Volume 3
Capítulo 126.2: Capitão Dos Cavaleiros Vermelhos
— O-o senhor de-devia fazer suas tarefas agora, eu… eu já estou melhor — a empregada falou com a voz rouca. Os olhos estavam arroxeados devido ao longo tempo que passou chorando e ferrou a voz com os gritos. Lentamente, seu rosto começou a ficar vermelho por conta da vergonha de chorar nos braços de Raul.
Ela era quatro ou cinco anos mais velha que o jovem, no entanto, apesar de tímida, gostava de conversar com ele toda manhã, quando chegava para limpar o quarto e fazer a cama.
O garoto ficou de pé, ainda encarando a empregada. Passou o dedo na própria bochecha de maneira desconfortável e perguntou um pouco constrangido:
— Isso pode parecer meio rude, mas… qual é o seu nome?
Conversaram por tanto tempo e jamais teve a oportunidade de perguntar o nome dela.
Arregalando os olhos ainda marejados, a empregada enxugou um pouco das lágrimas e apresentou-se fazendo uma mesura ao tocar as bordas do longo vestido negro sujo com a terra do corredor:
— Noelle, Noelle Gotjail. Ah, eu entendo a surpresa, eu sou apenas uma bastarda de um dos falecidos filhos de Marta Gotjail, acho que a família nem sabe da minha existência, mas… obrigado, senhor Raul!
— Fiquei constrangido agora, você sabe o meu nome e eu…
— Não tem problema, eu não sou ninguém, a maioria dos empregados nem sabe o nome dos seus companheiros. — Ela virou o rosto para a porta abrindo e encolheu os ombros ao ver a figura de Baal com as luvas pingando sangue.
Ele ainda mantinha aquela expressão serena e escondeu as mãos nas costas ao notar o olhar deles.
Apenas ele saiu do quarto, ninguém precisava perguntar o que aconteceu lá, os gritos escutados há pouco foi o suficiente para eles terem um vislumbre do sofrimento que o capitão Aslan Redleaf teve antes de morrer.
O demônio matou o capitão dos Cavaleiros Brancos no lugar de Raul, assim o protegendo de perder o pacto da Presidenta do Inferno.
Seus instintos estavam certos, Baal era confiável.
Ele e o garoto fizeram contato visual, mas não trocaram palavras. Sabia o que ele queria dizer: “É melhor ir ver senhorita Azazel, ela não gosta de ficar esperando.”
— Se não for pedir muito, pode acompanhar ela até os quartos dos empregados?
— Como o jovem mestre quiser. Chamarei um empregado para limpar a sujeira no quarto do ex-capitão dos Cavaleiros Branco — o demônio falou pegando na mão de Noelle e conduzindo-a aos aposentos dos empregados.
Raul seguiu rapidamente para o caminho oposto, a caminho da sala do trono. Sua mestra odiava mentiras, então só diria que teve alguns contratempos no corredor, mas o que falaria se ela perguntasse os detalhes?
Um dos guerreiros mais fortes da Guarda Real de Andeavor teve a vida tirada por conta de uma reles serviçal, esta troca não tinha sentido. Se falasse o que não devia, podia até mesmo colocar Baal em problemas.
O passo aumentou, fazendo o barulho metálico da armadura aumentar. Ao longe, avisou uma cabeleira verde chamativa em frente à sala do trono. O verde se destacava em meio à máscara branca, que logo foi tirada do rosto, e as vestimentas negras.
A dona dos cabelos esverdeados franziu o cenho para Raul.
Aquela expressão era a de alguém que, se pudesse, já teria se livrado do garoto há muito tempo. Também não simpatizava com ela, mas precisavam se suportar, afinal tinham a mesma mestra.
— Está atrasado, humano — falou Azazel van Gyl em um tom de desprezo. Os olhos azulados o varreram de cima para baixo e cerraram ao chegar no seu rosto.
Os cabelos de cor incomum estavam trançados de maneira complexa e caíam pelo ombro. Diferente de sua mestra, aquela demônia só usava a sua Máscara Infernal nas missões, na maioria do tempo estava com o rosto exposto, como agora.
Odiava admitir, mas ela era atraente, ou, para um adolescente na puberdade, qualquer garota fosse atraente.
— Onde esteve? Seu rosto está nojento — ela provocou, impedindo a passagem do garoto. Um dia ainda se livraria dela, mas por enquanto ambos eram essenciais para os planos da Presidenta do Inferno. — Hã? Não vai me responder? Minha mestra deve estar impaciente.
— Sim, nossa mestra deve estar impaciente, então saía da frente logo antes que eu te tire daí à força — respondeu fazendo menção de puxar a espada da cintura.
Gyl era diferente de Baal, sabia que, se fossem sozinhos em uma missão, ela lhe mataria sem hesitar e daria a notícia a Azazel van Elsie que o seu novo discípulo perdeu a vida em um acidente ou algo assim.
A demônia abriu a porta e ambos adentraram a sala do trono, um ao lado do outro, iniciando uma corrida discreta. Ficaram de joelhos no centro de grande cômodo e, ao receberem a ordem, miraram a pessoa sentada no trono dourado.
O vestido havia encurtado um pouco desde a última vez que se viram, agora as belas pernas da Presidenta do Inferno estavam à mostra. A máscara metade preta e outra branca continuava no seu rosto.
Ao lado da demônia sentada com o queixo apoiado no braço, estava uma arma negra de mais um metro, a mortal Falx do Ceifador, e, flutuando no centro da sala real, o brilho do Orbe Amarelo de Eragon maravilhava a todos que ali adentravam.
Ali estavam dois dos itens mais poderosos do mundo, na mão de uma demônia tão insana quanto perigosa. Raul sabia que bastava usar a Falx para derrubar todo o exército rebelde nas terras de Sophiette, então por que sua mestra não fez isto?
— Vocês atrasaram, — começou a Presidenta, a voz saía claramente, apesar de estar abafada pela Máscara Infernal preta e branca — espero que tenham uma ótima desculpa, não podemos perder tempo com brincadeiras.
— Mestra Azazel…
— A Gyl tentou me envenenar, — interrompeu Raul. Sentiu os olhos azulados da demônia ao seu lado se voltarem para ele com ódio — acordei com muita dor de barriga, pensei que fosse morrer. A Gyl deve ter tentado me envenenar no jantar.
Elsie apenas balançou as mãos dizendo “De novo?”, porém Gyl foi mais rápida e rebateu:
— É mentira, mestra Azazel, os empregados verificam toda a comida que é servida, eles detectaram o veneno que eu tentei usar na semana passada.
Calafrios percorreram sua espinha.
Era apenas uma desculpa para proteger Baal e Noelle, mas acabou descobrindo que poderia ter morrido por envenenamento mesmo. Jamais comeria antes de verificar a comida de novo.
— Gyl, minha querida, nunca mais faça isso, entendeu?
A demônia de cabelos verdes tentou contestar, mas ficou intimidada pela aura hostil da sua mestra e recuou, abaixou a cabeça e aceitou a repreensão de algo que não fez. Na verdade, tentou fazer e falhou.
— Já que ninguém se machucou, podemos falar sobre a próxima missão dos meus queridos discípulos. — Ela levantou do trono e foi em direção à janela no canto da sala. — Sejam sinceros, o que acham do nosso exército?
— Humanos são seres fracos, mas são perfeitos para criarem escaramuças e abrirem a passagem para os lutadores de verdade — respondeu Gyl fazendo um rosto de nojo toda vez que falava “humano”.
A Guarda Real de Andeavor era conhecida como a segunda Guarda mais forte do Continente Ocidental, perdendo apenas para a de Nova Canaan, uma organização repleta de verdadeiros bárbaros sanguinários.
Em qualquer outra situação, venceriam sem problema, porém havia nomes de peso nos rebeldes de Sophiette.
Sophia, a Santa da Espada, era um dos guerreiros inimigos mais poderosos. O Demônio do Oriente e a Besta Negra também seriam trabalhosas, provavelmente reduziriam muito o exército o de Elsie. E havia a vampira…
— Concordo com essa demônia, são fracos. — Lembrou da sua luta recente contra o capitão dos Cavaleiros Brancos. O nível de Raul era inferior ao de Sophia e, mesmo assim, conseguiu derrotar Aslan Redleaf, embora ele estivesse um pouco debilitado pela ressaca.
O capitão dos Cavaleiros Negros, o capitão dos Cavaleiros Azuis e o líder geral da Guarda Real, estes eram os únicos que conseguiriam bater de frente contra a lendária Besta Negra.
Talvez os vices-capitães conseguiriam matar Sophia, mas com certa dificuldade, ainda mais agora, que ela utilizava os Tesouros de Karllos Sophiette.
Teriam a ajuda de alguns reinos vizinhos, mas ao que tudo indicava, Nova Canaan estaria ao lado dos rebeldes de Sophiette nesta batalha. Não conseguiriam vencer sem perder, no mínimo, 90% da Guarda Real.
— Pegue — Azazel van Elsie jogou uma medalha dourada para o jovem Raul. — Você agora é líder dos Cavaleiros Vermelhos, treine estes homens e transforme-os em máquinas de guerra, faria isto por mim?
Não existia uma ordem chamada “Cavaleiros Vermelhos” na Guarda Real de Andeavor, ele estava sendo designado para criá-la? Mas entendia que, se desse o mesmo treino infernal que teve a homens comuns, mataria todos.
— Perdoe-me, mestra Azazel, mas nobres não nasceram para suportar treinamento intenso. Vão morrer na primeira semana.
— Hã? E quem falou em nobres? Por isso chamei a Gyl aqui, vocês vão para o mesmo lugar, um verdadeiro ninho de guerreiros em potencial: as ruas escuras de Fallen — A Presidenta do Inferno caminhava enquanto gesticulava exageradamente.
— Uma missão com essa coisa?! — Raul e Gyl protestaram em uníssono trocando apontamentos de dedos e expressões de desprezo.
Uma missão ao lado daquela demônia de cabelos verdes era a pior coisa que poderia acontecer.
— Me-mestra Azazel, não teria outra missão para este humano? Eu não desejo isso, por favor, mestra.
— Já está decidido, vocês são os únicos que podem executar isso, meus preciosos discípulos.
As últimas palavras da demônia fizeram Gyl corar e pôr a mão no rosto bonito para esconder a vergonha. Aquilo era verdade, a única que pessoa naquele mundo que ela sentia amor era a Presidenta do Inferno, sua mestra, e Raul era um empecilho em seu caminho, alguém roubando o amor que a pertencia.
Gyl mataria e morreria por sua mestra, no entanto Raul hesitaria em fazer isso, não era tão leal assim àquela mulher, talvez fosse a Edward, mas ela foi quem o deu uma segunda chance e agora o título de capitão dos Cavaleiros Vermelho.
— Se é assim, então eu suportarei essa coisa até o fim dessa missão, mestra Azazel. Dê-me os detalhes — falou o garoto com determinação nos olhos.
— Como ousa me chamar de coisa?!
— É assim que gosto de ver, bem animados. Muito bem, só precisam fazer o seguinte…