Volume 3
Capítulo 129: Hipérion, A Lua Azul
Deitou-se em seu futon e encarou o teto iluminado parcialmente pela fraca luz da vela. Apesar de estar cansado após os três dias de incessante batalha, não conseguia dormir.
Agora que Lao Shi ergueu uma “Barreira d’Água” na ilha Lou Souen, um feitiço de ilusão com gotículas de água, eles podiam treinar livremente, pois a barreira, além de bloquear o som, criava a ilusão de uma falsa ilha pacata.
Seu funcionamento era simples: ela gerava a ilusão para quem estava fora da ilha dez minutos antes de ser isolada pela barreira.
Após o primeiro mês, perderam as esperanças de que o Monarca do Oriente mandaria reforços para ajuda na batalha contra o Arquiduque do Inferno. Tudo estava nas mãos de Kurone, quer dizer, se conseguisse dominar o Ápice da Mana.
— Bem que você podia fazer um acordo comigo, não? — murmurou na esperança que aquela máscara que residia em seu ser respondesse, no entanto foi inútil, como esperado.
[Olha, eu concordo com o seu mestre, não é bom depender de um artefato dos demônios. Não precisa se preocupar, você vai conseguir dominar o Ápice da Mana.]
— Será, Nie? Nesses últimos dois meses, eu não ganhei mais de três batalhas. Sempre sou o primeiro a ficar cansado e nunca consigo passar pela defesa do Baltazhar.
[Seu treinamento é mais intenso, claro que é mais difícil também, mas você não pode desanimar. Se fosse para desistir, era melhor nem ter ganhado do Necromante de Cascos Fendidos da masmorra.]
— Você sempre me animando… Merda, não consigo dormir, vou ter que dar um passeio pra esfriar a cabeça.
Ajeitou o seu quimono de dormir e calçou as chinelas de madeira. Cada passo seu provocava o barulho da madeira da chinela batendo contra a do piso.
Desceu as escadas do templo lentamente e parou de repente ao ver a figura de Lou Xhien na sala. Ia falar com ela, mas parou ao ver que a garotinha dormia profundamente.
Sob os braços que usava como travesseiro, estava um tecido branco que ela vinha trabalhando há algum tempo, mas nunca permitiu que Kurone soubesse o que era.
Sentiu-se tentando a movê-la e verificar o que ela costurava, porém conteve seus instintos. Ela ficaria zangada se aquilo fosse um presente, ou o jovem poderia danificar ao pegar. “Ou ela pode começar a gritar desesperada, achando que sou um assediador.”
[Acho que não, você só gosta das que tem um busto “avantajado”, não é?]
— Nie, você anda lendo meus pensamentos quando tô com a Lou Souen?
[Você sabia que a sua excitação passa para mim também? Eu sinto formigamentos quando aquela sacerdotisa encosta em você para lhe ensinar a jogar e…]
— Beleza, beleza, o papo tá ficando estranho! — Segurou a boca e olhou rapidamente para verificar se a menina de cabelos rosas ainda dormia após o seu grito. — Bora sair logo daqui — sussurrou junto a um suspiro.
O ar do exterior estava frio após a tempestade provocada por Lao Shi. O homem dormia no terceiro andar do templo, em um quarto em frente ao de Lou Xhien.
Encheu o pulmão de ar frio e o soltou devagar, sentiu um alívio ao fazer aquilo. Apoiou o braço artificial nos cabelos médios de mechas brancas e os balançou enquanto encarava o céu.
— Eh? Nie, eu tô ficando louco? Se não me engano, aquela lua era verde, não? E também lembrei que, quando eu tava na mansão do Edward, ela era prateada.
Jamais prestou a tenção no luar enquanto estava em Andeavor ou em Eragon, pois ele sempre parecia distante. Mas no Continente Oriental era diferente, aquele astro tomava uma parte considerável do céu, impossibilitando o ato de alguém ignorá-lo.
A lua que agora se estendia no céu era uma esfera brilhante de cor azul. As fases da lua naquele mundo eram sinalizadas pela troca de cor?
Ficou boquiaberto enquanto encarava o brilho azulado no alto. Sempre havia algo naquele mundo para o surpreender.
— Também veio ver a Sucessão Lunar? — Uma voz o fez tirar a atenção do astro incomum. Era Hime, que vestia um quimono de dormir semelhante ao seu, porém posto de maneira relaxada. — Quando cheguei nesse mundo, eu fiquei assustada quando vi a Sucessão pela primeira vez. Mas depois isso se tornou algo meio que religioso, eu assitia todas — explicou com nostalgia na voz.
— Sucessão Lunar?
— Lou Xhien nunca te ensinou isso? É senso comum. Nesse mundo existem cinco luas, cada uma de cores diferentes. Reia, a lua verde; Themis, a lua amarela; Jarnsasha, a lua vermelha; e Hipérion — ela apontou para o astro azulado — a lua azul. Dizem que faz mal apontar para a lua azul. A “Sucessão Lunar” acontece a cada três meses.
— Reia, Themis, Jarnsasha e Hipérion… Pera aí, você falou que eram cinco luas, mas só falou o nome de quatro. — Olhou confuso para a sacerdotisa de cabelos loiros encarando a lua azul.
— Sério? Eu devo ter cometido um engano, são apenas quatro. — Ela tentou mudar de assunto, mas decidiu ficar em silêncio ao ver a expressão do jovem. — O que foi? Não lembro de ter coxas atraentes como a sacerdotisa peituda para você me encarar.
Todo mundo sabia do seu complexo com as coxas de Lou Souen?
— De qualquer forma, está ficando tarde, me impressiona que você não esteja cansado após lutar por três dias na chuva. Eu vou tirar um ronco. — Hime virou as costas, mas parou ao sentir uma mão segurando firme no seu ombro direito.
— Eu ainda tenho o direito a uma pergunta, certo?
— Sim… espera, não me diga que vai gastar em algo tão bobo? Poder usar essa pergunta para saber mais sobre mim, se estou usando roupa de baixo ou sobre Lao Shi. Qualquer coisa.
Não confiava em Hime ou Lao Shi, mesmo que eles aparentassem estar do seu lado. Tinha pressentimento ruim em relação a eles. Se estivessem tramando algo, este algo prejudicaria Lou Xhien, Lou Souen e os orcs.
— Eu quero saber qual o nome da quinta lua e a cor dela. — Podia ter sido um deslize de Hime mesmo e a quinta lua talvez não existisse, ou ela poderia repetir isso até o jovem desistir, no entanto a mulher levantou as mãos em desistência e começou:
— Você não parece confiar muito em mim, mesmo eu tendo te resgatado em Eragon, mas, se eu fosse você, confiaria na Hime aqui, pois serei o único salva-vidas quando o nosso barco começar a afundar.
— O que te faz pensar que vamos afundar?
— Você ouviu o Lao, certo? Os demônios estão começando a dominar os reinos humanos, o que acha que vai acontecer se você derrotar um Arquiduque, Kurone? Acha que os demônios vão ter medo de você por matar um deles e deixar este lugar em paz?
— Eu mato quantos vierem. — “A começar pelo Belphegor e a Azazel!”
— Achei que você já tinha sofrido o suficiente para ter se tornado alguém realista, me enganei, ainda estou falando com um adolescente com Síndrome da Oitava Séria. Vá em frente com a sua brincadeira de se tornar o maior mago do mundo, ou seja lá qual for a sua alucinação.
Ela deu as costas para o garoto irritado e começou a andar em direção ao templo mais no fundo do local, onde compartilhava um quarto com Lou Souen.
— Tem razão, — aumentou a voz por conta da distância entre eles — posso ser um moleque ainda, mas prefiro ser um moleque cercado de amigos que um herói enrolado em uma cobra. Amigos não matam ao ver uma fraqueza, eles a cobrem, cobras tiram vidas na primeira brecha.
— O que é isso? Uma batalha de analogias? Está parecendo cada vez mais um moleque mesmo, quer me mostrar como aprendeu filosofia?
— Tô querendo deixar claro que não confio em você, Dama da Lâmina Cega. Hm? Por que a surpresa? Não imaginou que o Lao Shi ia me contar a sua alcunha?
— Eu podia te matar aqui mesmo, se é assim.
— Com a sua espada? — Lançou um olhar desafiador para ela.
Em todas as lutas que tiveram, Hime jamais usou a nodachi, a espada de tamanho anormal, sempre atacava com as mãos ou os pés. Sempre conseguia vencer, mas era estranho preferir usar os membros ao invés de uma arma que carregava logo na cintura. Perdeu a chance de ganhar algumas batalhas mais rápido porque não brandiu a lâmina.
Agora entendia o motivo daquilo: a espada dela não tinha fio. Lao Shi não explicou mais que isso.
A mulher não respondeu mais e, quando ia começar a andar novamente, escutou outro grito do jovem:
— Não tente me enrolar, diga qual o nome da lua. Regras são regras, eu ainda tenho direito à minha pergunta, senhorita Hime.
— Como quiser, mas esta será uma informação que você não pode andar comentando por aí, as pessoas são sensíveis, sabe? Consegue entender pelo menos isso, moleque?
Kurone aproximou-se para escutar as palavras ditas pela mulher, sabia que não teria uma segunda chance de escutar após a primeira vez.
— A maior de todas as luas é um astro prateado, semelhante, se assim posso dizer, à lua do nosso mundo. O nome dela é Astarte. — Após terminar, virou-se e finalmente se afastou do jovem.
“Reencarnação de Astarte.” O título que Elsie repetia com tanto desgosto voltou à sua mente. Aquele era algo bem presente em sua vida.
[Astarte… minha mãe. Por que você não perguntou mais nada?! Ela está indo embora!]
— Esquece. Só tinha direito a uma pergunta mesmo, não ia adiantar.
Não adiantava apelar para à sabedoria de Annie também. No último mês, quando se encontraram novamente no interior da mente do jovem, naquele mundo paralelo anormal, Kurone escutou histórias de quando a deusa vivia na Terra… ou pelo menos esperava escutar isso.
O desespero tomou conta da garota quando ela descobriu que perdeu metade das suas memórias. Tudo relacionado à sua mãe, Astarte, desapareceu, restando apenas o nome e a relação sanguínea que tinham.
Segundo Annie, suas memórias provavelmente ficaram seladas em seu Seol. Alguém retirou as memórias da sua alma de propósito antes de aprisioná-la no Hangar dos Mortos.
— A gente voltou pra a estaca zero, então, ahh! — Deixou um barulho desanimado escapar.
A partir daquele momento, adicionou a tarefa “Saber quem é Astarte” em sua lista de a fazeres. Sabia que ela era o elo que ligava Rory a tudo o que acontecia naquele mundo. Sendo assim, só precisava matá-la para que a loli delinquente pudesse viver em paz?
Com aquele pensamento distorcido, retornou ao seu quarto.