Volume 3
Capítulo 122: Regressor Da Masmorra
Lou Souen Eiai era sempre a primeira a chegar ali.
Quando o sol começava a iluminar as ilhas Lou Xhien, ela levantava, passava no seu “templo de meditação” para tomar uma xícara de Camélia fumegante e seguia para o interior da floresta de folhas rosadas.
Chegando no local, parava e encarava o torii vermelho com a fenda aberta, emanando mana pela ilha e fazendo o seu corpo artificial formigar.
Não entendia.
Não importava o quanto tentasse raciocinar, não conseguia compreender o que era aquele incômodo no peito que sentia toda vez que encarava o portal avermelhado. Chegou a cogitar a ideia de estar doente, mas isto era pouco provável, garotas artificiais não adoeciam, nem deviam ter emoções.
A última vez que sentiu aquilo foi pouco antes de perder Lou Xhien Xhian, o pai de Lou Xhien Li, mas não conseguia admitir aquilo. Finalmente estava sentindo algo?
Passou anos tentando entender as emoções humanas, querendo experimentar o que eram “sentimentos”, mas agora tinha medo deles, pois eles a faziam ter medo. Seu corpo estava inquieto, quase não conseguia manter a sua postura com expressão séria enquanto encarava a entrada da masmorra.
No fundo, rezava para que o jovem voltasse logo. Ele foi uma das únicas pessoas que tirou um tempo para jogar com a garota mesmo em meio àquela crise, mesmo tendo acabado de acordar do desmaio.
Sentiu que ele era diferente assim que o viu. Naquele dia, Hime, a mulher que se aliou a elas recentemente, jogou um jovem com o corpo repleto de sangue no meio do seu “templo para meditação” dizendo para Lou Xhien usar magia de recuperação nele logo.
Ficou atordoada encarando aquele garoto. Mesmo com o corpo destruído, ele se recusava a morrer, o coração batia por mais que não houvesse uma alma habitando o cadáver.
Ele era uma amostra do auge das emoções humanas, por isso resolveu usá-lo como um dos seus experimentos, assim como fazia com alguns dos visitantes da ilha, por isso o recebeu com a frase “Bem-vindo, meu noivo”. Ficou satisfeita com a reação dele.
Arregalou o rosto ao perceber o que fez. Enquanto relembrava os momentos que teve com Kurone Nakano, moveu a boca involuntariamente, formando um sorriso que não condizia com os seus olhos rubros, frios e mortos.
Levou as mãos finas aos lábios e acariciou-os de leve, sentindo a maciez e o frio deles, surpresa com os próprios atos. O seu experimento, aquele garoto estrangeiro, a afetou muito.
— Não devia esconder este sorriso, fica lindo no seu rosto, garota artificial.
Uma voz desconhecida ecoou pela floresta, fazendo-a olhar para os lados à procura do dono. Era a fala de um homem, mansa e limpa, as palavras saiam uma após a outra, indicando que o emissor teve uma boa educação e dominava a língua do Continente Oriental, diferente de Kurone, que tinha um sotaque estrangeiro.
Os olhos pararam em uma das árvores, a maior daquele local. No seu galho, uma ave de penas negras, peito e cabeça branca e garras afiadas a encarava com os brilhantes olhos dourados.
Saltou montando uma pose de batalha comum da arte marcial usada pelas garotas artificiais, algo deixado por seu criador, Karllos Sophiette.
A posição consistia em manter a mão direita aberta para frente e a esquerda fechada próxima ao peito voluptuoso. As pernas ficavam flexionadas, ocultas pelo hakama vermelho, pronta para impulsionar-se e levar o corpo em direção ao inimigo. O segredo daquela arte marcial era manter o foco, usando a mão aberta como a mira de um arco.
O animal a analisando era o mesmo que viu ao sair do templo. Pelo que Hime e Kurone explicaram, ele pertencia ao Arquiduque do Inferno que tomou posse da ilha, então aquela voz que ouviu há pouco só podia pertencer a…
Uma pressão anormal preencheu o lugar antes que pudesse concluir sua linha de pensamento. Escutou o som de passos ficando mais alto e olhou para a origem daquela desordem: um homem caminhando tranquilamente de olhos fechados.
O ser em questão vestia um lindo quimono branco com detalhes azuis, os longos cabelos negros caíam graciosamente, mostrando que não foram penteados de qualquer jeito, o homem passou longas horas o arrumando.
Ele abriu um pouco os olhos de aparência preguiçosa e direcionou as pupilas azuis-escuras para a garota. Um largo sorriso lhe estampava o rosto fino.
— É perigoso ficar perto destes portões, já ouvi muitos relatos sobre pessoas que caíram acidentalmente em masmorras assim — advertiu com sua voz serena e pausada.
As mãos delicadas do homem estranho seguravam um copo com um líquido verde liberando vapor. Não havia dúvidas, ele passou no templo e pegou um pouco e Camélia.
— Foi a senhorita quem fez? — perguntou movendo os olhos de cílios longos para o objeto em mãos. — Está com um sabor divino, admito.
A aura que aquele homem emanava contrastava com a sua aparência calma, ele poderia sufocar facilmente alguém que não era acostumado a sentir presenças fortes. A mana dele estava em um nível diferente daquela de Kurone, ele a espalhava com o intuito de amedrontar.
— Quem é você e o que faz aqui? — questionou em seu tom seco, a guarda ainda levantada. Tentou manter o rosto inexpressivo e os olhos frios, mas era difícil conter uma franzida de cenho com toda aquela mana no ar. — É Asmodeus di Laplace, o Arquiduque do Inferno?
O estranho não respondeu, apenas continuou caminhando enquanto tomava graciosamente o copo de Camélia. Por fim, quando ficou ao lado da águia de penas marrons, olhou para Lou Souen e respondeu:
— Alley, você acha que sou o Arquiduque do Inferno? — A águia balançou a cabeça de forma negativa e voou para o braço dele. — Vê? Meu familiar diz que não sou, o que pensa disto?
Ambos ficaram em silêncio, os olhos bonitos e azuis penetravam os olhos afiados e avermelhados a garota artificial. Cada movimento daquele ser disparava o alerta de perigo de Lou Souen.
— Onde está senhorita Lou Xhien Li? E senhorita Hime? Gostaria de vê-las, sei que ainda estão por aqui, ou vai me dizer que elas estão se abrigando dentro daquela masmorra?…
Ele era uma ameaça à princesa, a garota assim concluiu e avançou em direção ao homem. Sua velocidade, força, resistência e defesa eram superior à dos humanos comuns, mas não sabia se conseguiria enfrentar um Arquiduque.
O primeiro golpe foi um corte limpo de mão aberta, fazendo a águia voar, porém o estranho manteve o rosto com um sorriso estampado e deslizou suavemente para o lado. Ele segurou o braço da garota e a direcionou para uma árvore.
Lou Souen conseguiu parar antes do bater o rosto no tronco, com certeza quebraria alguns dentes, porém não conseguiu defender o ataque seguinte. Bolhas de água tocaram as suas costas e ela rolou pelo chão repleto de folhas.
Garotas artificiais da ilha Lou Souen não foram feitas para a batalha, apesar do corpo com força incomum, aprender artes marciais era apenas algo comum, como aprender as diversas línguas de outros países, elas não conseguiriam vencer uma batalha contra um oponente experiente, faltava técnica.
O homem pôs a mão no queixo e a observou levantando. Ele não precisou de mais de três movimentos para derrubá-la, provavelmente estava se contendo.
Respirou fundo e montou a guarda novamente, afastando os pés e preparando-se para se impulsionar, desta vez usaria um golpe com o punho fechado.
Foi em direção a ele e investiu. O golpe dado era suficiente para quebrar um crânio humano ou rachar uma pedra, mas o estranho defendeu com a mão aberta, estreitando os olhos e afastando-a com um chute lento na região do estômago.
Rolou novamente grunhindo de dor, levando o braço em direção à região que foi atacada. Era a primeira vez sentindo dor, anteriormente seu trabalho era apenas receber visitantes na ilha e os guiar pelo local. A adrenalina era nova, isso a deixava assustada e entusiasmada ao mesmo tempo.
— Bater em uma garota ou matar, sendo humana ou não, é errado, por que a senhorita não me conta onde estão as duas garotas e poupamos esta situação desconfortável?
A resposta de Lou Souen foi outro ataque, dessa vez com os pés. O hakama vermelho tornava a locomoção difícil, mas não reduzia a força dos chutes.
Novamente, o homem defendeu com a mão aberta, porém desta vez não soltou, ele apertou, girou e lançou a garota em uma árvore próxima, fazendo-a cuspir sangue.
O líquido vermelho era outra novidade, estava habituada apenas a sentir o dos pacientes em estado terminal que visitavam a ilha.
Sentia a morte se aproximando, o coração que jamais pensou que fosse reagir a algo acelerou, porém o rosto manteve-se inalterado.
Tentou levantar, mas a perna fraquejou e ela escorregou, batendo o rosto de repente no chão.
— Ah, desculpe-me por isso, eu paralisei a circulação do seu pé. Impressiona-me que não tenha quebrado nenhum osso, Karllos Sophiette fez um ótimo trabalho em vocês.
A garota ficou de pé segurando na árvore ao lado. Pisava no chão com o pé direito ferido, porém não sentia nada além do formigamento da dormência.
Era racional acima de tudo, sabia que desde o início não havia chances de vitória, porém as outras duas garotas já deviam ter percebido o invasor e teriam fugido para longe, ou pelo menos reforçado a segurança do porão.
— Prometo acabar com o seu sofrimento rápido — disse o homem formando diversas bolhas de água brilhantes ao redor. — Tem alguma última palavra que deseja transmitir a… Argh!
O discurso do estranho foi cortado de repente. Lou Souen viu, em câmera lenta, o rosto sendo amassado pelo pé descalço de alguém e o corpo desprendendo do chão pela violência do impacto.
Ele mordeu a língua e foi jogado para uma árvore no lado oposto de Lou Souen.
A garota artificial arregalou os olhos ao ver o responsável pelo ato covarde e sem honra.
O jovem imprudente direcionou as duas armas que tinha mãos para o homem se levantando e olhou para a garota, alguns monstros de armadura o cercaram, criando um círculo para o proteger. Ele perguntou em tom preocupado:
— Você tá bem? Esse filho da mãe te machucou muito?
Por um momento, não teve resposta.
Foram muitas emoções intensas para pouco tempo, mas o que mais lhe chocou foi como o seu coração acelerou ao ver aquele jovem bem, sentiu sangue subindo rapidamente e o rosto esquentando.
— Sim, eu estou bem — respondeu enquanto era levantada por um dos monstros, este tinha aparência feminina. Pela primeira vez, a expressão fria de Lou Souen Eiai se desfez ao ver Kurone Nakano. Ela formou um enorme sorriso no rosto bonito e corado pela circulação rápida de sangue no local.