Volume 3
Capítulo 126.1: Aslan Redleaf
— Tô perdendo a paciência, moleque, tá querendo uma pica nesse teu rabo sujo também?! — gritou o capitão Redleaf, no entanto não conseguiu fazer Raul mover sequer um centímetro.
Os olhos do garoto oscilavam entre o enorme homem moreno e o sereno mordomo de cabelos brancos. Por fim, mirou a empregada com uma torrente de lágrimas descendo pelo rosto delicado.
Quem estava certo ali?
Ir contra o capitão era ir contra sua mestra, Azazel van Elsie, então por que apenas não deixava o homem fazer o que bem entendesse com a empregada, afinal havia outras cem empregadas como aquela no castelo.
O problema seria a aparência dela? A cor do cabelo e os olhos que lhe lembraram de Noah?
Sabia que, se fosse contra sua mestra, Baal não hesitaria em tirar a sua vida, ele tinha a capacidade e o direito de fazer isso.
Em meio àquele conflito, lembrou da única pessoa em que confiava realmente, sua irmã mais velha. Reviu as diversas vezes em que ela, mesmo sendo uma traficante perigosa, ajudou os mais fracos das favelas de Fallen.
A lembrança foi como um gatinho apertado no fundo da sua cabeça.
Claro, não importava se era um demônio, traficante ou um humano comum, o importante era fazer o que achava certo.
Agora entendia o que Baal queria dizer com aquela história.
Raul era como os demônios do passado, pegou emprestado o poder de seres maus para conseguir lutar. Mesmo agora tendo sangue demoníaco correndo em suas veias, ainda mantinha sua humanidade no interior da mente.
A única que merecia ser torturada até a morte era Sophia Sophiette Sophys III, a maldita Santa da Espada que matou Ruthy.
A grande ambição da sua irmão era lhe dar um bom futuro, um futuro onde pudesse sentar sob a sombra de uma árvore, em um campo verde de Andeavor, e desfrutar de um piquenique repleto de sorrisos. Com certeza aquela jovem que aceitou seguir a vida no tráfico não gostaria de ver o seu irmão matando pessoas inocentes.
Ela nunca recuou, mesmo quando não tinha chance vencer, foi assim na batalha contra a marquesa Sophiette. Ruthy lutou até o fim na esperança de derrotar a oponente e chegar a tempo para salvar Noah.
Raul era um criança indefesa naquela época, não podia ajudar sua irmã ou salvar a garotinha que considerava uma irmã. Assistiu toda a luta com lágrimas, amaldiçoando a si mesmo por ser fraco, mas também impressionado com a nobreza de Ruthy.
Não era mais aquela criança assustada das favelas de Fallen, tornou-se o discípulo da Presidenta do Inferno, alguém com uma habilidade comparada à de um Mestre das Lâminas de Nova Canaan.
Cerrando os dentes e montando uma posição de batalha, tocou o punho da espada em sua cintura, direcionando um olhar raivoso para o capitão Redleaf.
Odiava pessoas como ele, sempre odiou, era como os homens que abusavam das garotas indefesas de Fallen. Um dos poucos nobres que admirava era Edward Soul Za, mas agora questionava-se se esta admiração não era apenas a gratidão pelo marquês lhe dar a chance de armar uma cilada para Sophia.
— Vejo que o jovem mestre decidiu-se. — Baal direcionou o único olho aberto de leve para o garoto. Ele ainda não atacaria, afinal Raul não atacou o capitão. Ainda havia chance de voltar atrás, fechar aquela porta e ignorar os gritos de desespero da empregada e as gargalhadas do homem.
— Eu vou cortar tuas pernas e fazer você assistir eu fodendo essa menina, moleque. Não tô nem aí se você é o cachorro daquela demônia, porra, só vou provar que você era fraco demais.
Aslan Redleaf pegou a espada ao lado da cama. O homem estava com todo o corpo bronzeado à mostra, apenas uma cueca cinza cobria seu membro ereto. A empregada não teve força de levantar, seus olhos marejados só puderam se arregalar e presenciar a lutar prestes a começar.
Baal ficou parado no canto da sala, provavelmente atacaria na primeira brecha para matá-lo, porém estaria preparado.
O capitão avançou como um raio, era alguém experiente nas batalhas, por isso focou na região do pescoço, a espada dele era mais larga e curta se comparada à de Raul.
Podia ler os pensamentos daquele espadachim apenas olhando para seus olhos acinzentados. Ele serviu à Guarda Real de Andeavor por mais de vinte anos, o título de capitão dos Cavaleiros Brancos não era um simples enfeite, era dado ao melhor guerreiro da Guarda.
Em contrapartida, Raul era um garoto das favelas de Fallen adotado por Sophia.
Só estava ali hoje por ter a sorte de encontrar a Presidenta do Inferno quando estava preste a morrer. Estava claro o resultado da batalha… para alguém que não conhecia a trajetória daquele jovem.
As lâminas se encontraram e o som de metal batendo contra metal reverberou pelo ar do quarto médio. O corpo de ambos perdeu o equilíbrio por conta do movimento do tapete vermelho em seus pés.
O garoto saltou para o lado e, tomando impulso na parede, voltou rapidamente em direção ao homem. Enfim o capitão percebeu que aquelas brechas na postura do inimigo não eram brechas, aquele era o estilo de luta de um Sophiette, deixando falsas aberturas para enganar os oponentes.
Todos os movimentos de Raul eram uma enganação, ele focava no cotovelo e na região da patela, golpes ali reduziriam a mobilidade e força de Aslan.
A batalha estava equilibrada, o capitão conseguia defender, porém Raul fugia do seu alcance antes que ele tivesse a oportunidade de esquivar.
— Parece que a puta da Sophitte te ensinou a balançar uma espada, moleque… ou foi aquela demônia? — arfou o capitão segurando a espada com as duas mãos. A irritação era clara no seu semblante, estava lutando de igual para igual contra aquele garoto favelado.
Chegando ao lado da janela, Raul arremessou a espada em linha reta, em direção à cabeça do oponente. A arma mudou de trajetória ao entrar em contato com a lâmina do capitão.
— Tsc, parece que te superestimei, como vai lutar sem a tua espada…
O deboche de Aslan foi interferido por um punho tocando a sua bochecha e rasgando nos dentes. Mal teve tempo de resposta, um set de oito socos fez líquido vermelho escorrer do nariz. O grande corpo musculoso foi arremessado com uma joelhada da armadura metálica.
O capitão bateu as costas e a parte de trás da cabeça na parede e, no mesmo instante, foi puxado novamente e recebido por mais oito ataques e outra joelhada, jogando-o de volta ao concreto.
— Co-como, — apalpou o sangue escorrendo pelo seu rosto — como um cachorro igual você conseguiu me ferir, eu sou o nobre capitão dos Cavaleiros Brancos!! — rugiu brandindo a espada em direção ao jovem.
Raul esquivou do golpe dando uma rasteira rápido e deixando o tapete vermelho carregar o corpo pesado do homem ao outro lado do quarto. Pegou sua espada fincada na cama e a direcionou para o inimigo levantando.
Raiva. O rosto de Aslan continha uma raiva genuína contra o garoto, ele apertou o punho da espada em mãos com uma força que poderia quebrá-lo.
Como lutava assim? Um sorriso formou-se no rosto do jovem. Aquele homem, um nobre nascido em berço dourado, desde cedo treinado pelos melhores instrutores de espada do reino, jamais entenderia.
Ele não sabia o que era acordar todo dia de madrugada e balançar uma espada até a madrugada do outro dia. Ele não socou a madeira das árvores imaginando que era o rosto da marquesa Sophiette. Aquele cavaleiro nunca treinou o corpo ao limite ou experimentou a sensação de quase morrer.
Vingança movia Raul, por isso se esforçava ao limite. Um homem comum, sem ambições e com a vida ganha, nunca se esforçaria como ele, afinal sua vida era fácil demais para ser posta em risco com um treinamento infernal.
Aproveitou-se da oportunidade e aprendeu o estilo de luta dos Sophiette, mesclando-o ao seu em seguida. Um dia ainda cravaria um punhal no peito de Sophia usando aquele estilo.
O cavaleiro foi afastado por um chute do garoto no rosto e um dos seus dentes voou. Cada golpe daquele favelado feria o orgulho de nobre dele, por isso Raul só aumentava o seu sorriso, queria ver pessoas como aquela sofrendo e vendo que não passavam de porcos com títulos bonitos.
— Axa mesho que vou deixa você venxer, moleque? — rosnou com a voz patética devido ao nariz quebrado e à falta de alguns dentes.
Sem perder tempo, ele efetuou um corte horizontal em direção ao pescoço da empregada no chão. Foi muito rápido, Raul jamais chegaria a tempo para impedir.
Perdeu a garota que tentou salvar seria decapitada, pensou assim antes mesmo do fio tocar a carne dela.
Seus olhos quase fecharam em desistência, porém o golpe do capitão foi parado pelo mordomo de uniforme negro com dois dedos.
— Hããã!? — Olhou desnorteado para o homem quinze centímetros mais baixo que ele, de olhos quase fechados, sorriso no rosto e postura ereta. — Vo-voxês xão monxitos!
Deixou um suspiro de alívio escapar, nem ficou impressionado com Baal, viu como ele lutou contra Edgar apenas com as mãos limpas, era um lutador excepcional mesmo sem nenhuma arma branca.
— Creio que vi o suficiente para me certificar que a humanidade do jovem mestre permanece imaculada em seu ser. — Ele abriu os olhos castanhos lentamente. — Jovem mestre, não permitirei que o mate, o senhor precisa do poder de senhorita Azazel. Leve a garota para fora, preciso conversar com este homem.
Raul não questionou, piscou algumas vezes e, ajudando a empregada a ficar de pé, a levou para fora. Sentiu todo o corpo da garota tremendo e as lágrimas banhando todo o rosto bonito. Bastou sair do quarto para ela começar a soluçar e chorar como uma criança.
Seu peito ficou quente. Salvou alguém com a sua força, evitou que uma vida fosse perdida e provou seu valor a Baal.
Estava pronto para perder o pacto que tinha com sua mestra, porém aquele mordomo evitou isso, precisava agradecer a ele mais tarde… bem mais tarde.
No corredor, deixou que a garota ficasse abraçada em sua armadura fria e metálica dos Cavaleiros Brancos enquanto chorava.
Por algum motivo, só conseguia lembrar da pequena Noah chorando quando Ruthy a salvava dos lobos ferozes da floresta perto e Fallen. Ela era imprudente, saía para coletar flores em um lugar tão perigoso.
— Tudo bem, tudo bem, passou — falou enquanto afagava os cabelos castanhos curtos da empregada.
— Maldito cachorro da demônia! — rosnou Aslan Redleaf pondo o nariz no lugar rudemente com as mãos grossas e bronzeadas — Ele ainda vai me pagar, vou matar aquela puta bem na frente dele e… Argh!
Uma dor excruciante tomou conta do seu ser. Sentiu a garganta queimando e, instintivamente, voltou os olhos para o mordomo perto de si. As luvas brancas estavam repletas de sangue, por isso o homem limpou-as com o lenço que carregava no bolso.
Tocou a região onde sentia a dor e a sensação de algo morno tocou seus dedos grandes. Arregalou os olhos, horrorizado, tentava gritar, mas nada saía além do sangue.
— Foi um corte limpo — começou o demônio —, mas reduzi a força, cortei apenas um pouco da sua garganta. — Slash! O mordomo moveu a mão em um golpe rápido e outra dor percorreu o seu corpo. — Oh, eu tentei me conter, mas não consegui.
Teve outro corte na região da barriga e sentiu algo pesado batendo contra o chão. Tentou gritar “Meu braço!”, mas nada saía da garganta cortada. As mãos daquele mordomo eram como as mais afiadas das espadas lendárias.
— Perdão, perdão, é o suficiente. Acabarei com o seu sofrimento em mais dez ou vinte cortes — comentou fazendo outro movimento e cortando a região da virilha do homem.
Um grito estrondoso de desespero ecoou pelo castelo.