Volume 3
Capítulo 152: Origem Do Desejo Por Proteção
Lou Souen andava calma e lentamente, porém os olhos, a todo momento, analisavam o seu redor. Todos os sentidos focavam-se em captar qualquer ruído vindo dos corredores.
Fazia quase uma semana que ela estava infiltrada na grande torre da ilha Lou Xhien Pi’yan, a atual base do Arquiduque do Inferno.
Ficou combinado que contataria Lao Shi dia sim e dia não, mas, a partir do segundo dia, as coisas tornaram-se monótonas na ilha. Ela trabalhava como qualquer outra garota artificial ali, sem ter muito contato com Asmodeus di Laplace.
Claro, ela não contou para o Arquifeiticeiro sobre a sua proximidade com Lothus, a irmã do Arquiduque. Queria descobrir um pouco mais sobre o seu passado, mas os “experimentos” conduzidos pela menina não estavam tendo resultados.
A única coisa relevante que descobriram foi que, ao comparar as assinaturas mágicas, a aura de Lou Souen era bem similar à dos humanos. Isso as deixou intrigadas, mas não obtiveram mais nenhum outro resultado.
E como não havia muito o que fazer, Lou Souen passava seu tempo tomando chá com a menina, apesar de saber que era perigoso fazer aquilo. Mas, por algum motivo, sentia que Lothus era uma boa pessoa.
Asmodeus também não era um demônio tão terrível, pois, até onde sabia, ele não havia feito mal a qualquer garota artificial. O maior perigo naquela ilha era a Duquesa Mamon von Faucher.
Apesar de ser alvo da inimizade do Arquiduque, a garotinha sempre inventava desculpas para ficar mais tempo na ilha. Lou Souen quase teve um ataque cardíaco quando cruzou com a garotinha vestida ao estilo gothic lolita em um dos corredores do segundo andar.
Por sorte, conseguiu passar despercebida ao agir como as outras garotas artificiais.
Ela abriu a porta à frente e avistou a figura familiar sentada sobre os joelhos em uma almofada vermelha.
Lou Souen tomou a almofada de sempre e sentou-se ao lado dela, pegando a xícara de chá em cima da pequena mesa. Se bem lembrava, Lothus prometeu-lhe que aquele era o dia que contaria o motivo pelo qual invadiram as ilhas Lou Xhien.
A sacerdotisa ficou em silêncio e não demorou muito para que Lothus iniciasse uma conversa descontraída, como sempre fazia, e, após dez minutos, começou com a história que interessava à garota artificial:
***
Desde aquela época, Lothus já era superprotegida pelo seu irmão.
Ambos pertenciam a um clã nobre demoníaco, apesar de Laplace não levar nada daquilo a sério, ele vivia sua vida como queria, jogando todos os seus deveres como futuro líder dos idatens daquela vila para seus primos e irmãos.
A família de Lothus tinha um número de membros um pouco grande, com Laplace, o mais velho, somavam-se oito irmãos.
Naquela época, era comum que alguns demônios que não apoiavam a guerra vivessem em vilas afastadas da capital de Zaphon, o Continente Demoníaco.
A pequena vila dos demônios idatens, conhecidos pelo seu atributo de velocidade singular, vivia da exportação de alimentos agrícolas para a grande capital. Alguns diziam que seus alimentos iam diretamente para a mesa dos membros do Conselho do Inferno.
— Você tem sorte de ser menina! — gritou um dos irmãos.
— Nós temos que fazer tudo porque o Laplace não quer trabalhar, não é justo! Você também devia trabalhar! — reclamou o outro jogando um punhado de terra no rosto de Lothus.
Era costume do clã dos idatens não deixar as mulheres mexerem nos assuntos relacionados à diplomacia. Não era algo que podia ser chamado ao todo de machismo, pois entre os deveres das mulheres, estava a tarefa de obter conhecimento e lecionar as crianças e adultos.
Então, se comparado ambos os gêneros, as mulheres eram mais inteligentes.
Uma prova disso era que, por mais que quem cuidasse de toda a política da vila fosse o filho mais velho do atual chefe e o próprio chefe, ambos, no seu nascimento, só tinham todo aquele conhecimento por meio de uma mulher que os ensinou.
No caso de Laplace, sua professora foi a própria mãe, uma mulher digna do título de A Pregadora da Razão.
Então, assim como na política, elas estavam presentes em tudo, desde a preparação de estratégias de batalha com os generais dos pequenos exércitos aos relatórios econômicos das vilas.
Era uma falácia dizer que Lothus não trabalhava, pois, visto que não pertencia ao gênero designado para ser representante político e também não tinha físico para entrar no exército, ela decidiu afiar o seu conhecimento.
Desde pequena, gostava de enter a lógica por trás de tudo, e não tinha ninguém melhor para ensiná-la sobre conhecimentos diversos que A Pregadora da Razão.
Laplace também não podia ser chamado de irresponsável, acontecia que o seu sonho era se tornar “o guerreiro mais forte do mundo”, e não podia fazer isso atrás de uma bancada repleta de papéis diplomáticos a serem assinados.
Ele era constantemente visto nos campos treinamento ou nas florestas repletas de monstros de Rank D.
O estilo de luta dos idatens era algo tão peculiar quanto a sua cultura, pois focava apenas no atributo que dominavam: a velocidade. Para aqueles demônios, agilidade era tudo em uma batalha.
Por mais que fossem pacíficos, havia vilas de demônios de outras raças que não se conformavam em viver daquilo produzido pelo solo do Continente Demoníaco. A história dos idatens era marcada por batalhas sangrentas contra os seus semelhantes.
E foi também em sangue que a história da lendária raça de demônios foi encerrada…
— Deixem ela em paz ou vou afundar a cara de vocês! — rugiu alguém em um tom delinquente. Apenas o timbre da sua voz passava a ideia de que ele não estava brincando.
Antes que o dono da voz descesse até a sala, os dois meninos provocando a pequena irmã jogaram os sacos de terra no chão e fugiram aos gritos.
Laplace saltou com força no chão de madeira, cerrando os punhos e os dentes afiados. O físico definido dele estava exposto, pois tudo que cobria a sua pele era um pequeno cropped vermelho e fino.
— Caiu terra no seu olho? — o garoto perguntou em tom preocupado.
— N-não! Eu me protegi com os braços. Estou bem.
— Malditos.
Era uma conversa de praxe, sempre se seguia daquela maneira durante aqueles longos anos. Ao nível de curiosidade, um idaten tinha a expectativa de vida de quinhentos anos, mas isto também significava que o crescimento do corpo deles era lento.
Laplace tinha trinta anos e Lothus, vinte. A aparência infantil deles conseguiria enganar qualquer um.
Com uma expectativa de vida tão longa, era comum que os jovens mais novos de famílias grandes se juntassem com outros e migrassem para outras terras, com o intuito de criarem novas vilas e encontrarem o seu lugar no mundo.
Para evitar este acontecimento com os nobres filhos dos chefes da vila, fora estabelecido o limite de dez filhos por chefe — filhas do sexo feminino não contavam.
— Escutou isso? — perguntou Laplace, um pouco espantado. Nada escapava dos seus sentidos aguçados devido aos anos de treinamento.
Lothus, por sua vez, não conseguia perceber, mas possuía o conhecimento que guerreiros tinham os sentidos afiados. Com seu intelecto avançado, ela rapidamente formulou milhares de teorias sobre o que poderia ser aquele barulho estranho.
Sua capacidade de raciocínio rápido beirava à paranoia, e isso levou-a muitas vezes a tomar escolhas precipitadas.
— Tem algo errado aqui… — falou o irmão indo em direção à porta.
Após aquilo, a memória de Lothus era turva. Lembrava-se de fogo, sangue e gritos de desespero, mas fechou os olhos e se escondeu no seu quarto, esperando o retorno do irmão com boas notícias.
Como Laplace não voltou após sair para verificar o barulho, ela decidiu segui-lo pelas sombras, tomando as partes mais remotas da vila como o seu caminho.
Conforme andava, a menina via corpos espalhados por todo o lado. Como alguém que priorizava a razão, ela decidiu manter uma postura forte, mas por dentro estava gritando de medo.
Foi, então, que, após dez minutos de caminhada, ela avistou o ser que a traumatizaria para sempre: a Duquesa do Inferno.
Era uma mulher alta e esbelta, de seios voluptuosos à mostra e, no lado esquerdo do rosto, usava o que parecia ser o pedaço de uma máscara branca. A mulher estava cercada por pessoas com roupas de mordomo, mas o que mais lhe assustava era que o rosto deles era coberto por sacos de papel marrons.
Lothus ficou ainda mais assustada ao desvendar a identidade daquela mulher que terminava de matar o seu pai com um único golpe com a mão.
Sem dúvidas, se seu conhecimento sobre figuras históricas não lhe traía, aquela era a Duquesa da Cidade Submersa, Leviathan ford Ingrid, tão conhecida por destruir vilas inocentes, fazer chacinas e sequestrar garotinhos.
Lothus tentou correr, mas os olhos estavam fixos no corpo do seu pai tendo espasmos. Nunca foi tão próximo dele, mas o que mais lhe preocupava era o fato daquela mulher já ter matado a sua mãe, A Pregadora da Razão.
— Mate aquela coisinha ali — ordenou a um dos seus capangas que usava uniforme de mordomo.
O homem, talvez não podia chamar aquela criatura disso, saltou em direção à menina paralisada em horror, e ela só podia fechar os olhos.
No entanto, o impacto nunca veio.
Quando abriu os olhos, Lothus viu o braço da criatura dançando pelo ar e, na frente do corpo dele, estava o seu irmão. Pelo estado dele, provavelmente estava lutando contra outra horda daquelas criaturas de rosto impossível de identificar.
— Maldita! — Laplace berrou com ódio no interior das pupilas e lágrimas sujando o rosto. — Você vai pagar por matar os meus irmãos!
— E que culpa tenho eu se eles não eram bonitos? — respondeu a Duquesa em deboche. — Foi uma má ideia atacar essa vila, a família nobre tem esses dentões bizarros. Bom, não vou reclamar, consegui mais uns dois noivos aqui.
Ao acompanhar os olhos dela, Laplace deparou-se com a cena de duas crianças da vila amarradas por cordas e amordaçadas.
Apenas aquele pequeno vislumbre foi o suficiente para o garoto explodir em fúria e saltar em direção à demônia. Porém foi uma tentativa em vão, Leviathan não precisou de mais de três movimentos para derrubar Laplace com uma enorme ferida no peito.
A Duquesa, ignorando o menino como se fosse um pedaço de qualquer coisa, olhou ao redor, à procura da menina que foi protegida por ele, mas Lothus já havia fugido.
Eles ficaram lá por mais alguns minutos e partiram carregando as duas crianças que Laplace falhou em proteger. A vila era, lentamente, tomada pelo fogo.
— Ir-irmão! — gritou Lothus, saindo do seu esconderijo. A ferida no peito do garoto era feia, mas, se usasse todo o conhecimento que adquiriu ao longo dos anos, talvez pudesse curá-lo. — Você não pode morrer! Acorda! O que vai acontecer comigo se eu ficar sozinha?!
— Mana?... Escute, eu prometo… eu prometo que vou te proteger, Lothus… nunca mais seremos perturbados… juro que vou criar um império para eu e você vivermos em segurança… — murmurou enquanto era curado pela irmã.