Raifurori Brasileira

Autor(a): NekoYasha


Volume 3

Capítulo 130: Dias De Estudo

Mal conseguia dormir após a conversa com Hime há algumas horas. Annie, que devia ser a mais afetada por escutar o nome “Astarte”, dormia sem problemas. Ele assim pensava, pois ela não disse mais nada depois que retornaram ao quarto.

Naquele momento, Kurone estava em um estado entre dormindo e acordado, mantinha a consciência no mundo que piscava lentamente, aquele estado não permitia que ele discernisse o mundo dos sonhos do real. 

E ficou ainda mais em dúvida quando escutou a porta do quarto abrindo. Foi um barulho que ecoou no canto da sua mente cansada, mal conseguiu mover o corpo para olhar em direção à porta.

Alguns sons que não conseguia dizer do que eram reverberaram e a coberta por cima do seu corpo se moveu. Forçou os olhos e, com muito esforço, conseguiu ver o rosto de Lou Souen bem próximo ao seu.

Provavelmente era um sonho, foi a primeira impressão que teve ao avistar a sacerdotisa de cabelos negros presos em um rabo de cavalo.

— Você se esforçou muito nesses últimos três dias — sussurrou a garota artificial. — Só queria dizer isso e pedir desculpas pelos golpes muito fortes que te dei.

Ambos passaram alguns minutos se encarando, até que Kurone começou em sua voz sonolenta, chutando que aquilo devia ser um sonho:

— Você também… tá se esforçando muito. Desse jeito… nós vamos conseguir derrotar o Arquiduque do Inferno fácil, fácil…

Lentamente, Lou Souen passou as mãos pelos cabelos médios de Kurone, quando não estavam amarrados em um coque samurai, tinham o dobro do tamanho.

— Vossa Majestade também está se esforçando muito, então, por favor, não conte e isso a ela. Garotas artificiais jamais deviam sentir isso, me sinto culpada de alguma forma.

Seu estado de sonolência não permitia que ele processasse o que era dito pela sacerdotisa, apenas ficou parado enquanto os lábios macios dela tocavam os seus e se separavam devagar, como se a garota apreciasse o momento.

Após o fim, eles se encararam novamente, no entanto um tinha uma expressão mais supresa que o outro. Lou Souen fez menção de deixar o quarto, no entanto a garoto segurou sua mão de repente.

— Assim não vale… eu prometi que não ia mais me envolver com pessoas… desse mundo… mas desse jeito não consigo escolher entre você e a…

Ele adormeceu antes de terminar. 

Com cuidado, Lou Souen soltou a mão dele e dirigiu-se à saída do quarto, a expressão em seu rosto naquele momento era um mistério.


Acordou ainda no alvorecer e fez uma caminhada matinal. Havia uma dúvida martelando em sua cabeça: o que eram aqueles fragmentos de memória? Um sonho erótico envolvendo Lou Souen? Era improvável que aquela garota artificial tenha feito algo como aquilo, e jamais ousaria perguntar.

Assim que deixou o templo, avistou Ayshla e Berthran próximos ao lago, ambos trocavam golpes de lâminas logo cedo.

Alongou-se antes de caminhar pela floresta, o barulho do muro sendo erguido pelo Arquiduque do Inferno agora era constante e provocava tremores em todas as ilhas. Se fosse à borda da ilha, conseguiria ver a muralha emergindo do fundo do mar.

Por que alguém se isolaria em um lugar como aquele? Quando fosse erguido, nem o próprio Asmodeus di Laplace poderia sair de lá, morreria ali com o tempo ou ficaria louco antes, claro, isso considerando que ele não tinha qualquer habilidade que o permitisse voar.

Bocejou e esfregou os cabelos médios, amarrados em um coque samurai, devagar. Pelo silêncio, Annie ainda dormia no interior da sua mente. Sentou-se em uma pedra próxima e puxou o Orbe Vermelho do seu Inventário Interno, encarando a energia vermelha colapsando em seu interior.

Aquela esfera aumentava muito sua velocidade, mas, mesmo tendo aumentado a própria agilidade, ainda não conseguia acompanhar os golpes rápidos dos outros. 

Ter ficado por três dias na gravidade 1,5 na masmorra de nível baixo o deixou mais rápido, no entanto ainda não era suficiente, precisava treinar mais.

Avistou o homem de longos cabelos negros e quimono branco com azul vindo em sua direção. Lao Shi era um dos únicos que acordava cedo, Kurone não era habituado a fazer isso, esta vez era apenas uma exceção por conta do diálogo com Hime na noite anterior e o sonho com Lou Souen que teve em seguida.

— O clima hoje está perfeito para uma caminhada, não? — falou em sua voz serena, analisando o jovem com os seus olhos afiados de pupilas azuis. — Parece que você se recuperou rápido do último treinamento, meu caro.

Ele sentou-se em uma pedra ao lado do jovem, uma xícara de Camélia fumegava entre suas mãos pálidas. Lou Souen ensinou-o a preparação para não fazer mais aquele chá para Lao Shi, ela não gostava da presença daquele homem mesmo.

— Preciso mesmo continuar lendo livros? — Era dia de estudar com Lou Xhien, no porão. Pessoalmente, achava aquilo inútil, queria ficar mais forte. — Não acho que isso vai me ajudar nas batalhas.

— Você é forte, admito, mas é bem imaturo. — Aquilo de novo? — Sabe por que perdeu tanto nesses dois meses? Você não perdeu para a força de Berthran ou a agilidade de Hime, mas sim para as estratégias de senhorita Lou Xhien, ela sempre estava no comando deles, por isso te vencia.

Ficou surpreso. Quase não via Lou Xhien no campo de batalha, ela ficava mais oculta que Bramman, mas agora entendia, ela era a cabeça por trás daqueles golpes calculados dos outros. 

— Se aprender pelo menos metade do que senhorita Lou Xhien sabe, se tornará um guerreiro por completo. Agora, mudando de assunto, você tinha dito anteriormente que sua Classe era Missionário, certo?

Kurone fez que sim com a cabeça.

— Você não parece ser isto mesmo. Missionários nem deviam ter afinidade com magia, ainda mais algo tão difícil como magia do Tipo Elemental Fogo.

Hime explicara-lhe que, diferente da maioria das magias, a de fogo usava a mana como combustível, por isso era algo limitado em boa parte dos magos daquele mundo.

— Então, qual a minha Classe? — questionou confuso. 

— Diga-me você, jamais vi alguém com aura sagrada, coração demoníaco e Tipo Elemental Fogo, sem mencionar as suas tatuagens dos pactos.

— Eu sou um tipo de quimera então? — Ainda se recusava a usar o termo “aberração” como a falsa Annie de Eragon, Lucy. — Não soa como algo tão ruim.

— Eu prefiro chamar de Híbrido, mas tudo bem, o seu também é um nome maravilhoso, diga-se de passagem. Vivi o bastante para presenciar a primeira pessoa da Classe Quimera, quem diria.

O jovem ficou de pé após alguns minutos, estava quase na hora de se reunir com Lou Xhien no porão. Ter aquela conversa com o seu mestre temporário lhe motivou a continuar estudando.

— Bem, então eu vou indo, senão a Lou Li vai ficar zangada.

— Faça bom proveito da aula, meu caro jovem de Classe Quimera.

Chegou no templo rapidamente e, ao passar pela ponte do laguinho, viu todos os orcs treinando. Hime assistia à batalha encostada no torii vermelho. Lou Souen, provavelmente, estava em seu templo para meditação. Não entendia o motivo de pensar tantas vezes ja sacerdotisa de cabelos negros durante aquele dia.

Entrou no templo principal após cumprimentar todos e desceu as escadas escuras que davam no porão. As portas velhas de madeira pareciam que podiam desmoronar a qualquer momento quando eram tocadas.

Passou pelo cômodo onde havia diversos mapas da ilha central, Lou Xhien Pi’yan, e abriu uma porta mais ao fundo, onde se localizava a biblioteca.

O local estava empoeirado até o último mês, porém tudo foi limpo e organizado pela garotinha de cabelos rosas. A maioria dos livros tinha um único autor: Karllos Sophiette. Outro nome conhecido naquele meio era o de Ryuu Toshiro, o primeiro Lolicon Slayer, o nome dele estava na capa de um livro com fórmulas de conversão das medidas de temperatura de diversos reinos.

Andou mais ao fundo, atravessando uma estante de livros sobre poções e remédios, e avistou uma garota de pernas inquietas. Ela vestia kosode e hakama comuns quando ia ar aulas a Kurone, deixando o seu conjunto extravagante de lado.

Estava concentrada, com a cara em um livro de capa vermelha, mas aquele jogo de pernas demonstrava que sentiu a presença do jovem quando ele entrou ali. Atrasou-se um pouco para a aula, e Lou Xhien odiava atrasos.

Ela baixou o volume de capa vermelha e analisou o garoto com seus olhos esverdeados. Após poucos segundos, depositou o livro ao lado e bateu no sofá onde estava, sinalizando para que ele sentasse ao seu lado.

 — Então, plebeu, estudou tudo o que te passei? — ela questionou com uma expressão já decepcionada no rosto, pensava que ele nem havia aberto um dos livros que o emprestou.

— Mas é claro! Eu sempre fui um aluno responsável.

Lou Xhien estreitou os olhos incrédula. De fato, no inicío Kurone quase não lia os livros, mas o problema eram o carcteres ilegivéis. Mas agora que dominava a linguagem, lia sempre em seu tempo livre, por mais que odiasse os livros mais didáticos, preferia se concentrar em histórias da antiguidade.

A última aula foi sobre a história de Karllos Sophiette, segundo Lou Xhien, apesar da quantidade de livros ali escritos pelo mago, as biografias dele eram escassas, sabia-se mais dele pelas lendas orais pessadas de geração para geração. 

Na verdade, Kurone estudava sobre aquele homem com muito interesse, o que aconteceu na masmorra ainda estava gravado em sua mente, ainda lembrava claramente da voz do mago o parabenizando e desejando sorte na jornada.

Conseguiu poucas informações em seus estudos, mas tinha uma visão geral sobre a história.

Karllos Sophiette ficou marcado na história por diversos títulos, mas o principal era o de “Sophiette Fundador”. Era apenas um humano, porém conseguiu encarar os deuses e dragões da época frente a frente e deu início ao clã Sophiette quando teve filhos com a deusa dos dragões.

Alguns livros saltavam muito no tempo, contando histórias avulsas sobre as batalhas de Karllos. Havia dois tipos de línguas misturadas nas escrituras mais antigas, por isso Kurone não compreendia direito o que algumas palavras queriam dizer.

A língua do Continente Ocidental, pelo menos em Andeavor e Eragon, era algo semelhante ao inglês e alemão e o jovem não teve problemas com ela devido às suas habilidades, o alfabeto era similar àquele do ocidente do seu mundo, no entanto a coisa era diferente no Continente Oriental. 

Ali, a escrita e leitura eram algo diferente, quase como um mandarim repleto de ideogramas e caracteres que simbolizavam vogais abertas. Precisou aprender aquela língua do zero.

A única história lá que o seu conhecimento limitado na língua lhe permitia ler era a de quando Karllos chegou nas ilhas Lou Xhien, no tempo não tinha nem este nome, pois “Lou Xhien” fora o nome falso que o mago usou quando chegou no local. Deram os nomes da ilha em sua homenagem.

— Parece que você estudou mesmo — parabenizou a garotinha. — Está tudo certo, Lou Xhien, ou melhor, Karllos Sophiette que chegou aqui fugido dos deuses da época, teve de mudar de nome por um tempo, neste tempo ele criou muitas coisas, como as garotas artificiais e alguns Orbes, e espalhou a semente dele pelo local.

— Então, nesse caso, você é uma prima distante da Sophia…

— De quem?

— Não, de ninguém, esquece, só pensei alto. Na verdade… até o cabelo rosa de vocês é igual, que coincidência.

Lou Xhien Li olhou confusa para o jovem encarando o seu cabelo. 

Se Karllos Sophiette viajara o mundo quando era vivo, então existiam muitos Sophiette espalhados pelos Continentes. Kurone levantou-se e perambulou a biblioteca por mais volumes com a história do mago.

Seu paradeiro era desconhecido, sabiam apenas que sua última viagem foi para uma ilha distante, na divisa entre o Continente Demoníaco e o Oriental. Era improvável que estivesse vivo, mas talvez houvesse mais biografias em seu túmulo.

Porém, sabia que alguns magos tinha o mal costume de recusarem a morte e se tornarem lichs, magos mortos-vivos que só seriam libertos do tomento no dia que alguém tomasse para si os seus fardos. 

Não estava nem um pouco a fim de fazer isso, suas costas já tinham muitos fardos.

Parou ao ver um livro de capa azul e bordas douradas. Forçou os olhou para enxergar os caracteres desbotados e ficou surpreso ao interpretá-los. Se entendeu certo, o título era este:

“O Uso da Energia Vital Para o Crescimento Rápido: Explorando os Limites da Mana.”

Quando estava próximo a abrir o volume e iniciar uma leitura rápida com os olhos, escutou um barulho de algo vindo do exterior.

“Uma explosão?”



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