Volume 3
Capítulo 134: Explorando Outra Masmorra
Diferente da masmorra de nível baixo, aquela tinha um espaço limitado. As bordas podiam ser vistas de qualquer lugar.
O chão era completamente de pedras acinzentadas e enormes nuvens mórbidas demarcavam os limites da masmorra. Apenas algumas árvores circundavam, formando uma pequena floresta, o componente principal do local: um enorme e imponente templo de rochas que emitia uma aura esmagadora.
A cabeça de Kurone girou, sentia o sangue escorrendo lentamente pela parte de trás, onde bateu com força contra um tronco, e os músculos pulsando devido ao esforço excessivo das últimas horas.
Materializou sua escopeta de canos cerrados e varreu o local à procura de Lou Xhien, fazia preces para que ela ainda estivesse viva, talvez escondida em algum lugar daquela pequena floresta.
Sabia que se aproximar do templo era perigoso, por isso entrou na floresta rasa, sempre com cautela, com os ouvidos e olhos atentos para qualquer movimento ou ruído, mas tudo que os seus sentidos captavam era a densa camada de nuvens cinza aglomerando-se lá.
“Então é ali a fonte do distúrbio, tô fodido se essa mana tiver vindo mesmo do chefão.”
[Atrás de você, três monstros!]
Antes que Annie terminasse o grito, Kurone virou-se, fazendo o quimono branco dançar no ar, e disparou sem piedade contra três raposas brancas que estavam prestes a mordê-lo. O chumbo imbuído em mana adentrou o corpo das criaturas e as transformou em verdadeiras bexigas de festa explodindo.
— Lá se vai nosso plano de entrar e não ser notado — murmurou correndo para o interior da pequena floresta. As nuvens na borda atravessavam para os arbustos, dando ao local um ar macabro e mórbido.
Se buscasse uma palavra para descrever aquela masmorra, a mais próxima seria “caixa de areia”, era similar a um jogo onde os jogadores possuíam um campo limitado para lutar, algo do tamanho de uma caixa de areia em larga escala.
Nem quando estivera em Eragon se sentiu tão nauseado como agora, talvez porque as nuvens lá não atravessavam a paisagem, lembrando às pessoas que estavam flutuando a sabe-se lá quantos metros de altura.
Direcionou sua mana e sentiu a região do rosto esquentando. Sempre que ativava o Olho Sagrado, sentia as veias da face e dos olhos pulsando antes que todo o cenário fosse tomado pela lente amarela que lia toda a assinatura do local.
— Merda, onde você tá, Lou Xhien.
Árvores, arbustos, pedras… buscou em todo lugar, mas não obteve êxito.
Seria problemático se ela estivesse no interior do templo, realmente queria evitar um combate direto contra o chefe da masmorra, ainda recordava da sua última luta. Se não fosse pelos orcs, estaria morto. Ainda estava muito fraco, reconhecia, por mais que Annie lhe repreendesse sempre que dizia isso.
Mas o que mais lhe assustava era a possibilidade de quem estar ali ser o mesmo monstro que matou Lou Xhien Xhian, o pai de Lou Xhien Li e mestre de Lou Souen. Segundo o que Hime contara, ele era alguém de poder extraordinário.
Quando estava prestes a desistir da ideia de encontrar Lou Xhien na floresta, escutou o barulho de mais raposas e o grito de uma menina. Só podia ser ela. Correu sem pensar duas vezes, mas ainda com a Boito .20 em mãos, pronto para explodir os miolos das criaturas que estivessem por perto.
O grito aumentou quando se aproximou da saída da floresta. Um frio percorreu sua espinha, aquilo parecia uma armadilha, não, era uma armadilha, algo tão óbvio que Annie nem precisou dizer nada.
Seus instintos trabalharam rapidamente e o corpo moveu-se em uma velocidade anormal, esquivando-se da bocarra de uma raposa laranja. Atirou ainda na posição desconfortável, destruindo o crânio do monstro.
Antes de morrer, a raposa emitiu um ganido semelhante à voz de Lou Xhien. Realmente era uma armadilha, porém aquilo queria dizer que aquele monstro teve contato com a garotinha. Na verdade, queria dizer que aquilo era uma criatura inteligente.
Para criar aquela armadilha, a criatura teria que entender sobre emoções humanas e julgar que Kurone seria atraído para aquela parte da floresta caso escutasse um grito de desespero de Lou Xhien.
Parou de pensar naquilo quando outra horda de monstros aproximou-se. Eles saltaram no jovem, desta vez utilizando as grandes garras afiadas e a bocarra adornada com uma fileira de presas amareladas e saliva pendendo nos lábios.
Nada que o discípulo de Lao Shi não desse conta. Ele esquivou, golpeou e finalizou com tiros precisos. O treinamento infernal deu resultados, isso era inegável, pois conseguiu aplicar seus ensinamentos naquela batalha e saiu da luta com arranhões aqui e ali.
Não que derrotar monstros fracos como aqueles fosse algo de se orgulhar, exatamente por ele ser discípulo de alguém com o título de Arquifeiticeiro Grau 10.
Apesar de tudo, não podia lutar em sua força total por conta dos músculos pulsando conforme se movimentava. A corrida diária levou seu corpo ao limite, por sorte Lou Xhien o curou um pouco quando se encontraram na encosta da ilha.
Analisou o corpo dos monstros mortos, procurando Orbes, mas foi uma busca em vão. Balançou a mão para tirar o sangue e invocou a sua esfera vermelha.
Ela girou e parou na mão do jovem após ser materializada. O Orbe Vermelho poderia ajudá-lo na batalha, mas era frágil, poderia quebrar com um único golpe de alguém com força física elevada, o principal motivo era por estar estagnada no Rank E desde os últimos dois meses.
Já que estava na masmorra, decidiu que procuraria mais esferas. Ponderou retornar ao local onde matou as raposas brancas, mas desistiu ao lembrar de Lou Xhien. A vida da garotinha era prioridade ali.
— Acho que não temos mais escolha — murmurou encarando o topo visível do enorme templo de pedra do local. Se a menina não estava na floresta, então só poderia estar lá.
Mas aquele lugar era assustador, lembrava os antigos templos criados pelos astecas.
Continuou a marchar, com o Olho Sagrado ativo e a aura baixa. Conseguiu emboscar duas raposas médias, contudo não encontrou nenhum Orbe no cadáver delas.
“Isso tá errado, esses bichos tão fracos demais para uma masmorra de nível alto.”
[Acho que o correto é dizer que você está forte demais para esta masmorra. Posso dizer com certeza que você se tornou um verdadeiro guerreiro, e não adianta negar.]
— Dizer isso é o mesmo que elogiar aquele homem, me dá um frio na barriga só de pensar isso… Sem falar que não acho que tô tão forte assim.
[Também não confio no Lao Shi, principalmente porque ele tem interesse nos seus poderes, mas não vamos ser ingratos também, ele fez um trabalho perfeito em você. E vê se para de se subestimar!]
Kurone fez que sim com a cabeça, um pouco constrangido, e continuou a seguir em silêncio, matando um monstro e verificando o corpo ocasionalmente. Após dez minutos, deixou a floresta e viu-se em frente à lateral do grande templo de pedra. Não tinha realmente outra escolha.
Engoliu seco e subiu rapidamente a escadaria que levava à entrada. A cada passada, sentia a panturrilha queimando quando era forçada.
Diminuiu o ritmo quando se aproximou do local e escutou vozes no ar. Devia haver vozes ali? Era uma masmorra repleta de monstros, a primeira ideia que lhe passou pela cabeça não foi agradável: o chefe da masmorra estava falando com Lou Xhien.
Outro monstro racional?
— Eu nunca imaginei que alguém pularia no inferno assim, — começou uma voz desconhecida. O garoto esgueirou-se para visualizar a dona da voz feminina — e quem diria, uma descendente do maldito Sophiette! — Ela passou a língua no rosto de Lou Xhien, fazendo-a tremer em desespero.
Kurone ficou atrás de uma coluna de pedra, vendo a cena bizarra de uma mulher de estatura anormal lambendo a garotinha de cabelos rosas. A língua dançou nas bochechas e parou próxima aos lábios da menina, forçando-a a franzir o cenho.
Bem, encontrou a menina. Ela estava em um estado péssimo, as roupas estavam só os farrapos, principalmente o hakama, como Lao Shi explicara, e os olhos, roxos de tanto chorar. Saliva pingava lentamente do local onde a mulher estranha passou a língua. A garotinha olhou para Kurone surpresa, talvez não esperasse que o jovem fosse atrás dela.
Fez um sinal para que Lou Xhien ficasse em silêncio, mas foi tarde demais, sentiu uma aura explodindo em sua direção.
Enfim, os olhos do jovem se voltaram para a pessoa que segurava a menina pelo pescoço, mas sem fazer força. Era uma mulher esbelta, de longos cabelos laranjas que cobriam desde o olho esquerdo na parte frontal às pontas que se arrastavam pelo chão de pedra. Duas caudas peludas balançavam energeticamente em suas costas.
A mulher lançou um olhar hostil para o jovem e passou as línguas pelos lábios, aumentando ainda mais sua presença e oprimindo a do garoto, que lutava para mantê-la em pé, como uma barreira.
A entidade de aparência maliciosa vestia um quimono curto negro de maneira preguiçosa, onde era possível ver a pele macia exposta em quase todo lugar. As pernas longas estavam quase totalmente à mostra.
— Hã? Kurone Nakano? — ela começou como se já tivesse visto o garoto há tempos ali — Não lembro de nenhum Nakano entre os nossos, não é também um Notável ou demônio, mas seu rosto… Não! Provavelmente só confundi, você é só um zé-ninguém.
Ela perdeu interesse no jovem e voltou a encarar Lou Xhien. Quem era aquela? Por que havia alguém no interior de uma masmorra?
“Nie, acha que conseguimos analisar ela?”
Lao Shi orientara a nunca usar habilidades como aquela em qualquer pessoa, pois alguns poderiam “sentir” a Análise e atacar sem pensar duas vezes. Aquilo era para o bem de Annie, na verdade.
[Vou tentar… Argh!]
— Argh!
Uma pontada na cabeça obrigou o jovem a ficar de joelhos, vomitando e sentindo todo o corpo pulsar enquanto um formigamento inexplicável lhe atravessava. Era o segundo motivo que Lao Shi dissera: alguns podiam erguer uma barreira contra a Análise com magia de selamento.
— Ei, ei, ei, o que você acabou de fazer? — A mulher olhou para ele com interesse. — Eu senti poder saindo de mim, parece que subestimei você, coisinha.
Ela deixou Lou Xhien cair no chão e andou em direção ao jovem agonizando. Kurone sentiu como se algo o sufocasse, jamais teve aquele problema com a Análise, nem quando tentou analisar Lao Shi, alguém com poderes inumanos.
[Ela só pode ser uma deusa também, lembra, analisou você.]
A voz de Annie também saía com dificuldade, demonstrando que a deusa compartilhava daquela agonia.
Foi levantado pela mulher, mas não relutou, sabia que seria perigoso atacar sem conhecer o seu inimigo. Ela era alta, tinha aproximadamente dois metros e dez centímetros, talvez passasse um pouco disso. O cabelo cobrindo o olho esquerdo foi soprado para que ela pudesse encarar o jovem melhor e um brilho vermelho cativou o garoto.
A estranha fez força na mão, fazendo as unhas vermelhas ficarem cravadas no pescoço de Kurone. Ele só pôde balançar os pés, buscando o chão de pedra.
— Hmmm… — um sorriso sádico formou-se em seu rosto — como era mesmo o nome daquele garoto que servia ao Azrael? Ele era um Notável?... Você me lembra ele, ou estou fazendo engano, realmente é complicado ter perdido algumas memórias… Ah! Não lembro o nome mesmo, mas se não me engano ele era um… Vassalo da Morte? Azrael sempre gostou de dar títulos bonitos para seus brinquedos.