Volume 3
Capítulo 179: Promessas E Mais Promessas
— É como o senhor Lao Shi disse, isso é como um contador, mais especificamente, é uma Marca Amaldiçoada, ela vai corroer toda a sua existência e, quando isso acontecer… — Lothus hesitou por um momento.
— O Vassalo da Morte tomará o seu corpo, que terá se tornado uma casca vazia e destruirá o mundo, que problemático — completou Lao Shi.
Kurone engoliu em seco ao escutar a explicação dada pelos dois, ele agora precisaria viver como alguém que lutava contra uma doença terminal.
— Vocês não sabem como resolver isso? — perguntou o jovem. Lao Shi era alguém com o posto de Arquifeiticeiro e Lothus era alguém com um conhecimento superior ao de uma “Pregadora da Razão”, segundo Lao Shi, aquele já era um título que apenas os mais sábios possuíam.
— Infelizmente não, desculpa — falou Lothus em um tom melancólico. — Mas… podemos falar a sós?
— Vejo que minha presença aqui já é desnecessária — disse Lao Shi deixando o local. Eles ainda estavam dentro da masmorra de alto nível, pois Inari continuava a tratar vários orcs e garotas artificiais feridos na batalha contra o Arquiduque.
Lothus teve apenas alguns ferimentos leves, então dispensou o tratamento da deusa-raposa. Kurone ficou impressionado ao ver aquela mulher que só pensava em perversão sendo tão útil, ele realmente julgava as pessoas de maneira errada, assim como julgou que Lao Shi era alguém confiável.
— O que você quer conversar? — perguntou o garoto.
— Eu não sei o que o senhor pretende fazer agora, mas eu pretendo seguir para uma vila chamada Hyze, é um local que meu irmão mandou eu ir, se algo acontecesse com ele. As pessoas de lá tem uma dívida com o Asmodeus.
Naquele momento, Kurone poderia apenas ignorar a promessa que fez para o Arquiduque, pois Lothus pretendia ir para a tal floresta Hyze de qualquer maneira, mas ele sabia que ela não conseguiria chegar lá, pois seu conhecimento agora era alvo de um ser insano como Mamon von Faucher.
A menina seria caçada como um coelho pela Duquesa.
Mas, acima de tudo, o jovem acompanharia a demônia porque jurou ao irmão dela que a levaria para Hyze.
— Muitos não sabem, — continuou Lothus — mas a grande floresta de Hyze tem esse nome por conta de uma pessoa importante, um xamã elfa com o mesmo nome. Todos pensam que são apenas lendas, mas eu e meu irmão estivemos na vila da xamã Hyze.
— Uma vila de elfos?
Em um dos livros que Kurone leu da biblioteca de Lou Xhien, havia um fato que o deixou horrorizado: os elfos foram caçados e mortos ao longo dos anos.
No tempo atual, o máximo que restou desse antigo povo foram os descendentes de famílias em que os antepassados tiveram filhos com elfos e algumas construções antigas.
Foi ali que Kurone entendeu tudo: a vila citada por Lothus era algo secreto, por isso ela pediu para que Lao Shi saísse dali, e também foi por isso que Asmodeus pediu para ela se abrigar lá. Provavelmente a menina estaria segura em um local que ninguém sabia da existência.
— A xamã disse que está viva desde a Era dos Deuses e aprendeu sobre tudo que existe neste mundo, inclusive eu aprendi muita coisa com ela que nenhuma outra pessoa saberia. Se há uma pessoa que pode resolver seu problema, essa pessoa é a xamã Hyze.
Os olhos do garoto focaram na direção do seu peito, o Sigilo de Azrael estava se espalhando lentamente pela sua pele, como raízes de uma árvore.
Mas de qualquer forma, ele iria levar Lothus para Hyze, nem que aquilo lhe custasse muito do seu tempo precioso.
Se o garoto percebesse que não teria jeito de ser salvo, ele focaria em buscar o Seol de Annie para que, pelo menos, ela ficasse bem quando sua existência fosse consumida pelo Vassalo da Morte.
Porém, uma chama de esperança acendeu-se em seu peito naquele momento.
— Tudo bem, se a tal xamã não conseguir me ajudar, então acho que eu tô condenado mesmo.
— Você devia ser mais otimista, senhor Kurone — falou Lothus com um sorriso satisfeito, talvez ela tivesse ficado feliz com a notícia de que não precisaria ir até a floresta de Hyze sozinha.
Ver aquela expressão de alegria fez o coração de Kurone doer, pois aquilo lembrou-lhe do rosto sorridente de Lou Xhien Li, e sempre que lembrava da princesa das garotas artificiais, o garoto sentia uma raiva crescente de Lao Shi.
***
Assim que terminaram de conversar, o jovem seguiu na direção da Besta Divina deitada no canto do grande templo de pedra ao estilo asteca. Kumiho, em sua forma de raposa branca com dez metros, assistia à sua mestra curando os diversos feridos da batalha.
— Não pensei que Inari fosse uma pessoa tão boa — falou Kurone de repente, chamando a atenção da criatura.
— Você, humano, não sabe nada sobre a minha mestra — respondeu a raposa, em um tom frio, ela ainda não gostava o jovem. — Poderia não chegar tão perto? Sua aura demoníaca não faz bem à minha aura divina.
— Foi mal aí. Mas, escuta, tem um negócio que eu queria falar contigo…
— O que é? Não parece ser coisa muito boa.
Kurone suspirou antes de falar:
— Olha, não sei se vou ficar vivo por muito tempo.
— E isso é ruim? Eu farei uma festa no seu funeral.
— Bem, tirando o fato que sua mestra pode morrer se eu for consumido pelas trevas, não é tão ruim. Mas eu não quero deixar a Inari morrer se o Vassalo conseguir vencer, então eu queria que você cumprisse sua missão inicial.
— Hã? Vai me deixar procurar pelo Seol da mestra?
— Sim, eu vou conversar com o Lao Shi pra ele te liberar. Eu ia deixar a Inari ir também, mas ela não pode sair de perto de mim por causa do semi-pacto — o jovem falou apontando para o torque em seu pescoço. — E aí, o que me diz?
— Não é uma má ideia. Sei que você é um humano patético, nojento, pervertido e repugnante… mas também sei que você não é fraco, então peço apenas para que proteja a mestra enquanto eu estiver fora.
Novamente estavam confiando algo precioso a ele, será que passava tanta confiança assim e não conseguia perceber?
No entanto, Kurone afirmou com a cabeça, ele jurou que, nem que perdesse sua vida, salvaria aqueles que estavam ao seu redor.
O jovem fez um último cumprimento para a Besta Divina e seguiu na direção de uma das pessoas que mais postergava o encontro.
Ele estava preparando-se psicologicamente para encará-la após tudo o que aconteceu.
A sacerdotisa estava sentada logo abaixo de uma árvore, pensativa. Ao avistar o garoto, ela não disse nada ou fez qualquer movimento, indicando que ele poderia se aproximar. Devagar, Kurone andou até ali.
— Como você está? — perguntou Lou Souen Eiai, quando o garoto ficou ainda mais próximo.
— Acho que posso dizer que tô melhor que você — respondeu o jovem olhando para a cintura da garota, onde uma bandagem estancava o sangramento.
Apesar do ferimento grave causado pela Duquesa do Inferno, Lou Souen disse que só queria ser tratada quando todas as garotas artificiais estivessem curadas, ela aceitou apenas um curativo improvisado para não morrer de hemorragia.
Kurone passou por ela e também recostou-se na árvore, ficando do lado oposto da garota, encarando a floresta tomada pela densa neblina à frente.
— Tem algo que preciso de falar antes de eu partir.
A sacerdotisa não respondeu, então o garoto continuou:
— Foi algo que a Lou Xhien pediu para te falar… — Ele pensou bem nas palavras seguintes, pois agora tinha ciência de que aquela garota artificial tinha sentimentos como qualquer humano que ele conhecia. — Escuta com atenção, tá?... Como eu começo… Ah, sim, era uma vez um cara chamado Lou Xhien Xhian que, apesar de ter tudo, ele se apaixonou por uma garota artificial…
Kurone não via o rosto de Lou Souen por estarem um de costas para o outro, mas podia imaginar quais seriam suas reações pelos suspiros de surpresa e outros sons que ela fazia.
Lentamente, o jovem contou toda a história da origem daquela garota artificial por meio da sua "história infantil".
Mas Lou Souen era inteligente e já devia estar pensando em algo como aquilo, afinal apenas pessoas com sangue Sophiette podiam tocar no Orbe Amarelo, e a garota estava dando sua força para ajudar no refinamento da mana dele.
No final da história, tudo que o jovem escutou foi o choro da garota artificial.
Ela mais do que ninguém amava a sua princesa, Lou Xhien sabia disso, por isso não contou a verdade para ela naquele momento, pois sabia que Lou Souen pensaria em se sacrificar ficando para trás.
— Ela era uma pessoa boa, apesar de sempre tentar esconder isso — comentou Kurone, ficando de pé. — Acho que isso aqui é seu. — Ele puxou dois objetos da sua cintura, chamando a atenção de Lou Souen. — A Inari conseguiu pegar isso do corpo da Lou Xhien.
Eram o anel dourado que Kurone deu à menina como presente de aniversário e a espada curta de Lou Xhien Xhian, a princesa das garotas artificiais carregava isso quando foi morta.
Lou Souen pegou a wakizashi com as mãos trêmulas, mas balançou a cabeça de maneira negativa para o anel. — Você fica com o anel, assim nós dois teremos lembranças dela.
Kurone assentiu pondo o objeto no dedo, sentia como se o seu peito fosse explodir de tristeza, mas conseguia suportar aquilo ao lembrar que havia outras pessoas boas ao seu lado que lhe davam suporte, como Lou Souen, Annie e até mesmo Inari, alguém que ele jamais viu como um aliado.
— Quando você vai partir? — perguntou Lou Souen, de repente.
— Amanhã… não tenho muito tempo — respondeu olhando para a tatuagem por baixo da sua camisa branca rasgada. — O Lao Shi vai contatar a galera da capital daqui a pouco com o Alley, então eles vão chegar cedo amanhã.
— Entendo… — Lou Souen olhou pensativa para o céu, uma expressão de dor era vista no seu rosto devido à ferida na região da cintura. — Você me prometeria uma coisa?
Mais promessas? Kurone estava ficando realmente assustado com aquilo, mas decidiu fazer que sim com a cabeça.
— Promete vir me visitar quando se livrar do Vassalo?
— Cla-claro! — O jovem ficou surpreso com a confiança de Lou Souen que ele se livraria daquele ser demoníaco tentando tomar o seu corpo.
— Sei que pode demorar, mas quando nos reencontrarmos, seja em um ano, três ou cinco, você verá que honrarei a memória da Lou Xhien, minha irmã, e me tornarei uma verdadeira líder das garotas artificiais.
— Eu prometo também que vou tá mais forte quando a gente se reencontrar, só não esquece de preparar uma xícara de Camélia pra mim, ok?
Lou Souen ficou surpresa ao ver o jovem apontando o punho para ela, mas após a explicação dele de que era para “tocar aqui”, a garota artificial estendeu o seu punho lentamente e tocou no dele.
A tensão aliviou um pouco e ambos deram um sorriso discreto.