Volume 3
Capítulo 131: Distúrbio Mágico
Conhecia o barulho da muralha sendo erguida pelo Arquiduque do Inferno, por isso sabia que a explosão foi causada por algo diferente desta vez.
Torcia para que fosse alguém treinando uma magia poderosa de explosão, porém a única pessoa que também manipulava muita mana era Lao Shi. Estava com um péssimo pressentimento.
Kurone e Lou Xhien deixaram a biblioteca rapidamente e, atravessando as escadas, saíram do templo.
Lá fora, orcs olhavam abismados para a parte superior da ilha, em direção à grande escadaria que levava ao templo de meditação de Lou Souen.
Ao sentir uma quantidade inacreditável de mana espalhando-se pelo ar, Kurone materializou sua escopeta de cano cerrado. Vendo o seu mestre ali, os guerreiros monstros levantaram suas armas e ficaram ao lado dele.
Por sorte, a Barreira d’Água erguida por Lao Shi ao redor da ilha não deixava nem um guinchado escapar do local, porém um ponto negativo era que deixava a entrada e saída de mana da barreira mais lenta.
— Baltazhar, fique com a Lou Xhien, eu e os outros…
— Sem chance, plebeu. Quem você acha que é para me mandar ficar aqui? — Ela lançou um olhar hostil com seus olhos verdes. Se tentasse contrariá-la, ela usaria magia e o grudaria no chão até que pedisse perdão. Era incrível a troca de humor daquela garotinha.
— Apenas tome cuidado — concordou levantando as mãos, demonstrando sua desistência. — Vamos logo.
[Tem uma assinatura de energia mágica muito forte vindo de lá. Isto está errado, se for um monstro, ele deveria ter pelo menos uns dez ou quinze metros.]
“Nie! Você acordou.”
[Eu já estava acordada, só fiquei em silêncio para você se concentrar em seus estudos.]
Sua conversa via pensamento foi interrompida quando viu Hime seguindo em direção ao local. Ela não fez contato visual, provavelmente ainda não queria falar com o jovem depois do diálogo da noite anterior.
Um incômodo surgiu no peito do garoto. Lou Souen, a sacerdotisa que começou a invadir seus pensamentos constantemente, estava lá em cima, então ela poderia estar em perigo. Apesar de serem fortes, garotas artificiais não foram feitas para a batalha.
Baltazhar tomou a frente do grupo subindo as escadarias. O enorme escudo em suas mãos poderia protegê-los de qualquer ataque inimigo. Atrás dele seguiam os três orcs e, no fim, Ayshla acompanhava Kurone e Lou Xhien.
Conforme se aproximavam do topo, a presença esmagadora aumentava. Era algo anormal, fazia até a velocidade do grande orc segurando o escudo diminuir, ele tinha muita resistência física, mas para magia era outra história.
Bramman, o orc sorrateiro, deu suporte usando um dos seus feitiços de apoio para aumentar a defesa mágica do grupo.
Lou Xhien era outra das pessoas com pouco resistência à pressão mágica, ainda mais aquela tão forte, que conseguiria mexer com a mente de qualquer um, seu rosto tinha uma expressão de quem poderia desmaiar a qualquer momento.
Kurone tomou o seu braço para que ela não apagasse e rolasse escada abaixo, seria algo doloroso, senão mortal. Correr com aquela garotinha lhe lembrou da vez que fora atacar a vila Grain com Rory, mas logo as memórias nostálgicas foram dissipadas quando chegaram ao topo.
Todos os orcs saltaram com as armas, prontos para corta os inimigos. Apesar de saber que a menina de cabelos rosas podia se virar sozinha, Kurone manteve-se próximo a ela.
O jovem arregalou os olhos ao ver o que acontecia ali. Seu mestre, Lao Shi, estava com as mãos estendidas, viradas para um grande torii vermelho, o homem estava encharcado de suor e o poder transbordava do seu ser.
Ele olhou para o grupo aliviado e, sem baixar as mãos trêmulas viradas para o grande portão, fez um sinal com a cabeça para o seu discípulo se aproximar.
[Cuidado, o torii é a fonte de toda essa mana que está se espalhando pelo ar, não sabemos o que tanta energia pode fazer com os humanos.]
— É, tô ligado. — Era o único que não era tão afetado, seu corpo expelia uma quantidade de mana semelhante àquela o torii, refletindo a outra fonte de energia vital, como dois ímãs de polos iguais impactando um contra o outro.
Ficou preocupado ao olhar para trás por alguns minutos e avistar uma expressão de pavor no rosto de Lou Xhien.
Pavor? Não, não, aquela garotinha estava horrorizada, o seu corpo tremia e mal podia se manter de pé. A respiração dela ficava cada vez mais ofegante, transformando o ato de respirar algo impossível.
Pensou em voltar, mas Lao Shi gritou para o ajudar logo.
— Estenda as suas mãos e me ajude aqui, é um feitiço de selamento! — disse o homem ofegante. A testa derramava suor sem parar, demonstrando que ele segurava algo muito pesados que os outros não conseguiam ver.
Ele explicara-lhe que um feitiço de selamento exigia muita mana, mesmo Kurone teria dificuldade em manter um por muito tempo, só podia ser usado para incapacitar inimigos por alguns segundos.
Outra utilidade era vetar uma passagem espiritual, algo que poderia durar por alguns dias, pois diferente de quando aplicada em pessoas, que conseguiam resistir, a magia de selamento se dissiparia com o tempo se fosse mantida intocada.
O jovem ergueu as mãos como o seu mestre sentiu poder saindo delas, aquele poder ia em direção ao torii, mas sentia que ele estava sendo rebatido.
Precisaram de mais dez minutos para selar o torii. Lao Shi deixou o corpo cair exausto no chão frio e respirou com dificuldade, passando a mão na testa para limpar o suor.
— Que diabos aconteceu aqui?! — questionou o garoto também ofegante. Seu corpo formigava por conta da quantidade de mana que saiu dele há pouco.
Varreu o cenário e engoliu seco quando não avistou a sacerdotisa com cabelos negros presos em um rabo de cavalo e olhos avermelhados. Lou Souen devia estar lá, mas não via ela.
Acalmou-se ao vê-la saindo de trás de uma pedra. O cabelo estava todo bagunçado e as roupas, sujas por ficar deitada na terra da floresta de árvores de folhas rosadas.
— Tudo bem com Vossa Majestade? — ela perguntou apressadamente ao ver o estado de Lou Xhien. — Tudo bem mesmo?
Lágrimas brotavam nos cantos dos olhos da garotinha que soluçava sem parar. O que aconteceu ali? Aquela não era a Lou Xhien que conhecia.
— É como da vez que Lou Xhien Xhian morreu — falou Lao Shi, ainda deitado na terra repleta de folhas. — Um torii apareceu misteriosamente, mas desta vez um monstro tentou sair de lá à força, por sorte ele estava fraco e conseguimos selar a passagem, meu caro.
Era a história de como Lou Xhien ficou órfã, a coisa se repetia no pior momento possível, pois teriam de se preocupar com o monstro além do Arquiduque do Inferno. O mais assustador foi que Lao Shi disse que o monstro estava fraco, se estivesse em sua força total ele teria conseguido escapar?
— Por quanto tempo esse selo vai durar?
— Não sei, talvez até a próxima investida da criatura, ela quer sair.
— Não, de novo não! — berrou Lou Xhien pondo as mãos nos cabelos e puxando eles com força. — Vamos todos morrer! Temos que fugir daqui agora!
Ela tinha aversão às masmorras, sempre se recusava a ir treinar quando alguém sugeria a região próxima aos toriis das masmorras de nível baixo.
— Era um monstro similar, — sussurrou Lao Shi para que a garotinha assustada não escutasse —, mas não posso dizer com certeza que não era o mesmo que matou o senhor Xhian. Isto vai nos prejudicar muito, talvez eu precise adentrar a masmorra e matá-lo.
Claro, apesar de tudo, Lao Shi era forte. Ele só ofegava naquele momento porque magia de selamento exigia muito do usuário, não importava quanto fosse sua quantidade de mana. Até Kurone cansou ao ajudar na magia por apenas alguns momentos.
— Quando consegue fazer isso?
— Não, sozinho não. Eu e você vamos juntos, talvez uma semana seja tempo suficiente.
Engoliu seco ao escutar a proposta do seu mestre. Lembrou-se da última masmorra, uma de nível baixo, quase morreu nela. Pela energia que saía daquela à sua frente, aquele local poderia ser chamado de “masmorra de nível alto”.
Mas olhar para Lou Xhien naquele estado lhe deu a força que precisava para concordar com a ideia. De qualquer maneira, estaria ao lado de Lao Shi, alguém com o título de Arquifeiticeiro Grau 10. Poderiam ter um pouco de dificuldade na masmorra, mas nada muito grave.
— Por que essa coisa apareceu aqui? — murmurou encarando o grande torii. Apesar de selado, ainda emitia muita força que perturbava a mente de todos.
— É um grande mistério, — o homem ficou sentado — mas, ao que tudo indica, é uma sobrecarga de mana no interior da masmorra. Os chefes ficam muito fortes e conscientes, forçando sua passagem para esta dimensão… mas parece ter algo a mais nesta, uma presença quase divina.
“Conscientes.” Aquela palavra fez a figura do Necromante de Cascos Fendidos retornar à sua mente. Ele falava e tinha aparência humanoide. Se as coisas acontecessem como Lao Shi explicava, então aquele podia se tornar um grande inimigo no futuro.
Notou que Lou Souen também estava incomodada, embora não deixasse transparecer como Lou Xhien. Lou Xhien Xhian fora o mestre da sacerdotisa de cabelos negros, quem a ensinou a jogar, claro que ela também tinha um pouco de aversão às masmorras, ou mais especificamente, aos monstros.
— Não parece ser uma masmorra comum, é melhor repensarmos a nossa estratégia, pode ser muito perigoso até para vocês — disse Hime finalmente.
“Traduzindo: Se o Kurone morrer, tá todo mundo fodido.”
[Fodido?]
“Não é uma palavra que você precise saber o significado, na verdade me deu um arrepio só de escutar você repetindo.”
Os orcs logo disseram que acompanhariam Kurone na masmorra, como o esperado. Ninguém se opôs a ideia, afinal toda ajuda em uma masmorra era bem-vinda naqueles locais.
— Vamos precisar reforçar este selamento sem parar. É um feitiço simples, então todos nós podemos revezar. — Lao Shi olhou de relance para Hime. — Bem, quase todos. Se sentirem que algo errado está acontecendo com o torii, me chamem imediatamente, provavelmente será o chefe tentando forçar a saída da masmorra. Em hipótese alguma tentem contê-lo sozinhos.
Após a explicação, Lou Xhien foi levada para o templo de meditação para acalmar os nervos com uma xícara de Camélia com Lou Souen e Hime. Os orcs espalharam-se com seus gritos de guerra e Kurone tomou o primeiro turno para reforçar o portal.
Usou aquele tempo para ler um pouco do livro de capa azul que apanhou da biblioteca, mas sua concentração era tomada ocasionalmente por um distúrbio vindo do interior daquele portal. Havia algo ali, algo que conseguia mexer com a sua cabeça.