Volume 3
Capítulo 176: Consequências Da Verdade
Sentiu a consciência voltando lentamente, mas… ainda valia a pena viver naquele mundo?
Era simplesmente mais fácil desistir de tudo, não?
Mas não era assim para Kurone.
Ele fez promessas que ainda precisava cumprir. O Seol de Annie ainda estava perdido pelo mundo, Rory o aguardava nas terras de Sophiette e prometeu a Asmodeus que levaria Lothus à floresta de Hyze.
Falhou em proteger Lou Xhien Li, mas isso foi culpa de um membro do Conselho do Inferno, no entanto dessa vez isso não ficaria assim, Kurone mataria Mamon von Faucher.
Diferente da última vez, naquele momento ele estava decidido a fazer isso, e mataria Belphegor se o encontrasse no caminho.
Azazel van Elsie era a próxima da lista, ele tinha ciência que atualmente era fraco, mas sabia que se esforçasse, nem que demorasse dez ou vinte anos, mataria aqueles que fizeram pessoas importantes sofrerem, e se outros membros do Conselho aparecessem em seu caminho, eliminaria-os sem hesitação — e com prazer.
Ao abrir os olhos, Kurone viu um céu estranho.
Apesar de levantar o corpo com violência, não sentiu nenhuma dor no tronco. Ao se analisar, o jovem notou que apenas as roupas costuradas à mão por Lou Xhien estavam danificadas.
As feridas desapareceram, não sentiu mais a dor dos ossos quebrados e o cabeça parou de doer.
“Que diabos tá acontecendo?” Kurone beliscou a própria bochecha para verificar se ainda estava vivo.
Sim, aquilo tudo era real, seu corpo destruído na batalha foi totalmente recuperado, como se tudo o que aconteceu não significasse nada.
Ao olhar o cenário à sua frente, finalmente entendeu onde estava, era um local que visitara há um tempo, o mesmo local que conheceu a deusa com orelhas de raposa: estava na masmorra de alto nível.
Direcionando seu olhar para a direção da construção que lembrava os grandes templos astecas de pedra, avistou a deusa de corpo obsceno. Ela acariciava a grande Besta Divina de dez metros.
O garoto não era próximo de Kumiho, mas sentiu um pequeno alívio no peito ao constatar que a grande raposa ainda estava viva, mesmo após ter enfrentado a Duquesa Mamon.
Corpo recuperado, masmorra de alto nível e Inari, as peças encaixaram-se e o jovem entendeu o que acontecera A deusa dissera-lhe que só tinha o poder de curar grandes ferimentos dentro do seu Domínio, que se estendia àquela masmorra.
— Darling, que bom ver que você acordou! — gritou Inari ao ver o garoto de pé.
Mas Kurone ignorou as palavras dela e focou no cenário à sua volta.
Ele viu muitos corpos de orcs e garotas artificiais deitados no chão. Finalmente, ao analisar todo o local completamente, viu um grupo um pouco distante dali, a grande figura de Baltazhar chamava atenção de longe.
Entre as pessoas daquele grupo, estava a garota de cabelos loiros, kosode branco e hakama vermelho, Hime, e bem ao lado dela encontrava-se Lao Shi, com seu rosto calmo habitual, apesar de não sorrir enquanto tomava uma xícara de Camélia.
Uma fúria tomou conta do corpo de Kurone e ele moveu-se em direção ao grupo que ainda não havia notado sua aproximação.
Seus olhos tinham apenas um foco ali.
Ao notar da intenção do garoto, Inari gritou, chamando a atenção do grupo que logo percebeu o jovem.
Hime caminhou em direção ao garoto emanando intenção assassina enquanto gesticulava para que Baltazhar protegesse Lao Shi, mas nem o grande orc obedeceu ou o Arquifeiticeiro fez sinal de se mover.
— Kurone, você deve estar irritado, mas ouça… — Hime falou ao longe, mas as palavras dela foram completamente ignoradas pelo jovem.
Kurone mantinha seus olhos afiados fixos na figura do Arquifeiticeiro.
Sua fisionomia indicava que ele poderia disparar a qualquer momento e avançar no homem. Ao ficar próximo da mulher de cabelos dourados, ele materializou a sua escopeta de canos cerrados.
— Para, Kurone, isso é idiotice, tudo já acabou! — gritou Hime, ficando logo à frente do garoto.
— Saia da frente.
— Só quando você se acalmar…
Antes que a mulher pudesse falar mais uma palavra, o garoto moveu os seus pés e a derrubou com uma rasteira rápida, quase imperceptível aos olhos dos outros.
Hime foi ao chão sem tempo para amortecer a queda e bateu o rosto contra a terra dura de jeito.
Quem estava ao lado de Lao Shi eram Baltazhar, Bhor, Bramman e Ayshla. Quando o Arquifeiticeiro fez menção de mover-se, os orcs o cercaram de maneira que ele não tivesse nenhuma brecha para escapar.
Claro que o homem poderia matá-los sem esforço, mas, apesar de ser uma monstruosidade, ele ainda tinha o mínimo de princípio para não matar companheiros de batalha… Não, certamente devia haver outro motivo.
A raiva do jovem só aumentou ainda mais quando ele não viu Berthran ali. O orc de tapa-olho ficou responsável por ajudar na batalha do mar, se ele não estava ali, então as probabilidades de ele ter morrido afogado eram altas.
— Vejo que já está bem, meu caro.
Pow! Kurone levantou a arma e atirou contra o Arquifeiticeiro.
O chumbo foi facilmente repelido por uma barreira erguida às pressas. Vendo que o homem já podia usar sua magia novamente, o jovem ficou cauteloso e manteve-se distante.
— Não vem com essa porra de “meu caro”, filho da puta covarde! O que diabos você tinha na cabeça!? Por que você fugiu?!
— A princípio, — começou Lao Shi em seu tom calmo, sem ficar abalado com o fato que o garoto à frente atirou contra ele — eu não fugi da minha obrigação. Minha tarefa era eliminar o Arquiduque do Inferno, não fazia sentido arriscar minha vida com um demônio que não era meu alvo.
— Por que você fala como se tivesse matado o Asmodeus?!
— Porque teoricamente eu devia ter matado ele. A Duquesa disse que, se o matasse, eu estaria livre, então dei alguns ataques, só não imaginei que ele sobreviveria para você ter a chance de roubar meus créditos.
Pow! Kurone fez o Arquifeiticeiro se calar com outro tiro.
O quão desprezível podia ser aquele homem? Como ele podia manter aquela expressão calma mesmo após tudo o que aconteceu?
— Não queira me culpar por sua falha em proteger a senhorita Lou Xhien, meu caro, a culpa foi toda sua, cada um de nós tinha uma missão, que isso fique bem claro.
— Cala a porra dessa boca, covarde! “Meu caro” é as minhas bolas! Você só correu porque tava com medo! Você com certeza acertou o Asmodeus pelas costas, aposto que não foi nem um pedido da Duquesa, você fez isso e negociou com ela a sua fuga!
— Parece que está começando a usar os seus neurônios, meu caro…
Pow!
Todos os tiros inúteis eram repelidos pela pequena barreira envolta do homem.
Cada vez mais Kurone ganhava uma expressão sombria em seu rosto enquanto Lao Shi mantinha a sua imutável, estava claro ali quem tinha tudo sob controle.
— Então, apenas se acalme, meu caro, você está vivo, tivemos menos baixas que esperávamos e, além de matarmos o Arquiduque do Inferno, recuperamos as ilhas Lou Xhien, não é algo bom?
No exterior, parecia que Kurone não estava tão abalado com os últimos acontecimentos, mas seu interior estava caótico, era como se tudo dentro dele estivesse sendo destruído.
Sua real vontade era rugir, rasgar, atirar, destruir, dilacerar, explodir e arrastar a cabeça de Lao Shi pelo chão, mas tentava se controlar pelo bem de Annie.
A deusa já estava arrasada o suficiente, não precisava sofrer mais, no entanto quando assim pensou, escutou uma voz sombria vindo do interior da sua mente.
[Mate esse covarde.]
Todo o corpo de Kurone tremeu.
Havia fúria naquela voz depressiva, aquele tom era o de alguém que via a coisa mais odiosa do mundo à sua frente, poderia ser aquela a mesma Annie que chorava tanto há algumas horas? A deusa benevolente?
[Mate ele.]
“Calma, Nie, você tá me assustando.”
— Eu notificarei ao meu irmão para que possamos prosseguir com o nosso antigo plano, meu caro “Loright al Mare”. Você precisará seguir em direção a Dart o mais rápido possível…
— Para de ser cínico. Eu não vou fazer isso, Lao Shi. É aqui aonde nossa parceria acaba, não quero ficar ao lado de um covarde como você!
— Hã? E o que fará, então? Não me diga que planeja voltar para as terras da marquesa Sophiette? Deseja buscar um remédio para o seu coração destruído com a menina que você chama de Rory? Acha que estará melhor quando estiver nos braços da sua garotinha?
— Lao, não… não diga coisas que possa se arrepender! — gritou Hime, havia sangue escorrendo pelo nariz da mulher devido à queda, mas ela nem se importou em limpar e focou no aviso.
— Sim, e se for isso, hein?! — respondeu Kurone com uma encarada furiosa. — É da sua conta que eu vá atrás dos meus amigos de verdade? Daqueles que não tentam me deixar para trás quando as coisas complicam?
Lao Shi riu.
Aquele sorriso provocou calafrios no corpo do jovem e a voz sombria de Annie ecoou mais uma vez dizendo “mate ele”.
— Meu caro… — o Arquifeiticeiro começou lentamente.
— Lao, não! Ele não vai suportar se você disser isso! — Hime gritou.
— … A Reencarnação de Astarte morreu em Eragon, ou melhor, cometeu suicídio, logo após a sua patética e inútil morte pelas mãos de Azazel van Elsie — o homem finalizou com um sorriso.
Talvez ele esperasse um berro de Kurone ou outro tiro em resposta à provocação.
No entanto, o que aconteceu nem ele poderia prever.
Em instantes, o mundo foi envolto por trevas, toda e qualquer luz desapareceu, sendo consumia por labaredas roxas e um som macabro invadiu todo o lugar.
— A Luminus… morreu de novo? — falou alguém que poderia ser qualquer coisa, menos Kurone, apesar de estar no corpo dele.
Uma energia escura e demoníaca começou a emanar do garoto.
— O quê?... Não é possível… O Vassalo da Morte estava escondido neste corpo?! — balbuciou Lao Shi, era a primeira vez que ele mostrava uma expressão de medo genuíno.
Medo, não, ele estava horrorizado, como uma criança encarando o seu pior pesadelo.