Raifurori Brasileira

Autor(a): NekoYasha


Volume 3

Capítulo 140: Uma História Sobre Niflheim

Quando Niflheim era apenas um mar de densas trevas, dois astros brilhavam com toda a força que podiam no céu, em uma competição, no entanto um era o oposto do outro.

Agni reinava no grande astro, o Sol, e Érebos governava as labaredas arroxeadas emanadas do seu planeta escuro. Ambos orbitavam em torno do Niflheim sem vida.

Devido ao alto consumo de mana tanto dos humanos quanto da natureza da Terra, um planeta em uma dimensão à parte daquela, o ciclo de reencarnação de lá muitas vezes oscilava e desgarrava algumas almas para aquela outra dimensão.

Em determinado tempo, tamanha foi a quantidade de almas presas naquela dimensão, que o lugar onde elas aglomeravam-se ganhou o nome de Niflheim, que significava “a morada dos mortos”, pois as almas avulsas das pessoas da Terra ficavam transitando por lá eternamente, fazendo o planeta emanar uma quantidade de energia mágica insana.

Os olhos de Agni e Érebos voltaram-se para aquela fonte de energia, ficaram surpresos ao ver que vida estava se desenvolvendo ali. Com o colapso constante da mana em Niflheim e o grande aumento de almas lá, devido às guerras constantes que aconteciam na Terra, surgiram os primeiros humanos ali.

A abundância de energia em Niflheim gerou vida, algo que assustou até mesmo os deuses, acostumados a criar seus próprios súditos. Era uma humanidade primitiva, se comparada à da Terra, mas que conseguia sobreviver por algo que não era tão usado no planeta azul da outra dimensão: a mana.

O motivo pelo qual as pessoas da Terra não conseguiam usar mana era basicamente porque a vasta natureza roubava toda aquela energia para o seu sustento, isto somado ao fato de que os humanos atualmente perderam o poder relacionada à sua alma. 

Os semelhantes de Kurone Nakano eram pessoas que só queriam saber do seu Seol, o corpo físico. Viviam para saciar o seu desejo carnal, ignorando toda a maravilhosidade da natureza e do poder que possuíam em suas almas.

Em Niflheim, as pessoas cultuavam os astros que flutuavam sobre eles, imaginando que foram eles quem lhe deram a vida, mas foram traídos pelos seres que endeusaram.

Érebos e Agni iniciaram uma luta para saber quem ficaria com o controle daquele mundo, mais especificamente, quem ficaria com aquela fonte de energia vital. 

Humanos começaram a morrer naquela batalha, as trevas de Érebos e o fogo de Agni iluminavam e escureciam o vasto céu, plantando o terror no coração daquele povo que se sentia desolado, traídos pelos seus próprios deuses.

Então, naquele desespero, um grito de clamor foi ouvido reverberando pelos céus. Uma mulher levantou-se com sua voz firme, seus olhos amarelados ficaram marcados eternamente na história de Niflheim, aquele era o surgimento da Primeira Santa, o cintilar do primeiro par de Olhos Sagrados.

Os Olhos Sagrados da Primeira Santa provavam que ela tinha o vínculo com uma divindade, no entanto não era nem o bárbaro Érebos ou o perverso Agni, mas sim uma deusa que representava o primeiro astro que seus ancestrais viram quando deixaram de ser reles almas vagando por aquele planeta.

 Astarte, a rebelde. A deusa de olhos vermelhos-carmesins cintilantes e longos cabelos brancos-prateados sedosos, seu brilho incandescente era como o da grande lua que ascendia aos céus toda a noite.

A deusa recém-nascida entrou na batalha com o intuito de matar aqueles dois que aterrorizavam o seu povo, atrás dela estava o grande coro de devotos ajoelhados, todos liderados pela Primeira Santa. 

Assim iniciou-se a primeira guerra da história do universo, e desta guerra surgiu o protótipo da sociedade que tinham hoje. Deuses já existentes, porém afastados daquela luta, dividiram-se, uns ao lado de Érebos, outros de Astarte, que se aliara a Agni. 

Para equilibrar a luta, a Grande Deusa Astarte começou a recrutar aliados de Niflheim, estes ela chamou e Notáveis, pois eram realmente pessoas notáveis de diversas raças. E, ao nível de curiosidade, as raças naquela época eram diversas: elfos, humanos, demônios, meio-humanos e dentre outras, algumas foram até mesmo criadas pela deusa, como os vampiros.

Entre os Notáveis, estavam Alexander Andeavor, um Navegador como Kurone, Karllos Sophiette, o Sophiette Fundador, os Sete Demônios Fundadores e entre outros.

Mas nem todos estavam felizes com o equilíbrio do mundo, por isso arquitetaram um plano para matar Astarte e roubar o seu poder, diziam que a cabeça por trás de todo aquele plano era Érebos… e aí as memórias falharam. Inari não lembrava mais o que aconteceu com a Grande Deusa, mas era certo que fizeram algo com ela.

Talvez um selo? Ou eles mantinham ela em cativeiro até hoje? Ninguém sabia, sabe ou, talvez, saberá exatamente.

***

Kurone e Annie observavam o rosto sério de Inari enquanto ela contava aquela história com um misto de mistério e poesia.

Para ser sincero, não entendeu muito, mas não era a primeira vez que escutava sobre o tal do Agni e do Érebos, dois seres conhecidos como os “Deuses Primordiais”. Annie falou algo como “você possui a chama de Agni, mas a aura tenebrosa de Érebos”, certa vez.

A história de Niflheim, o mundo onde se encontravam, e a origem dos humanos era algo irrelevante para o jovem, tudo que ele queria saber era sobre como encontrar o Seol de Annie e ajudar Rory, por isso ficou interessado na tal de Astarte.

Resolvendo todas as pendências naquele mundo, pretendia voltar para casa, então talvez conhecimento sobre magia que envolvesse espaço-tempo poderia ser útil. 

— Então é isso tudo o que me lembro. Não sei exatamente o que aconteceu comigo também, mas algum engraçadinho “linkou” o meu Domínio em uma masmorra, me obrigando a viver presa aqui.

Hm? Você fala isso, mas seu bichinho fugiu uma vez e quase conseguiu fazer isso de novo há pouco tempo — comentou Kurone referindo-se a Kumiho, a Besta Divina daquela deusa.

— Sim, Kumiho poderia sobreviver sem problemas no lado de fora, o problema é que não tenho o meu Seol, assim como essa menina ao seu lado. Eu sair daqui poderia causar graves distorções no mundo, atraindo a atenção de quem não devia saber da minha existência.

— Uma deusa sair no mundo sem o Seol é algo tão grave assim?

— Sim. O corpo serve como filtro de mana, sem ele, o esprito precisa absorver muita mana para ser manter visível no mundo real, imagine o estrago de duas deusas no mesmo lugar, elas iriam drenar quase toda mana do ambiente.

— É realmente problemático — suspirou Annie, uma pessoa que sentia na pele aquilo.

— Meu plano era mandar Kumiho procurar o meu Seol, mas ela foi impedida por um desses malditos descendentes de Karllos Sophiette, então nós ficamos sem mana por alguns anos. No Domínio, a mana se recupera bem devagar, é horrível…

Eles conversaram por mais algumas horas, até Kurone notar que já estava bem o suficiente para retornar ao mundo real. Em outra situação, gostaria de ficar ali por mais tempo, mas desta vez não estavam apenas ele e Annie.

Ainda não confiava totalmente em Inari para lhe contar muitas coisas, mas, pelo que ela falou, Kurone era importante demais para ser descartado como um qualquer, em outras palavras, ela ainda não pretendia matá-lo. Ainda.

Ele olhou para Inari e lhe tomou as mãos e, rapidamente, uma luz azulada semelhante à de quando materializava a Boito .20 tomou conta de ambos os corpos, desvanecendo as figuras deles.

Annie observou de longe a dupla desaparecendo, não era uma boa ideia aproximar-se e arriscar sair para o exterior de qualquer jeito, ela e Kurone eram partes complementares naquele momento, se, por algum motivo, eles se separassem, ninguém saberia o que iria acontecer.

Ela acenou enquanto via o seu companheiro translúcido. Ele, por fim, desapareceu.

 

***

Abriu os olhos lentamente.

Kurone sentiu o frio do chão tocando suas costas feridas, a dor das queimaduras retornava aos poucos, porém, exatamente por ser aos poucos, era algo suportável.

A primeira pessoa que viu ao enxergar o mudo de maneira firme foi uma garotinha de curtos cabelos rosas e brilhantes olhos verdes marejados. Ela estava com as mãos estendidas, próximas ao seu peito nu, onde residia o Sigilo de Azrael, sinalizando que esteve trabalhando na cura dele por todo esse tempo.

Os braços delicados da menina ainda continham inúmeras bolhas amareladas, ela não parecia se importar com aquilo e focava na cura do garoto.

Ao perceber que ele estava consciente, Lou Xhien jogou de lado todo o seu jeito tsundere e saltou nele, esquecendo-se de que o corpo do garoto ainda estava frágil e o abraçando com força.

— E-eu fiquei tão preocupada, tão preocupada… — repetiu diversas vezes enquanto percorria as mãos pelas costas queimadas dele.

— Você é um homem duro na queda, meu caro, mas não faça isto conosco, faz mal para o coração — falou Lao Shi em seu tom despreocupado, com um sorriso anormalmente mais largo que o habitual.

 Após verificar o próprio corpo e perceber que ainda tinha quase todas a queimaduras da batalha, olhou para a cena incomum no canto do templo: Inari e Kumiho — reduzida ao tamanho de pouco menos de um metro — estavam sentadas com as costas apoiadas no templo, a deusa tinha um colar estranho no pescoço e uma expressão emburrada.

— Sei que perdemos, mas isto é humilhação até demais — murmurou Inari. — Seu mestre é um trapaceiro!

— É toda sua, meu caro — disse Lao Shi jogando um torque negro para o garoto e sinalizando para que ele colocasse no pescoço. — É um artefato mágico que serve como selo para os poderes dessa coisa, ela também a deixa submissa a você, caso coloque gargantilha também. Em suma, é algo que substitui um pacto, eu coloquei na senhorita deusa, enquanto ela estava desacordada. Trouxe por precaução e acabou sendo útil.

“Eu devia me preocupar por você ter uma coisa dessas por todo esse tempo?!”

Suspirando, Kurone colocou o colar no pescoço, transformando aquela deusa-raposa de mais de dois metros de altura em sua “escrava”. Não era um desfecho que ele esperava.



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