Volume 3
Capítulo 150: Repreensão De Annie
— Droga! O que aconteceu? Por que a Lou Souen parou de falar?!
— Acalme-se, meu caro, havia alguém na porta, eu tive que pedir para o Alley fugir — disse Lao Shi pondo a mão no ombro de Kurone devagar.
O jovem ficou ainda mais preocupado ao escutar que havia outro membro do Conselho do Inferno na ilha central, Lou Xhien Pi’yan. Já não bastava um?
Torcia para que, pelo menos, fosse Belphegor dé Halls, e não uma monstruosidade como o Terror do Nevoeiro, um demônio que provocava arrepios até mesmo em Lao Shi, alguém com a Classe de Arquifeiticeiro Grau 10, ou seja, uma pessoa no ápice do ápice.
Kurone andou de um lado para o outro, na esperança de ouvir a voz de Lou Souen novamente. Seus olhos constantemente se voltavam para o objeto nas mãos do homem à sua frente: algo similar a uma concha do mar.
Começava a desconfiar de como seu mestre conseguia itens como aquele, ele não tinha bolsa ou qualquer meio para transportar aquilo, sem falar que eram objetos específicos demais para serem trazidos para uma missão como a que foi atribuída a ele inicialmente: derrotar o Arquiduque do Inferno.
— Tentarei retornar ao quarto — falou Lao Shi cerrando os olhos. Aquele era o sinal de quando mandava uma ordem para Alley, o seu familiar alado.
Não demorou muito para que a conexão entre as duas “conchas” fosse recuperada e a voz fria e isenta de emoções, na perspectiva de Kurone, da sacerdotisa de cabelos negros reverberasse pelo ar.
— Tudo bem com a senhorita? — questionou Lao Shi. Ele olhava atentamente, pois podia visualizar tudo usando os olhos de Alley. Já que o garoto não podia fazer isso, só podia ficar imaginando como seria o covil do Arquiduque.
“Sim, era apenas uma garota artificial que pensou que o quarto estivesse vazio, já que ela dormiu aqui na última noite”, explicou Lou Souen. A voz da garota artificial saía como se ela falasse por um walkie-talkie.
— Não podemos perder tempo, diga-nos quem é o membro do Conselho.
“É a Duquesa Mamon von Faucher.”
O Terror do Nevoeiro. Kurone perguntou-se novamente se havia algum tipo de maldição nele que atraía os “chefões”, aquilo não tinha cabimento.
“Mas, aparentemente,”, continuou a sacerdotisa, “ela só está de passagem e, em breve, vai sair da ilha, então com certeza não precisaremos nos preocupar com ela, pelo contrário, ela talvez possa começar uma briga com o Arquiduque.”
— Então não é algo tão ruim, os membros do Conselho do Inferno nunca se dão bem mesmo, seria bom se acabassem se matando — comentou Lao Shi com sua expressão calma, mas com um pouco de pavor nela.
“Vou desligar, eles podem suspeitar que estou falando com alguém. As garotas artificiais têm sentidos aguçados, é muito perigoso. Adeus.”
A voz de Lou Souen sumiu de repente. Kurone não queria falar com ela devido aos últimos acontecimentos, mas queria escutá-la um pouco mais. Aquela contradição em seu interior estava perturbando-o demais.
— A ruína do homem é a mulher, meu caro — começou Lao Shi após encarar o garoto e notar a sua expressão. — Dizem que Agni e Érebos acabaram se destruindo por conta de Astarte. Mesmo tendo tudo à sua disposição, eles queriam o inalcançável: o amor de uma deusa que só pensava em guerra e nos humanos.
Kurone franziu o cenho. Ao escutar a história contada por Inari, ele interpretou que aquilo que os dois Deuses Primordiais buscavam era o domínio de Niflheim, Astarte era apenas uma deusa que protegia aquele mundo.
— Às vezes a história pode ser modificada para preservar a integridade das figuras históricas. O objetivo inicial deles podia ser o novo mundo repleto de mana, mas logo isso mudou ao verem aquilo que ousava desafiá-los: uma linda mulher de cabelos prateados e olhos vermelhos-carmesins.
— O quanto você sabe sobre…
— Astarte? Quase nada, como qualquer humano que você irá encontrar em sua jornada, mas o fato é que posso resumir a história do nosso mundo nessa simples oração: “Ela começou na disputa pelo amor dos deuses e na vingança de um Vassalo da Morte.”
— Acho que entendi mais ou menos. O que significa o final?
— Não sei, era isso que meu pai me dizia, mas eu não gostava de escutá-lo — concluiu Lao Shi saindo do local e deixando apenas um jovem pensativo lá.
Jamais esteve tão perdido como agora. Não entendia exatamente o que eram aqueles sentimentos, não podia nem compará-los com a simples atração física que sentia pela sua psicóloga, a senhorita Kanade.
Tinha carinho por aquelas duas garota, mas se pedissem para que escolhesse entre Lou Souen e Lou Xhien, não saberia o que dizer. O que mais chamava a atenção nelas era a personalidade perseverante de ambas.
Apesar de terem passado por tantas coisas, elas continuavam seguindo o seu caminho. Kurone admirava-as por este e outros diversos motivos.
Para evitar pensar demais, sua brilhante ideia foi passar a noite dando socos nas árvores da floresta. Eram golpes propositalmente fracos que cortavam a sua pele.
Se voltasse para o quarto, Inari provavelmente estaria o esperando para praticar atos pervertidos, mas não tinha cabeça para aquilo. Ainda estava se amaldiçoando por dar uma chance a Lou Xhien e deixá-la o acompanhar em sua jornada.
Mas vendo o tão perto que Lou Souen andou de ser pega ao falar com eles, percebeu que aquilo era arriscado demais. Se fosse o Arquiduque do Inferno que tivesse aberto a porta e encontrado a sacerdotisa falando com eles, provavelmente ela estaria morta àquelas alturas.
Ele deixou que sua prima, Luna Nakano, aproximasse-se e ela acabou morta. Permitiu que Flugel, a líder das Amazonas Aladas, o seguisse e acabou deixando ela morrer. Não conseguiu proteger Rory da Presidenta do Inferno.
[Kurone, assim você vai se machucar!]
Não importava o quanto treinasse, nunca era capaz de ganhar de ninguém daquela ilha.
[Kurone! Para com isso!]
Hime era mais a rápida, Berthran o mais forte, Bramman o mais furtivo, Lao Shi dominava magias de poder avassalador, até Lou Xhien e sua cura avançada era mais útil que aquele jovem patético.
[Kurone!]
A Máscara Infernal desapareceu com as esperanças de que ele poderia ter acesso ao Ápice da Mana. Se não fosse pela ajuda de Azrael, teria morrido na batalha contra Kumiho, a Besta Divina.
— Ahh! Droga! — berrou destruindo a árvore que castigava com um soco potente totalmente imbuído com mana.
Ele respirou pesadamente enquanto via o tronco da árvore voando. Ali estava aquele jovem patético novamente, prestes a quebrar outra promessa. Sempre que se irritava, aquelas “vozes” começavam a tomar conta da sua cabeça e a machucar Annie.
Prometeu que iria se controlar para não machucar a deusa, mas quase a fez sofrer novamente.
— Nie… me desculpa… eu… eu… — balbuciou com a voz ofegante misturada a um pouco de choro. — Eu sou tão patético assim mesmo?
[Não, Kurone, você não é.]
— Não precisa tentar me confortar, eu sei que só causo mal aos outros. Desde que pisei nesse maldito lugar, no meu primeiro dia eu tentei invadir uma vila! Acreditei no Edward e a Rory foi sequestrada!
[Você não…]
— Jurei tentar achar a menina que foi sequestrada em Grain, mas olha só, o Edward roubou o corpo dela! Se eu tivesse sido mais forte, teria conseguido matar aquele maldito. A Frederika morreu porque eu fui fraco! Não é possível… onde quer que vá, não importa o lugar no mundo, eu sempre levo a morte pra todo mundo.
“Por isso tu és o meu querido Vassalo da Morte.” As palavras de Azrael voltaram à sua mente e ele caiu de joelhos, dando socos fortes no chão.
— Não aguento mais isso, Nie, quero ficar mais forte. — Ele pôs os braços no chão e abaixou a cabeça, na intenção de esconder seu rosto patético, mas não adiantava, Annie podia sentir que estava chorando. — Não aguento mais… se eu fosse mais forte, isso já teria acabado, a Lou Souen não precisava tá se arriscando tanto…
[Kurone! Se você não parar com isso, eu juro que vou sair daquilo e te dar um soco!]
— Hã? É claro, afinal eu mereço. Mas cuidado, eu sou fraco e…
[Achei que já tinha superado isso, pateta! Força não se trata do poder que corre em seu corpo, a verdadeira força é o quanto você consegue aguentar e seguir em frente.]
O jovem passou as mãos pelos olhos úmidos.
[Nesse quesito, todos dessa ilha são mais fortes que você. Quando você viu Hime choramingando por que não pode usar a espada? Ao invés de se lamentar, ela transformou o próprio corpo em uma arma mortal.]
[Lou Souen e Lou Xhien não desistem, como você disse, então nesse caso elas são milhões de vezes mais forte que você. Não adianta dominar o mais forte dos feitiços se a sua determinação é fraca!]
[O fraco senta e choraminga por não conseguir levantar o peso em seu caminho. O forte treina os seus músculos até onde um humano pode suportar e o destrói com as suas próprias mãos. Se o seu destino é ser constantemente cercado por isso que você chama de “chefões”, então treine até onde conseguir e use sua determinação para matá-los.]
[Do que adianta ficar sentado e chorando enquanto os demônios dormem tranquilamente? Se quer ser mais forte, treine, mas treine de verdade, fortaleça sua convicção, lembre-se que um dos pilares de um verdadeiro guerreiro é o seu psicológico.]
Kurone ficou em silêncio até que Annie desabafasse tudo que estava preso em seu peito.
Ficou pelo menos duas horas ali.