Volume 3
Capítulo 151: Desejo Por Mais Poder
Lao Shi suspirou profunda e lentamente antes de sair do templo, pois sabia o que lhe aguardava ali.
Recostada no torii vermelho logo em frente à entrada do templo principal, a mulher de cabelos loiros e expressão hostil batia o pé com impaciência. Ela moveu os seus olhos para o homem deixando a construção.
— Lao, precisamos conversar — disse Hime, em um tom sério.
— Agora? Estava indo verificar o andamento do treinamento do meu discípulo.
— É sobre o Kurone que quero falar. — Ela olhou para os lados, verificando se não havia nenhum bisbilhoteiro ao redor, e prosseguiu em um tom mais baixo, porém firme: — O que está acontecendo?
O Arquifeiticeiro refletiu por um tempo, formulando uma resposta ambígua para despistar a mulher e sair logo dali. No entanto, não conseguiu inventar nada.
— O Kurone não está evoluindo há algum tempo, desse jeito ele nunca vai ser capaz de matar o Arquiduque.
— Entenda, minha cara, que o treinamento é algo gradual e…
Hime perdeu a paciência e aproximou-se em um salto, segurando o colarinho de Lao Shi em seguida. O homem era quase dez centímetros mais alto que ela, por isso precisou curvar o corpo um pouco para ficar à altura do rosto da mulher irritada.
— Escute, eu prometi ao Demônio do Oriente que cuidaria do Kurone e o deixaria longe do campo de batalha. Tem ideia do que pode acontecer se ele morrer na luta contra o Arquiduque? Você não quer Nakano como seu inimigo por deixar o irmão dela morrer, quer?
— Kurone chegou ao ápice humano, apesar dele mesmo não perceber — respondeu Lao Shi em seu tom calmo. — É fato que o corpo dele consegue evoluir mais, mas ele não se permite evoluir. Se eu forçar um treinamento, podemos deixar ele em um estado de trauma permanente.
— Ele só está choramingando, aumente o treinamento dele!
— Desculpe, senhorita Hime, mas não posso arriscar. Ele tem uma mentalidade fraca e, se assim posso supor, deve estar pensando que sempre será alguém fraco. Ele se subestima demais, está cego por essa autodepreciação.
— Então manda a real para ele. Sei lá, faz o seu discursinho ou algo assim.
— Sabemos exatamente que não somos ninguém próximos dele para encorajá-lo. Lou Xhien também jamais conseguiria fazer algo assim, ela está tão quebrada mentalmente quanto meu caro discípulo. Nossa única opção é continuarmos o treinamento e não confiarmos a ele a vitória da batalha.
— Você quer dizer que…
— O misterioso Arquifeiticeiro Grau 10 e a Dama da Lâmina Cega precisarão lutar, pois o trunfo deles é fraco demais. É isso — concluiu Lao Shi, indo em direção à escadaria que levava à parte superior da ilha.
Kurone era um caso perdido, Lao Shi sabia disso, não por não ter talento, mas por achar que não tinha. Aquele jovem sofria do grande mal de remoer o passado ao invés de levantar a poeira e seguir em frente.
Seria mais fácil se Lou Xhien fosse sua discípula, aquela garota, sim, tinha o que era necessário para se tornar uma verdadeira guerreira.
Porém era realmente preocupante a ideia de que ele e Hime precisariam lutar contra o Arquiduque. Lao Shi só viveu por tantos anos, mesmo tendo tanto poder, porque se manteve oculto. Chamar a atenção para si era um verdadeiro perigo.
Ele suspirou mais uma vez antes de tocar o pé no último degrau e subir.
A visão seguinte o surpreendeu.
***
Kurone estava com as duas mãos presas nas costas. Os pés do garoto, usando uma bota especial que pesava cinquenta quilos, queriam mantê-lo preso no chão.
Ao redor dele estavam cinco orcs brandindo armas mortais em sua direção, mas, apesar das mãos atadas e o peso anormal nos pés, ele conseguia esquivar dos golpes.
O cutelo de Ayshla, a orc fêmea, passou rente ao pescoço do jovem, mas ele saltou e esquivou… apenas para ser recebido por um ataque surpresa de Brammar, o sorrateiro.
Ele levou um golpe das costas da espada de Brammar e rolou pelo chão, porém, ao invés de ficar gemendo de dor como sempre fazia, ele levantou em seguida, evitando uma das flechas de Bhor, o orc arqueiro.
Ayshla e Berthran, o de tapa-olho, tentaram um golpe em conjunto, mas este também foi evitado pela velocidade do jovem, que usava o auxílio do Orbe Vermelho Rank E. O olho esquerdo dele brilhava, lendo o fluxo de mana do ambiente.
Se um antigo amigo o visse assim, jamais diria que aquele jovem lutando com tanto afinco era Kurone Nakano. Na verdade, era difícil até para as pessoas da ilha acreditarem que aquele era ele mesmo.
A velocidade dos golpes aumentou, mas Kurone não recuou. Ele forçou a mana a correr pelo seu corpo e reunir-se nas mãos. Em um estalo seco, as algemas que prendiam suas mãos nas costas quebraram.
Aquilo também era um item de Lao Shi, algo que consumia a mana de quem estava algemado, dificultando o ato de romper os elos aparentemente finos que iam de uma ponta à outra.
Com as mãos livres, ele pôde finalmente invocar chamas e atirá-las contra os orcs que o perseguiam, mas elas foram refletidas facilmente pela Muralha Impenetrável de Baltazhar.
Era isso que ele esperava.
Mais mana foi direcionada para os braços e ele avançou com toda a força para cima do monstro que usava um escudo do mesmo tamanho do próprio corpo imenso.
Os punhos foram envolvidos em chamas e ele conseguiu amassar parcialmente a defesa de Baltazhar, mas mal conseguiu formar um sorriso de vitória, pois Ayshla saltou das costas do monstro e brandiu o cutelo médio em direção à sua cabeça.
Usando a velocidade aumentada pelo Orbe Vermelho, Kurone impulsionou-se chutando o grande escudo do orc e retornou à área segura.
Bastaram alguns segundos para materializar a sua Boito .20 e abrir fogo contra todos os orcs, que precisaram saltar nos arbustos para se proteger do chumbo.
[Logo atrás de você!]
Só podia ser Bramman, o único que conseguia escapar do alcance do Olho Sagrado. Sabendo que aquele orc vinha com uma sede de sangue voraz, Kurone desmaterializou a sua escopeta de canos cerrados e estendeu as duas mãos em direção ao local que Annie sentiu a presença do inimigo.
Em instantes, fogo brotou do chão, criando uma barreira média em volta do seu corpo. Era uma paródia da Barreira d’Água de Lao Shi, porém era muito, muito mais fraca.
A muralha tinha pouco mais de um metro e quarenta e, como efeito colateral, a fumaça emanada dela prejudicava o próprio Kurone. Não era dos ataques mais fortes, mas foi o suficiente para surpreender Bramman.
Ao ver o orc mudando de curso, Kurone lançou salvas de chamas impiedosas contra ele. Novamente, seu ataque foi refletido, algo esperado de uma magia tão fraca, mas pelo menos escapou daquele monstro que sempre conseguia decepar o seu braço artificial.
Quando não conseguiu mais suportar o calor dentro da sua “Barreira de Fogo”, saltou para outra área segura. Ele parou ao ver a figura e Lao Shi assistindo à batalha fixamente.
O homem fez um sinal para que os orcs parassem um pouco e, pela primeira vez, os cinco monstros caíram no chão, cansados da batalha.
— Parece que está conseguindo durar mais tempo nas batalhas contra as suas convocações — comentou o Arquifeiticeiro.
— Ainda não sou mais forte que eles, mas tô dando meu jeito pra ficar… Lao Shi! — gritou de repente, o rosto ainda suado e queimado do fogo e a voz entrecortada por conta da adrenalina. — Eu preciso de um treinamento mais intenso. Se quero ficar forte, não posso ficar fazendo corpo mole.
Um sorriso discreto apareceu no rosto do mestre, algo que causou calafrios em Kurone, pois aquilo lhe lembrava um pouco do marquês Edward, mas logo ele ignorou.
— A partir de hoje nossos treinamentos de combate serão movidos para as masmorras de nível baixo — falou o homem apontando na direção do local onde ficava o aglomerado de toriis.
— Nas masmorras?...
— Bem, não queremos destruir essa ilha com o treinamento, certo? A Barreira d’Água é apenas uma ilusão, ela não pode recuperar esse lugar ao estágio inicial.
Ele queria dizer, indiretamente, que agora o treinamento envolveria ataques tão fortes que poderiam destruir toda a ilha Lou Souen?
Um misto de excitação e temor passou-se pela mente do jovem ofegante. Finalmente ele ganhou aquilo que queria: uma oportunidade para se tornar mais forte.
Refletindo com ele mesmo, percebeu que, talvez, o Arquifeiticeiro só estivesse facilitando o seu treinamento porque esperava que Kurone notasse que era um treinamento inferior. Na verdade, o jovem nem notaria isso se ainda estivesse se autodepreciando.
Mas agora que aquela mão estava estendida, ele não a soltaria.
Prometeu diversas e diversas vezes coisas que jamais conseguiria cumprir, mas uma coisa era certa, aquele seu desejo de se tornar mais forte era genuíno. Não queria apenas derrotar o Arquiduque, agora queria se fortalecer para proteger a todos.
Agradeceu muito a Annie por clarear a sua mente, embora tenha achado exagerado ela passar duas horas dando sermão nele, mas não podia reclamar, ele realmente merecia aquilo.
“Nie, eu te amo!”
[Já-já disse para você não dizer essas coisas do nada!]
Após uma brincadeira de praxe com a deusa que residia em seu interior, ele olhou com determinação para o local do aglomerado de templos.
Podia ter menos tempo agora, mas levaria o treinamento a sério, pois queria ir atrás de Lou Souen o mais rápido possível.