minha.

— Eu não morri, no entanto meu pacto me obriga a seguir a alma da minha mestra onde ela estiver. Espero que você cumpra a sua promessa e cuide bem dela enquanto eu estiver fora… ou você terá que prestar contas a mim.

Kurone simplesmente assentiu com a cabeça. 

Escutar Kumiho mencionar a promessa fez ele levar a mão esquerda e encarar o seu dedo anelar. Embaixo daquela luva negra, ele usava o anel dourado que certa vez dera como presente de aniversário a Lou Xhien Li.

— Se me dá licença, me afastarei de você, sua energia amaldiçoada me incomoda — falou Kumiho indo em direção à sua mestra, ela parecia estar muito bêbada enquanto dançava. 

Era cômico ver “Rory” feliz e saltando de alegria, no entanto o jovem logo assumia uma expressão sombria ao lembrar que aquela não era a loli arrogante que conhecia, a verdadeira Rory foi morta em Eragon.

Pensar naquilo fazia com que a seu corpo pulsasse. 

A veia roxa que provinha do Sigilo de Azrael, em seu peito, estava logo abaixo do seu olho esquerdo, era uma linha fina, mas brilhava na escuridão da noite.

Quem o visse de longe pensaria que ele tinha algum tipo e doença contagiosa que deixava veias arroxeadas à mostra, no entanto aquilo não passava de uma indicação de que havia um Vassalo da Morte em seu corpo, e ele ressuscitaria em breve para trazer o caos ao mundo.

[Está realmente frio aqui.]

Ah, é mesmo, você também consegue sentir o frio. Como eu queria tá aí, agarradinho com você pra me livrar desse clima gelado.”

Kurone apenas não percebia, mas seu tom habitual tornou-se sombrio. 

Ele tentava fazer piadas, mas quase nunca ria delas, era como se estivesse se forçando a ser o jovem de sempre, porém falhava miseravelmente nisso.

Mas ninguém o conhecia tão bem quanto Annie, ela sabia que ele não percebia aquilo, então apenas deixava que o garoto tentasse se recuperar de tudo o que aconteceu nas ilhas Lou Xhien.

A decepção com o Arquifeiticeiro e a morte de Lou Xhien Li abalaram-no, talvez até mesmo o que aconteceu com o Arquiduque Asmodeus também tivesse o deixado um pouco triste, mas conhecendo Kurone, a deusa sabia que ele superaria aquilo.

Era um turbilhão de emoções, e tudo dependia de qual memória passava-se pela mente dele no momento. 

Quando revia a figura de Mamon von Faucher, sua ira se descontrolava, mas a promessa que fez com Lou Souen Eiai o dava coragem para prosseguir.

Ao ver o jovem sentado ali, sozinho e em frente a uma fogueira quase apagando-se, Hime deixou a multidão e sentou ao lado dele, no grande tronco de madeira que servia de banco.

— A partir de hoje não viajaremos mais juntos, Iolite, tem certeza que vocês conseguem se cuidar? — perguntou a sacerdotisa exalando seu bafo de álcool.

— Lothus sabe bem pra onde tá indo, confio nela. Sem falar que a Inari pode me ajudar.

— O problema é que Lothus é irmã do Arquiduque e Inari não é confiável. Ela tentou te matar, não foi?

— Muitas pessoas tentaram me matar, mas não se preocupe, eu não confio cem porcento nelas… nunca mais darei essa confiança a ninguém.

Ele fora enganado diversas e diversas vezes. Edward, Elsie, Kawaii e Lao Shi, todos traíram suas expectativas, por isso jurou que só acreditaria em uma pessoa: Annie.

— Sei bem como é isso… afinal, somos iguais.

Hã?

Era a primeira vez que Hime falava algo como aquilo, talvez fosse efeito do álcool do vilarejo, o qual ela não estava habituada. Aproveitando-se daquilo, Kurone foi um pouco mais atrevido e indagou:

— Você é uma “Heroína Ádvena”, não é? O que é isso?

A mulher tomou mais do conteúdo da garrafa de cerveja antes de prosseguir:

— São uns filhos da puta. Todos os heróis Ádvenas são filhos da puta… Eu nunca quis nada disso, vivia minha vida tranquila com meu irmão na Terra… mas aí nós fomos abduzidos para esse mundo maluco… e eles mataram meu irmão e tomaram tudo que eu tinha… minha mana, minha deusa, o fio da minha espada, minha amiga Inri… eles me tomaram tudo e me jogaram no inferno, mas deixaram o título de “Ádvena” impregnado na minha alma.

A cada pausa ela tomava mais um pouco da cerveja. 

No fim, Hime simplesmente repousou sua cabeça no colo de Kurone e começou a derramar lágrimas. Com certeza aquela cerveja era muito forte, o jovem podia supor isso apenas pelo odor vindo da garrafa.

“Então a Hime conhece a Inri… isso significa que ela também é um Ádvena?”

Ele pensou em aproveitar-se da situação para perguntar um pouco mais, no entanto por mais sombrio que tivesse se tornado, ele ainda respeitava os sentimentos dos outros. 

Preferia que Hime lhe contasse sobre aquilo quando ela confiasse nele.

Sentir aquelas lágrimas quentes descendo dos olhos da Ádvena e molhando a sua calça fez ele ter um vislumbre do quanto ela sofreu naquele mundo. 

Hime não podia usar sua espada, não tinha nenhuma outra arma à sua disposição além do seu corpo, com certeza ela fora amaldiçoada por alguém, provavelmente os outros Ádvenas.

[Coitada… o álcool deve ser a maneira dela escapar da realidade.]

Aquela cena era constrangedora para o jovem, pois quem visse a mulher soluçando com a cabeça no colo dele pensaria que eles estavam fazendo algo pervertido. No entanto, Kurone decidiu ignorar aquilo e colocou a mão nos cabelos dourados de Hime, alisando-os devagar.

Se a mulher estivesse sóbria, aquilo nunca aconteceria, e ele esperava que ela não lembrasse daquilo no dia seguinte.

Booom! 

O corpo do garoto tremeu ao escutar uma explosão no céu de repente. Ao olhar para alto, avistou luzes coloridas. 

Os fogos começaram.

O barulho aumentou conforme as trevas da noite perdiam espaço para a pólvora colorida. A origem dos fogos era a capital, onde Kurone e seu grupo estiveram anteriormente. O grito dos moradores e a música aumentou para competirem com o barulho alto das explosões no céu.

[Que lindo…]

Kurone suspirou, aquilo o lembrou das queimas de fogos do Japão, que ele normalmente assitia com suas irmãs. 

Quem diria que um dia assistiria com uma mulher chorosa em seu colo e uma deusa na sua mente?

[Feliz aniversário, Kurone.]

“Obrigado, Nie.”

Fechou os olhos para apreciar aquele momento, esqueceu-se até mesmo do frio aumentando conforme a fogueira à sua frente se apagava.

Agora ele era um Kurone Nakano de vinte e um anos.



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