Volume 3
Capítulo 155: O Milagre De Lao Shi
Após o jantar delicioso, Kurone e o seu grupo desceram para o porão do templo principal.
Aquela era uma das raras vezes em que todas aquelas pessoas singulares juntavam-se para uma reunião — se desconsiderasse a ausência de Lou Souen, que atualmente encontrava-se na ilha central, Lou Xhien Pi’yan.
Uma pequena tensão era visível no rosto de todos, pois o tão aguardado momento estava próximo, aquela seria a noite em que criariam o plano para derrotar o Arquiduque do Inferno.
Lou Xhien, enquanto descia as escadas para o interior do porão, segurou a mão do jovem nervoso. Ambos estavam hesitantes, mas um passava força para o outro.
Enfim, após uma caminhada de cinco minutos, chegaram à sala de reuniões do cômodo, onde cada um assentou-se ao redor da velha mesa de madeira. O lugar ficou com um aspecto mais amigável após ser limpo por Lou Xhien, mas muitos papéis ainda estavam espalhados pelo local.
Lao Shi sentou-se entre Kurone e Hime. Os cinco guerreiros orcs tomaram a posição oposta, sendo que Berthran ficou de frente para o Arquifeiticeiro.
Ao lado de Kurone, estava Lou Xhien e, apoiando os seios na cabeça do jovem, encontrava-se Inari. O tamanho anormal dela, de mais de dois metros e dez, permitia que ela acomodasse os seios na cabeça do garoto sem problemas.
Kumiho, a Besta Divina da deusa, sentava-se em seu ombro, analisando todo o cenário.
A reunião começou após Alley pairar pela mesa e pousar no ombro do seu mestre.
Eles pensaram em chamar Lou Souen, via “conchafone”, para a reunião, mas decidiram desistir da ideia ao julgarem que era muito perigoso, afinal aquela seria uma longa e demorada discussão.
— Esta poderá ser nossa uma reunião antes do ataque ao Arquiduque do Inferno, — começou Lao Shi — ou a última das nossas vidas, tudo dependerá do resultado.
Sua piada conseguiu arrancar alguns sorrisos sem graça, mas era aterrorizante pensar que não era apenas uma brincadeira, Asmodeus di Laplace era um perigo real. O próprio Kurone sabia por experiência que era difícil sair de uma batalha sem baixas no exército.
— Qual o plano que temos até o momento? — perguntou Berthran em um tom sério. Sua voz grave e um pouco rouca ecoava pela sala de portas trancadas como se ele usasse um microfone.
— Nada definitivo, — respondeu o Arquifeiticeiro — apenas algumas pré-definições. Algo a se notar é que tanto eu quanto a senhorita Inari não poderemos nos envolver diretamente na batalha, no meu caso, eu até gostaria, mas ficarei limitado após todo o suporte inicial.
— Você disse que só tá vivo até hoje por ter se mantido escondido, não foi? Então vai ser até bom não se envolver diretamente — comentou Kurone.
Em uma conversa, Lao Shi explicara que demônios como Azazel van Elsie caçavam impiedosamente humanos dotados para evitar que estes ascendessem à posição de deus quando se tornassem mais fortes.
Aquele homem era uma rara exceção de um homem de força extraordinária, se ele fosse um guerreiro conhecido, não estaria mais vivo.
Envolver-se diretamente com o Conselho era uma péssima ideia para ele.
— Não podemos também dar os holofotes ao Kurone — apontou Hime. — Ele acabará se tornando alvo e sendo morto pela Presidenta do Inferno novamente.
Não sabia o motivo, mas sentia que havia algo mais que aquela mulher não queria falar. A princípio, era muito estranho como ela estava tão relutante em fazer do jovem a peça principal da batalha, pois ele levaria o crédito de matar o Arquiduque.
— E o que a senhorita sugere, então? — questionou o Arquifeiticeiro com interesse, ele também concordava que seria problemático para o jovem ser alvo dos demônios após o fim de tudo.
— Não precisamos abrir mão do Kurone em batalha, apenas do nome dele na hora dos créditos finais — explicou a mulher de cabelos loiros. — O que estou dizendo é que vamos dar um nome falso ao Kurone, afinal ele não vai poder andar por aí alegando ser o cara que morreu na batalha de Eragon.
Hime olhou para todos ao redor da mesa e se contentou ao ver que eles faziam um movimento afirmativo com a cabeça, até o próprio jovem concordou com a sua sugestão. Ela suspirou aliviada e acomodou-se novamente em sua cadeira, passando a palavra mais uma vez para Lao Shi:
— Tendo resolvido este problema, precisamos discutir a respeito de senhorita Lou Souen, ela estará em risco quando a batalha tiver início.
— Deixa ela comigo — respondeu Lou Xhien rapidamente.
Kurone apenas olhou para ela com um pouco de preocupação, ele sabia que a menina não o escutaria por mais que dissesse que aquilo seria uma missão perigosa. Mas, desde a luta contra Kumiho na masmorra, aprendeu a não subestimar aquela garotinha.
— Então, fica a cargo de senhorita Lou Xhien o resgate de senhorita Lou Souen.
— Eu gostaria de ajudar também.
Todos olharam assombrados para a figura que adentrou o porão de repente, o coração de Kurone disparou ao ver aquela garota, mas logo lembrou-se que não era quem ele esperava.
Era a garota artificial que prenderam para que Lou Souen pudesse se infiltrar na ilha principal, ela esteve presa nos últimos dias no templo de meditação, como conseguiu escapar?
— Não precisam ficar tão assustados, eu a libertei — falou Hime. — Ela está livre do controle mental, aparentemente elas não podem ficar longe do Arquiduque por muito tempo.
Ouviu-se um grande suspiro em conjunto quando tiveram ciência que a garota artificial estava do lado deles.
Embora ela fosse quase idêntica a Lou Souen, seu rosto era mais frio e inexpressivo e a voz soava quase robótica, demonstrando que não havia nenhum sentimento naquele ser.
A garota artificial sentou na ponta da mesa, bem ao lado de Ayshla, a orc fêmea fez uma cara feia para ela.
— Bom, — Lao Shi retomou a conversa — agora que temos todos aqui finalmente, podemos discutir sobre o plano que tenho em mente até o momento e falar sobre como resolver suas falhas…
O plano proposto por Lao Shi poderia ser simplificado da seguinte maneira: ele criaria uma barreira avançada ao redor de toda a ilha principal, impedindo que o Arquiduque usasse magia.
Kurone teria o papel fundamental de enfrentar Asmodeus di Laplace, que por mais que não pudesse utilizar magia, ainda era um oponente muito perigoso, segundo os relatos da infiltrada na ilha.
Lou Xhien, Bhor e Bramman ficariam responsáveis pela parte furtiva da missão, resgatando Lou Souen e procurando uma maneira de libertar as garotas artificiais do controle mental.
Hime, Berthran e Baltazhar estavam com o trabalho de lutar contra a Duquesa e a irmã do Arquiduque, e Inari daria suporte, nas sombras, a Kurone com sua magia de cura avançada.
O maior problema do plano era que Lao Shi ficaria incapaz de lutar após erguer algo superior à sua Barreira d’Água comum, por isso sugeriu algo impensável a Kurone:
— Consegue convocar mais orcs?
O jovem ficou pensativo. Após invocar os cinco guerreiros, na verdade foram seis, contando com aquele que morreu na masmorra de nível baixo, ele não tentou mais usar a habilidade conseguida pelo seu pacto com a Besta Negra.
Mas, se conseguisse convocar pelo menos uma dezena de orcs, eles teriam uma grande vantagem, ou pelo menos equilibrariam a batalha, considerando que Asmodeus tinha ao seu lado um exército de garotas artificiais de força inumana.
— Eu vou tentar! — respondeu com um sorriso. — Mas, calma aí, como é que vamos atravessar o mar? Tipo, não como chegar de barco, a gente nem tem barco, pra falar a verdade.
— É aí, meu caro, que entro com o meu segundo truque. Querem ter um vislumbre dele?
Ao ver que todos concordaram, o Arquifeiticeiro pediu para que todos o seguissem. Eles deixaram o porão e, em poucos minutos, estavam de volta ao templo principal.
Lao Shi saiu da construção e seguiu para o pequeno laguinho com uma ponte que ficava na pequena vila formada pela junção de alguns templos-dormitórios das garotas artificiais e visitantes.
Como esperado, as águas do laguinho estavam calmas e qualquer sinal de vida marítima era inexistente lá. Aquele local sempre lembrava Kurone de Lou Souen.
— Olhem com atenção, pois só mostrarei uma vez — falou o homem estendendo as mãos para o lago.
Um suspiro em conjunto reverberou pelo ar quando todos vislumbraram o “truque” que o Arquifeiticeiro citou, truque não, aquilo lá parecia mais um milagre.
Kurone mal podia acreditar no que presenciava, ele e todos os outros ao redor arregalaram os olhos para verificarem se o feito daquele homem era real mesmo.
As águas do pequeno lago sob a ponte foram divididas ao meio, permitindo que todos visualizassem o chão de terra ainda molhado.
Um milagre! Seria Lao Shi o Moisés daquele mundo? Kurone piscou várias e várias vezes até finalmente aceitar que aquilo era verdade.
O que lhe impressionava não era apenas aquele truque com a água do laguinho, pois vira magias ainda mais interessantes e úteis ao longo da sua jornada naquele mundo, algo como aquilo não devia espantá-lo.
Mas ele e todos os outros compreenderam o que Lao Shi queria demonstrar, aquele homem era alguém de força extraordinária, logo ele poderia realizar feitos extraordinários…
— Agora imaginem este pequeno truque sendo usado para abrir o mar que se estende logo à nossa frente, chegaremos na batalha amedrontando nosso inimigo — disse Lao Shi olhando na direção do mar, dali não podia ver, mas a ilha central ficava exatamente naquele sentido.
[Ele vai abrir o mar?!!]