Raifurori Brasileira

Autor(a): NekoYasha


Volume 3

Capítulo 128: Resultados De Dois Meses De Treinamento

A chuva escorria pelos seus cabelos molhados, fazendo as feridas presentes no rosto arranhado arderem. 

O corpo tremia. Estava ali há dois dias, os suprimentos estavam no fim e o corpo adoecia lentamente por conta das gotas de chuva. A garganta estava ferrada, no entanto não desistiria, não de novo. Não pelo sabe-se-lágésima vez.

[Inimigos a duzentos metros!]

— Inimigos se aproximando! — forçou a voz rouca, dando ordens com as mãos para o orc de tapa-olho, Berthran. — Comigo! — gritou para a jovem guerreira no outro lado.

Os passos de alguém correndo pelo chão úmido foram escutados após dois minutos, tempo suficiente para Kurone, Berthran e Ayshla se posicionarem nos arbustos.

O inimigo era uma garota de cabelos negros presos em um rabo de cavalo, o kosode branco e o hakama vermelho estavam repletos de lama. Ela notou a presença do trio e entrou em guarda.

Ayshla puxou o cutelo largo e atacou a garota, fazendo-a recuar com mortais e giros rápidos, porém ela já era aguardada por Berthran, que brandiu a katana para abrir a cabeça em duas bandas. A jovem de hakama, Lou Souen Eiai, esquivou-se mais uma vez e saltou em uma árvore próxima.

Assim como Kurone, ela ofegava, os cabelos molhando prendiam-se na testa, o kosode encharcado, quase transparente, se não fosse pela lama, revelava os seus seios voluptuosos.

Ela analisou todo o cenário, provavelmente em busca de Kurone. Algo não estava certo, eles ficaram muito tempo na defensiva para atacar tão de repente.

— Merda! Ayshla, segure ela. Venha comigo, Berthran! — bravejou percebendo qual era o plano deles. 

O jovem e o orc de tapa-olho correram pela lama, a chuva aumentava a intensidade, tornando o campo de visão turvo. Um deslize ali seria mortal, poderiam torcer a perna ou quebrar alguns ossos importantes, Kurone sabia disso por experiência própria de combates anteriores. 

[O que está acontecendo?!]

— Tão invadindo nossa base — respondeu ofegante, a voz baixando ainda mais. Sentia algo cortando o interior do pescoço sempre que proferia uma vogal.

Materializou a Boito .20 e puxou a katana da cintura, estava pronto para acabar com todos desta vez, não perderia mais. Se os eliminasse ali, a base deles ficaria livre.

— Aonde vai com tenta pressa? — A voz o parou e a dona saltou de uma árvore e aterrissou, impedindo a passagem de Kurone, empurrando-o para trás com um chute da sandália de madeira.

Berthran nem esperou ela estabilizar-se e saltou com a sua lâmina, logo rebatida pela espada inimiga. O orc deslizou pela lama após também receber um chute na região do estômago.

Pow! Kurone atirou deixando seu braço subir e descer em um giro. “Rápido e focado”, fora assim que o seu novo mestre, Lao Shi, ensinara. Avançou com cuidado na lama para cortar a sua inimiga.

O jovem e a mulher trocaram cortes de espada e socos, mas o garoto foi afastado por uma flecha presa no ombro. Rolou pelo chão molhado, cuspindo lama e sentindo o rosto rasgando ainda mais.

Olhou na direção da origem da flecha e localizou um orc encapuzado segurando um arco. Era Bhor. Provavelmente, a flecha que ele arremessou estava envenenada.

— Mestre! Tudo bem? — questionou Berthran, com uma expressão de preocupação.

— Sim… Argh… Sim, tô bem. — Não, não estava bem. O corpo estava no limite, lutar contra eles por três dias seguidos era um inferno, mal conseguia se manter de pé.

A mulher com a espada longa, Hime, recuou e um orc com dois metros pousou no meio do campo de batalha como uma muralha impenetrável. Baltazhar, Bhor e Hime, três contra dois, mas considerando o estado atual de Kurone, seria apenas três contra um.

[Não! Você não está em condições de usar o Olho Sagrado! E nada do Ápice também, nós perdemos novamente, renda-se.]

Lao Shi ensinou-lhe técnicas de como ativar o Ápice da Mana sem a necessidade da máscara, porém era algo desgastante e arriscado, sem falar que não era nem 30% do original. Desisti ali era a escolha mais lógica, mas Kurone nunca foi dos mais racionais.

Avançou em Baltazhar desmaterializando a escopeta de cano cerrado e atacando-o com as mãos limpas, direcionando uma quantidade insana de mana para aquela região. Foram trinta socos furiosos consecutivos.

Porém, o ataque quase não fez efeito contra a Defesa Impenetrável, habilidade exclusiva do grande orc. Bhor, ainda no alto da árvore, aproveitou-se da brecha e atirou outra flecha no jovem.

Foi tarde demais, Berthran não conseguiu proteger seu mestre. O projétil perfurou o outro ombro do garoto, jogando-o para trás e dando a oportunidade para Hime lhe acertar outro chute.

Recusou-se a cair. 

Mesmo tendo o corpo arrastado pela lama após o chute, enrijeceu os músculos da barriga e das pernas para se manter de pé, transferindo mais mana para a região. O sangue de ambos os ombros caíam devido às duas flechas pressas a eles.

— Você é duro na queda, vamos ver quanto tempo vai conseguir aguentar — comentou Hime, tirando o excesso de água do cabelo. A chuva tornou-se uma verdadeira tempestade, com direito a ribombar ferozes de trovões e clarões fortes no céu escuro.

Kurone olhou com ódio para o grupo à frente. O maior obstáculo ali era Baltazhar, apesar de o gigante não ser ágil, era difícil derrotá-lo para atacar os outros na retaguarda.

[Kurone! Atrás de você!]

Com o aviso de Annie, saltou escorrendo pela terra molhada e quase caiu. Se não esquivasse, teria o peito atravessado pela lâmina de Bramman, o orc especializado em se esgueirar e executar.

Vapor subiu pelo ar tomado pelas gotas de chuva e o orc assassino desapareceu como um verdadeiro ninja.

Apenas aquele monstro conseguia passar imperceptível pelo Olho Sagrado ou sua sensibilidade em perceber a aura de inimigos.

O número aumentou para quatro inimigos, se Ayshla perdesse contra Lou Souen, algo improvável, seriam cinco contra um.

Ofegava, subindo e descendo os ombros feridos. Estava encurralado novamente, a experiência daqueles guerreiros era uma grande vantagem contra o jovem novato naquele mundo e nos combates.

Só havia uma saída, imploraria para aquela máscara escondida no interior do seu ser, assim conseguiria igualar sua força com o Ápice da Mana.

[Não!]

— Certo, certo, acabou. O time vermelho venceu novamente. — Lao Shi desceu do céu como um deus e aterrissou no campo de batalha, os braços estavam abertos, poderia ser a imagem de uma ser divino benevolente estendendo as mãos para os humanos.

A chuva sequer tocava ele.

Lentamente, o céu escuro clareou e a tempestade cessou, revelando o rosto sujo dos guerreiros em meio à lama. O homem meneou a cabeça para o outro lado da floresta, lá estava Lou Xhien Li segurando um estandarte azul.

— Droga! Menina maldita, eu esqueci dela! — praguejou Berthran.

O corpo do jovem atingido por duas flechas nos ombros titubeou e foi ao chão repleto de lama, mal conseguia mover um músculo. Suas forças acabaram no dia anterior, quando enfrentou Baltazhar em uma luta séria.  

Lou Xhien correu rapidamente e, aproximando-se do jovem caído, começou a curá-lo. Ela mantinha uma expressão de preocupação para alguém que lhe acertou uma pedra no primeiro dia, quando se encontraram no centro da floresta e a chuva ainda se iniciava.

Kurone fechou os olhos e suspirou, aguardando a cura da menina fazer efeito.

Passou-se dois meses desde que começou aquele treinamento infernal com Lao Shi, o Arquifeiticeiro Grau 10. 

Os primeiros dias foram de intensa preparação física, com flexões em diversas posições, agachamentos com pedra acopladas às costas, abdominais por longas horas seguidas e cem voltas pela ilha Lou Souen.

Enquanto os outros treinavam com foco em suas respectivas Classes, o mestre explicou-lhe que precisava dominar todos os elementos, pois ele era um caso raro. Força física, espiritual, intelectual, psicológica e a mana. Se dominasse tudo, Kurone seria um dos guerreiros mais fortes daquele mundo. 

O problema era que nem Lao Shi dominava todos.

Os treinamentos na metade do primeiro mês começaram a ser em conjunto. Vendo de fora, uma pessoa desavisada diria que eram jogos simples como pega-pega, cabo de guerra ou capture a bandeira, no entanto o sangue derramado ali não era de mentira, e Lao Shi levava aqueles “jogos” muito a sério, não aceitava nenhuma infração das regras.

Como Lou Xhien dominava a cura avançada, eles tinham a permissão de lutar com tudo, contanto que não decepassem membros um dos outros, algo que a princesa das garotas artificiais não conseguia recuperar com sua magia, nem nenhum outro humano.

Kurone ainda sentia um formigamento pelo corpo, apesar de não ter mais as marcas dos cortes que levou de Bramman, aquele orc era mestre no esconde-esconde, ele aproveitou-se do fato do jovem ainda ter a habilidade de recuperar o braço esquerdo, mesmo se fosse tirado fora.

Embora fizesse dois meses, raramente Kurone ganhou um dos “jogos” de Lao Shi, pois quando ele não estava sozinho contra um grupo formado por todos, seus companheiros tinham restrições ou não eram adequados para a situação, mais atrapalhando do que ajudando.

Apesar de tudo, sentia que o treinamento dava resultados. Seu corpo fraco aumentou alguns centímetros, os músculos não cresceram muito, dando-o o aspecto de alguém magro, porém eram bem firmes e fortes por baixo daquele quimono branco. O abdômen ficou trincado após as longas sessões de treinamentos infernais, assim como as pernas e os braços.

As mechas brancas nas pontas cresciam conforme seu cabelo aumentava o volume. Podia dizer agora que o seu cabelo era médio, a franja passava do nariz, por isso precisou amarrá-lo para trás, em um coque samurai que achava ridículo.

Deixou apenas as pontas esbranquiçadas laterais caindo. Segundo Annie, seu cabelo crescia tão rápido devido ao pacto com uma mulher. Percebeu também que seu rosto estava realmente diferente, era 50% Annie e 50% Kurone, porém mesclado para criar algo novo. 

Temia se um dia teria um rosto muito afeminado.

Sentou-se com dificuldade e viu os seus companheiros limpando os rostos repletos de lama e sorrindo enquanto comentavam sobre a batalha. Aquilo era reconfortante, apesar daquelas pessoas tentarem lhe matar há alguns minutos.

Talvez conseguiriam matar o Arquiduque do Inferno, Asmodeus di Laplace. Lao Shi lhe deu o prazo de seis meses para dominar o Ápice da Mana, tempo para que o muro fosse quase totalmente erguido nas laterais da ilha.

“Eu vou preciso me esforçar mais, não, Nie?”

[Sim, mas nós vamos conseguir.]



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