Raifurori Brasileira

Autor(a): NekoYasha


Volume 3

Capítulo 142: Triângulo Amoroso

Todos estavam sentados envolta da mesa média que ficava na sala do templo principal, quem os visse daquela maneira, teria a impressão de que era uma reunião de uma grande família tradicional chinesa.

Claro, exceto pela figura incomum de cinco orcs em armaduras de samurai envolta do local. Em cima da mesa, estavam alimentos diversificados.

Apesar de tentarem se matar há um dia, devido aos efeitos da quantidade opressora de mana no ambiente, as memórias do incidente foram apagadas por Lao Shi. Segundo ele, era para evitar um clima tenso quando todos acordassem, pois era inevitável que todos começassem a duvidar do companheirismo do grupo.

Sendo assim, apenas o homem, Kurone e Lou Xhien ainda tinham ciência do ocorrido. Era para ser assim, mas o jovem teve a impressão que Lou Souen estava incomodada com algo desde que acordou.

O aroma do chá de Camélia fumegante flutuava lentamente pelo ar do local, apesar da mesa repleta de especiarias, o olhar da maioria estava voltado para Kurone, que mantinha uma expressão incomum no rosto.

Desde que acordou, ele sentou-se de joelho na almofada e pegou o prato com peixe frito, mantendo o rosto parcialmente corado para baixo. Não fez contato visual ou falou com ninguém.

Talvez eles esperassem uma explicação do porquê em um minuto estavam em frente ao enorme portal e no outro acordaram no templo principal da ilha Lou Souen.

À direita do jovem com um quimono branco amarrotado, estava a fonte de todos os problemas envolvendo o torii vermelho que apareceu misteriosamente na ilha: Inari, a deusa com longas orelhas pontudas e cauda de raposa. A mulher com uma coleira avermelhada no pescoço apreciava o sabor dos bolinhos recheados preparados por Lou Souen.

Na esquerda, Lou Xhien lançava um olhar acusador para o garoto que se recusava a levantar a cabeça. Ela encarava Inari e, depois, ele. A menina sabia que eles dormiram no mesmo quarto na noite anterior, então provavelmente pensava que a mulher fez algo suspeito com ele.

Lao Shi, no lado oposto do jovem, deliciando-se com frutas frescas, sorria discretamente para aquela situação.

Os orcs estavam barulhentos como sempre, comendo como animais e ignorando a situação embaraçosa do triângulo amoroso ali. Sim, um triângulo, pois Inari era apenas uma fanfarrona que entrou de penetra no triângulo, o terceiro membro daquela cena era Lou Souen.

Apesar da expressão vazia, ela encarava fixamente o jovem que, em sua perspectiva, estava na diagonal. A única coisa em suas mãos delicadas era uma xícara de Camélia fumegante.

— O que eram aqueles gemidos na noite passada? — a garota artificial perguntou impiedosamente.

Inari gargalhou com malícia e Kurone quase saltou de onde estava, ele engasgou e Lou Xhien ajudou-o com “tapinhas” fortes até demais para o ajudar. Mesmo quando não estava mais engasgado, ela continuou, aquela força poderia quebrar as costas de alguém mais fraco.

— Verifiquei a Barreira está manhã, — Lao Shi mudou de assunto para ajudar o seu pupilo — Alley viu que as garotas artificias estão vindo em nossa direção.

Todos voltaram a atenção para o homem, até mesmo o garoto que mantinha sua cabeça baixa até o momento. Vendo que conseguiu salvar Kurone, ele continuou:

— Não podemos perder esta oportunidade, pelo que observei, elas fazem uma ronda a cada dois meses.

— O que você tá tramando? — questionou Hime, que assistia a toda cena calada, tomando álcool no canto da sala.

— Pensei em colocar um espião lá, a propósito, elas devem chegar aqui em uma hora.

— E como diabos você consegue ficar tão calmo!? — gritou Kurone apontando o dedo para o seu mestre.

Diversas garotas estavam se aproximando dali, se elas notassem qualquer coisa incomum e transmitissem isso ao Arquiduque do Inferno, ele poderia desconfiar da existência de pessoas naquela ilha, como Lao Shi podia ser tão descuidado? 

Hã? Se essas “garotas artificiais” são algo tão problemático assim, por que não matamos todas? — comentou Inari de forma desinteressada enquanto pegava mais bolinhos com o garfo.

— Não! — retrucou Lou Xhien com raiva — Nosso foco não é apenas salvar a ilha, nossa prioridade são as minhas súditas, não quero ter que sacrificar nenhuma, são todas vítimas do Arquiduque do Inferno.

Elas eram alvos do controle mental do Arquiduque. Lao Shi foi ali com o único objetivo de salvar as ilhas, mas uma das condições para que todos ali o ajudassem era que nenhuma garota artificial fosse morta sem necessidade.

Apesar de toda aquela pose de tsundere, no fundo, a menina com o título de princesa das garotas artificiais preocupava-se com o seu povo, talvez fosse algo que o seu pai a ensinou.

“E mesmo assim ela tá querendo abandonar tudo e ir comigo para o Japão, que coisa.”

Kurone sentia-se culpado por aquilo. Nunca foi popular com garotas, então não sabia dizer realmente se ela gostava dele ou se estava usando apenas como um pilar para se apoiar devido aos seus diversos problemas.

Mas talvez alguém que o utilizasse apenas como um pilar não se arriscaria tanto em uma batalha como Lou Xhien, que ignorou os próprios ferimentos e focou em curar o jovem.

— Mas o que você quer dizer com “espião”? — questionou a menina de curtos cabelos rosas. — Não me diga que… — Ela olhou para a garota na diagonal, Lou Souen Eiai.

— É como pensa. Ela conseguirá se infiltrar sem problemas e nos trazer informações na próxima ronda.

— Ele não vai notar uma garota a mais? — Kurone disse olhando com preocupação para a sacerdotisa de cabelos negros. Só estavam decidindo por ela, mas não deixaram Lou Souen falar a sua opinião. — O Arquiduque não é tão burro, e não podemos arriscar ela assim.

Odiava quando os outros decidiam por ele, então não queria fazer isso com a garota artificial, apesar daquilo ser uma coisa necessária que apenas ela poderia fazer.

— Nós vamos sequestrar uma das garotas e substitui-lá por Lou Souen, — explicou Lao Shi — isto é, se ela concordar.

— Você quer fazer isso mesmo, Lou Souen? — perguntou o jovem, juntando coragem e a encarando. Poderia ser sua impressão, mas viu o corpo dela tremendo quase imperceptivelmente.

— Sim, eu farei — ela respondeu friamente. 

Talvez fosse por conviver por quase dois meses com ela, por isso conseguia entender as emoções dela, embora para os outros parecesse que ela mantinha sempre a mesma expressão fria.

Lou Souen sorriu quando jogaram pela primeira vez, corou quando foi salva de Lao Shi por Kurone. Ele viu a expressão de fúria daquela garota artificial recentemente, quando Lou Xhien saltou no portal e todos pensaram que o jovem fizera algo com a menina. 

Não poderia dizer que ela era isenta de emoções, apenas mascarava tudo com a sua expressão imutável e olhos mortos. 

E, pela sua experiência, sabia que Lou Souen estava com raiva dele, provavelmente por conta do “acontecimento” da noite anterior com Inari, mas havia algo mais, pois ela estava assim há algum tempo.

— Já que ela concorda, então precisamos fazer todos os preparativos e organizar tudo para que elas não notem nenhuma mudança na ilha. Quando aparecerem, vamos encurralar a mais semelhante com a senhorita Lou Souen e realizar a troca.

Aquele delicioso café da manhã perdeu o gosto após o fim das palavras de Lao Shi. Todos levantaram rapidamente e iniciaram a missão de limpar todo o lugar.

No meio das pessoas transitando de um lado para o outro, Kurone viu a figura de Lou Souen levantando e deixando templo. 

“Droga, preciso pedir desculpas”, pensou correndo em direção à porta, porém foi barrado pelo enorme corpo de Berthran, o orc de tapa-olho.

— Mestre, está tudo bem? O senhor está com uma cara péssima…

Ignorando o orc, o jovem desviou e passou pela pequena brecha da porta, quase tropeçando ao sair do templo.

Pediria desculpas pelo quê exatamente? Teria que dizer algo como “desculpe por deixar uma mulher com orelhas de raposa roubar a minha virgindade”? Não sabia exatamente, este era o problema de nunca ter tido uma relação. Mas uma coisa era certa: precisava se desculpar com aquela sacerdotisa.

[Kurone, é melhor parar com isso.]

Ele desacelerou o passo quando escutou a voz de Annie e Lou Souen desapareceu do seu campo de visão. Não era preocupante, sabia que ela foi para o seu “templo de meditação” após as escadarias.

O garoto ficou em silêncio, esperando a deusa em sua mente pronunciar-se. Desde o “incidente” da noite anterior, não conseguiram conversar… afinal Annie sentia tudo o que Kurone sentia, isto significava que todo o prazer também foi passado para aquela garota inocente.

[Se você for agora, ela vai te perdoar…]

“Esse é o meu objetivo!”

[Mas, quando ela te perdoar, voltará a sentir o mesmo que sentia antes. Você quer realmente se comprometer com ela também? Não basta a Lou Xhien? Imagine se você tiver que escolher quem vai deixar aqui.]

Finalmente parou de caminhar na ponte do laguinho e deixou os ombros caírem de forma exagerada. Era apenas presunção, talvez estivesse sendo precipitado ao pensar que Lou Souen também gostava dele, mas se aquilo que Annie disse era verdade.

Depois que Flugel, a líder das Amazonas Aladas, foi morta por Belphegor Halls, ele soube que jamais poderia se relacionar com alguém daquele mundo. 

Se fosse agora e pedisse desculpas, Lou Souen o perdoaria, mas era isso que queria? Se a deixasse, com certeza ela o odiaria e nunca mais veria aquele jovem patético da mesma forma.

De qualquer forma, tudo estava próximo do fim. 

Lou Souen iria se infiltrar na ilha principal, Lou Xhien Pi’yan, e traria informações importantes para o grupo. Após terem todas as informações necessárias, atacariam, derrotariam o Arquiduque do Inferno e Kurone poderia finalmente seguir sua jornada.

Ir atrás daquela sacerdotisa agora seria egoísmo, ele apenas a deixaria iludida novamente. Annie tinha razão, já bastava o peso de carregar os sentimentos de Lou Xhien em suas costas. Se aquela garotinha prosseguisse com aquela ideia de ir para o Japão com ele, poderia estar em perigo.

Kurone nem sabia como voltar para casa, apenas chutava que encontraria resposta em sua jornada, um tiro no escuro que poderia custar sua vida… e a de quem estivesse consigo.

— Tem razão, Nie. Foi mal, Lou Souen, mas é pelo seu bem — murmurou virando as costas e voltando para o templo, com uma expressão melancólica no rosto e deixando que o rancor continuasse alojado no peito de Lou Souen. Pensou que aquela fosse a melhor decisão que ele poderia tomar…

Afinal, como ele poderia adivinhar que aquele olhar de aparente raiva de Lou Souen era apenas nervosismo e culpa por tê-lo beijado enquanto dormia há alguns dias?



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