Raifurori Brasileira

Autor(a): NekoYasha


Volume 3

Capítulo 175: Destruído

Névoa e chuva forte competiam por um espaço no cenário escuro. 

Kurone sentiu vontade de gritar em fúria. 

Por quê? Por que ela não desistia? 

Mas não podia ficar apenas se lamentando por ser alcançado pela demônia, ele segurou a mão de Lou Xhien e preparou-se para fugir com ela. 

A princesa das garotas artificiais era o seu único motivo de estar ali, sua prioridade era a segurança dela.

Lutar estava fora de cogitação, nem o Arquiduque do Inferno ou a Besta Divina conseguiram matar a Duquesa, ele seria morto em dois segundos, e o pior, a princesa das garotas artificias também.

“Nie, atenção máxima!”

[Sim!]

O campo de visão estava turvo e a mente dele tinha pequenos apagões devido aos efeitos de usar a Análise Avançada recentemente. A impressão de que tinha sangue vazando no interior da sua cabeça aumentou ainda mais.

— Se prepara, Lou Xhien, nós vamos correr como nunca corremos antes…

Mas antes de terminar de falar, um zunido ecoou pelo ar, o som mortal era conhecido pelo garoto. 

Kurone apenas piscou quando escutou um barulho doentio ecoando ao seu lado.

A cena passou-se devagar, como se tivesse em câmera lenta. 

Ele viu em detalhes uma lâmina formada pelo vento de aspecto rosa tocando a carne de Lou Xhien e a dilacerando.

Sem piedade, a magia de vento arrastou-se pela região do pescoço da garotinha, separando a cabeça do resto do corpo. 

A cabeça de Lou Xhien flutuou entre as gotas de chuva, com uma expressão de terror cravada no rosto e os olhos arregalados.

Kurone ainda segurava a mão fina da menina quando o corpo sem o membro superior foi ao chão. Ele sentiu o corpo sendo puxado e soltou a mão. 

Seu corpo tremeu e os olhos não desviaram sequer uma vez da cabeça caindo em câmera lenta entre as gotas de chuva.

Devido à proximidade, gotículas de sangue do local cortado pela lâmina de vento respingaram no rosto assustado do garoto. 

A cabeça tocou o chão, caindo em uma poça de lama bem ao lado das botas do jovem, houve um estalo como uma melancia rachando e, por um momento, Kurone sentiu todo o seu corpo arrepiando-se. 

Inconscientemente, ele moveu o corpo paralisado e caiu no chão, sentado. Devagar, sangue começou a vazar pela boca, nariz e olhos da cabeça da menina. 

Os cabelos rosas sujaram-se com a lama.

O corpo logo ao lado teve alguns espasmos antes de cessar completamente os movimentos. 

O jovem ainda não conseguia processar aquilo. Era impossível, ele se esforçou muito, muito, muito meso! Então, por que Lou Xhien estava naquele estado… no chão? Morta? Decapitada? 

Diferente de Asmodeus, ela não teve um fim digno, não conseguiu se despedir de ninguém ou dizer suas últimas palavras. 

Aquilo era pior que a morte de um monstro.

Ele encarou aquela cena por pelo menos dez minutos, tentando fugir da realidade, mas não tinha mais o que fazer, não tinha nem sequer a Síndrome do Pensamento Acelerado mais, que o tirava do mundo real. 

O garoto ficou de joelhos em frente à cabeça decepada de Lou Xhien e, pondo as mãos sobre os cabelos negros com mechas brancas, começou a puxá-los como um louco.

Tentou falar o nome da menina com os seus lábios trêmulos, mas nenhum som saía de lá. Lágrimas brotaram das extremidades dos olhos e a força que puxava as mechas de cabelo aumentou.

Aquilo não era uma ilusão da Duquesa para fazê-lo sofrer? O cérebro buscava desculpas para desacreditar naquilo que os olhos presenciavam, mas a chuva fria tocando suas feridas lhe lembrava dolorosamente que aquilo era a realidade, a realidade que tanto o odiava e o fazia sofrer.  

Hesitante, tocou a cabeça suja pela lama e sangue no chão, era leve, parecia qualquer coisa, menos um membro humano. 

Os olhos da menina, vazando sangue, ainda estavam arregalados, isso somado à boca aberta demonstravam que a princesa das garotas artificiais teve uma morte dolorosa e cruel.

O jovem permanecia em silêncio em meio à chuva forte, nem mesmo o choro conseguiu ser expelido, ele sofria internamente, quem o visse daquela maneira diria que o garoto era alguém tão sem emoções quanto Lou Souen, mas o caso era que, assim como o mundo não suportava a presença divina de Annie, ele também não suportava a tristeza, ódio e autodepreciação de Kurone.

[Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!]

O grito intenso de Annie fez o jovem socar o chão em fúria, a deusa gritou forte o suficiente para aquilo ser capaz de cortar as cordas vocais dela. 

Finalmente, ao escutar aquele rugido, o garoto também externalizou o seu berro.

Ele gritou em um único fôlego que durou três minutos enquanto apertava a cabeça em mãos contra o seu peito. 

Em sua mente, pensava que, se gritasse até explodir as suas cordas vocais, pudesse trazer Lou Xhien Li de volta.

Por que ela? 

A menina já não tinha carregado fardos suficientes? 

Ela viveu sofrendo e suportando a dor, lutou como alguns dos guerreiros mais fortes não poderiam lutar, mas teve a vida ceifada de uma maneira tão vil, tão patética, tudo apenas por conta da birra de uma monstruosidade. 

O que havia de errado naquele mundo? 

Não seria melhor se tudo fosse destruído se os bons morriam e os maus sempre se divertiam com o sofrimento alheio?!

Mesmo quando Teruhashi tirou a própria vida, no Japão, Kurone pôde ver um sorriso de satisfação em seu rosto, a sua irmã mais velha morreu feliz por ter preservado sua honra. 

Ele teve a chance de conversar com Luna antes dela morrer, viu que Flugel também partiu sem arrependimentos, mas Lou Xhien Li não teve nada disso. 

Seu fim foi injusto.

Em um instante, eles estavam felizes por finalmente estarem deixando aquele lugar e, em um piscar de olhos, Kurone viu a cabeça dela, com uma expressão de horror e, talvez, sem entender o que aconteceu, voando pelo ar chuvoso e repleto de névoa.

Annie continuava chorando, mas o garoto ficou em silêncio após o seu grito. 

Ele sentia a garganta queimar, como se tivesse uma ferida nela, mas aquela era a menor dor do seu corpo. 

Tudo fora destruído, o corpo, a alma e o coração. 

O trabalho de Annie, de reconstruí-lo psicologicamente, foi perdido.

E apesar de todo aquele esforço, nem mesmo o Orbe Amarelo eles conseguiram consertar. 

A energia não refinada do objeto começou a se misturar, o garoto sentiu, dali, o aglomerado de poder vindo daquele lugar, sabia que precisava fugir, mas não ousou se mover, não queria sair de perto do corpo de Lou Xhien.

Annie não fez nenhum aviso sobre o perigo de continuar naquele local, a deusa simplesmente chorou como um recém-nascido, mas com gritos violentos que destruiriam sua garganta delicada a qualquer momento.

Não demorou para a energia do Orbe Amarelo começar a expandir-se. 

Kurone moveu-se apenas para deitar no chão, com as costas na lama e o rosto virado para as grandes nuvens negras no céu, e apertar ainda mais a cabeça de Lou Xhien contra o seu peito.

O zumbido no seu ouvido aumentou, ele escutava as gotas de chuva longe, o corpo cansado, com feridas profundas e repleto de ossos quebrados, parecia que afundava na sala misturada ao sangue, na verdade ele imergiu em toda a tristeza e desespero… pois Annie desistiu de tentar contar as emoções ruins.

A explosão do Orbe Amarelos também pareceu algo distante, apesar de estar tão próximo. 

A grande esfera expeliu um anel de energia ao redor de toda a ilha, alguns destroços foram reduzidos a cinzas e outros simplesmente jogados pelo ar.

Kurone foi arremessado, mas não fez nenhum movimento para resistir, sua única ação foi mover o braço para ter certeza que não deixaria a cabeça de Lou Xhien cair.

Enquanto flutuava, ele via o mundo lentamente tornando-se cinza. Sua expressão tornou-se neutra e, apesar de aproximar-se do chão a uma velocidade perigosa, apesar da chance de ter a cabeça estourada ao bater contra o concreto esburacado, não se moveu.

Ele caiu no chão com violência, mas por sorte impactou contra o tronco de uma árvore derrubada pela explosão. Sentiu um estalo seco em todo o corpo e líquido escorrendo por trás da sua cabeça, mas não ligou, a dor era tamanho que ele nem sabia em qual lugar se concentrar.

Poderia simplesmente morrer ali, escutando o choro de Annie, em meio à chuva, afogado na depressão, amaldiçoando-se, mas o mundo decidiu que ainda não havia lhe castigado o suficiente.

A neblina o cercou, embora ele não pudesse notar totalmente, afinal um dos seus olhos ficou escuro devido às pancadas na cabeça. 

A audição quase não funcionava, como se tivesse algo dentro do seu ouvido médio, mas podia supor que a água da chuva estava criando uma pequena lagoa ali que o mataria afogado em breve.

O olho bom captou a figura da criatura mais diabólica que conheceu em toda a sua vida: Mamon von Faucher. 

A menina não tinha nenhum arranhão e o vestido preto tinha poucos rasgos, mas como estava molhado, destacava todo o corpo magro e nada desenvolvido por baixo dele.

Um sorriso adornava o rosto da demônia. 

Ela tentava segurar a risada, mas não conseguia e gargalhava como uma criança em um circo, vendo a atração mais engraçada do local.

Um sentimento forte tomou conta de todo o corpo destruído de Kurone. 

Não, não era medo, ele tinha medo quando precisava fugir antes que Lou Xhien se machucasse, aquilo que corroía toda a sua alma era uma genuína fúria, um ódio voltado contra aquele ser. 

Mesmo naquele estado, sua vontade assassina pairou pelo ar. 

Haha! Olha só o nosso herói! Que pena, você não consegue mais lutar! Eu amei ver como a expressão sua e do Deus ficou tão diferente se comparada àquelas do começo da batalha! — ela gritou chutando o garoto, suas gargalhadas sádicas e insanas aumentaram conforme chutava aquele corpo. 

Enfim, a menina parou com a perna sobre a testa dele. — Veja só, está vendo a roupa íntima de uma garota, não é uma última visão ruim, é? Você está vendo o céu antes de ser mandado para o inferno por mim!

Mamon ficou muito irritada ao notar que o olhar do garoto não estava fixo nela, mas sim na cabeça humana que segurava com tanta força, como se fosse um tesouro precioso. 

A demônia não precisou fazer força para tirar aquilo das mãos do jovem e arremessar. Ele estendeu as mãos tentando recuperar, mas foi inútil.

Kurone não gritou apesar da sua aura assassina aumentar. Ele nem sequer se moveu, apenas esperava o golpe de misericórdia da demônia, porém parecia nunca vir.

— O que tá esperando para me matar?... — ele murmurou em uma voz quase inaudível por conta do barulho da chuva.

Hmmm… Matar? Por que eu faria isso? Te matar seria te livrar do sofrimento! — ela gritou dando três chutes seguidos nas costelas do jovem. — Eu quero que você viva! Haha! Você viverá eternamente pensando em mim! Quando for dormir, quando acordar, na hora de comer ou de ir ao banheiro, em qualquer momento se lembrará do meu rosto adorável!! 

Finalmente, Kurone chegou ao seu limite e berrou:

— Eu quero que você me mate agora! Não aguento, me mate!

— Quem você acha que é para me dar ordens?! — ela perguntou irritada, dando chutes no rosto do jovem. — O que vai acontecer se eu não obedecer? Eu já fiz tudo o que queria, não há nada mais que um verme como você possa fazer além de ser grato por eu deixá-lo vivo para lembrar de como eu o agraciei com meus chutes e a visão da minha calcinha!

— Eu juro…

— Hã? Fala mais alto, eu não ouvi! — Dessa vez, o golpe dela quebrou uma das pernas do jovem e um grito pôde ser ouvido.

Argh… Eu juro…. Eu juro, se você não me matar… eu não vou deixar ninguém desse mundo vivo!!

Hahaha! Quer dizer que vai matar os membros do Conselho também?! Você só conseguiu o crédito da morte do Deus porque eu pensei que tinha matado ele e não finalizei!

Cada palavra dela era seguida de um golpe com a perna fina, mas dolorosa.

— Eu vou matar todos!!! — Um pulso estranho tomou o local por alguns instantes, como se algo tivesse explodido dentro do jovem.

Após o berro furioso, Mamon levou um pequeno susto e deu um chute na face dele, fazendo a cabeça girar com um pequeno estalo. 

Por um segundo, ela pensou ter quebrado o pescoço do jovem, mas ele ainda parecia estar vivo. 

Ela parecia impressionada com a resistência dele.

— Você fez meu humor azedar, não quero mais brincar aqui — ela murmurou em tom de sério antes de ser coberta pela neblina. — Eu estarei lhe aguardando, futuro Arquiduque do Inferno, isso é, se você sobreviver… Você virá de joelhos, implorando para eu lhe educar, como um bom cachorro, quando nos encontrarmos novamente. — Lentamente, a figura da menina desapareceu.

O corpo de Kurone começou a ser coberto pela água da chuva. 

Poder-se-ia dizer que Kurone Nakano estava morto, pois, se ele realmente acordasse, jamais seria o mesmo jovem de antes.



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