Raifurori Brasileira

Autor(a): NekoYasha


Volume 3

Capítulo 121: Batalha Final Na Masmorra

Dois chifres escuros lhe adornavam a cabeça, um curvo e pontiagudo, o outro quebrado, quase inexistente.

Olhou para a figura e entendeu o porquê do seu nome. Havia cascos fendidos nos pés da criatura humanoide, a aparência entre um cordeiro e um homem lhe lembrava o Diabo que viu estampado na capa de um jogo, certa vez. 

O barulho deles batendo contra o chão banhado em sangue reverberava pelo salão.

Dois olhos amarelados e pequenos em meio ao rosto negro lhe davam um ar assustadora e macabro. Os pelos cobrindo o resto do corpo tinham a mesma tonalidade daqueles do rosto, ele era censurado por um manto preto e sujo.

Tsc, um cordeiro em pele de lobo, — Kurone brincou enquanto tentava montar uma postura de batalha no corpo tenso — e ainda por cima, o bicho é um necromante.

De pé, o monstro era um pouco maior que o jovem. Ele se manteve por todo aquele tempo escondido embaixo da pele de um lobo enorme, talvez nunca tivesse passado pela sua cabeça que alguém se aproximaria o suficiente para cortar a sua fantasia.

A jovem orc tentou fazer um ataque surpresa, porém o necromante apenas moveu os braços finos repletos de pelos negros e uma multidão de lobos zumbis avançaram na guerreira, apenas para serem cortados pelo cutelo em seguida.

— Você é humano? — A voz grave ecoou, era um tom sério e sombrio condizente com o Classe “Necromante”. Kurone sentiu um leve arrepio percorrendo o seu corpo ferido. — Convocou monstros, é semelhante a mim?

— Ô, chifrudo, não me ofende não, viu? — resfolegou e formou um sorriso para mascarar a expressão de dor. Via um mundo tremeluzindo devido à falta de sangue. — Eu não mexo com mortos! — afirmou apontando a katana para a criatura.

— Você tem uma vontade de ferro, como eu. Vislumbro seus olhos e vejo o reflexo dos meus, não precisamos lutar. — Ele deu alguns passos, ignorando a lâmina levantada do jovem, e parou a poucos metros dele. — Eu tive um rebanho, porém ele foi morto por lobos, sobrevivi por pouco e jurei vingança contra os meus inimigos, no fim os transformei em meus soldados mortos-vivos. Acha isto errado?

Silêncio. 

O garoto cerrou os olhos e apertou a arma em mãos com mais força. Não podia dizer que ele estava errado, mas repugnava a necromancia, os mortos deviam descansar após sua árdua batalha.

A princípio, por que ele estava conversando com aquele ser profano? Não imaginou que houvesse outros monstros racionais como a Besta Negra, mas mudou de ideia ao convocar os seus orcs samurais e, agora, ao conversar com o Necromante de Cascos Fendidos.

— Seu silêncio significa que concorda com os meus atos? — perguntou o monstro ainda mais próximo. — Você me agrada, quero te ter como um dos meus mortos-vivos. Viverá eternamente aqui, não sentirá mais dor ou terá fome.

O chefe da masmorra ficou bem próximo do jovem imóvel. Não era medo, o corpo não conseguia mais se mover por conta da falta de força, já teria cravado a espada no coração daquela criatura se pudesse.

O necromante estendeu os cascos na direção do jovem, uma fumaça de aspecto roxo e preto preencheu o ar. Kurone engoliu seco, as pernas e os braços se recusavam a obedecer os impulsos do cérebro. 

Escutou os seus guerreiros orcs gritando algo no fundo da sua mente, mas não prestou atenção. A visão estava fixa nos movimentos daquele ser de pelos negros.

Sentiu o casco entrando em contato com o seu peito, a fumaça preta vinha em direção ao seu corpo, mas logo tudo aquilo foi dissipado por uma luz púrpura reluzindo da região do seu coração.

“Não ouses tocar naquilo que não te pertence, criatura inferior.” O necromante caiu de joelhos com os olhos arregalados, procurando a origem daquela voz macabra.

— A-Azrael!… — murmurou sentindo o peito queimando. O Sigilo de Azrael brilhando no peito era a origem da voz familiar. — Tsc, tá cheio de voz na minha cabeça, não sei se gosto disso.

— Mestre, isso é seu! — gritou o orc de tapa-olho arremessando um objeto para o jovem.

Moveu-se com dificuldade para segurar o objeto. Era uma dos recipientes que usou para armazenar Água da Recuperação. Tirou a tampa e engoliu todo o conteúdo em uma golada.

A dor não desaparecia, continuava com o sangramento e a morte por hemorragia ainda era iminente, porém conseguiu forças para finalizar aquela batalha. Acabaria de vez com o ser profano.

Olhou com hostilidade para o necromante. O monstro perdeu o braço direito ao tentar mexer com a alma do jovem e transformá-lo em um morto-vivo. Ele não contava com aquele pequeno detalhe, como poderia saber que o jovem era o protegido pelo Suserano da Morte?

Uma horda de lobos veio em direção ao garoto mascarado, porém foi interceptada pelas flechas dos orcs guerreiros na retaguarda. Não podiam sair de lá devido a dois chacais, mas ainda davam suporte ao seu mestre.

Necromantes não eram lutadores, porém o monstro não teve outra escolha, ele saltou em direção a Kurone, derrubando o jovem que desviou a atenção para os seus companheiros. 

Os dois corpos rolaram pelo chão espalhando sangue. A katana foi na direção oposta.

A máscara recebeu inúmeros golpes desordenados do chefe da masmorra. Não foram suficiente para quebrá-la, mas o impacto destruiu o nariz do jovem por baixo do objeto, fazendo sangue escorrer do rosto para o pescoço.

Kurone chutou a virilha do oponente, fazendo-o perder o equilíbrio, e deu dois socos na testa dura. Tanto as mãos quantos os pés do jovem também foram destruídos pelas mordidas dos lobos.

De mãos limpas, os dois ficaram de pé, posicionados como dois lutadores de boxe tontos. Os socos desajeitados não tinham técnica, porém eram poderosos. O necromante focava na máscara, com a esperança de quebrá-la, e os socos imbuídos de mana iam na direção do rosto grande dele. 

Em uma oportunidade, segurou o monstro pelo único chifre inteiro e o bateu diversas vezes contra a parede.

Se comparada às outras batalhas acontecendo naquele salão, a troca de socos entre o jovem beirando a morte e o cordeiro necromante era patética. 

Ambos quase não se moviam. Os golpes do garoto foram o suficiente para deixar o monstro atordoado, porém o preço foi ter alguns ossos da mão quebrados. Conseguiu recuperar a região ferida do membro artificial, mas a mão direita estava com ossos à mostra.

Percebendo a fraqueza do seu inimigo, o necromante avançou e atacou o ombro esquerdo do jovem com uma cabeçada. Quase todos os pontos se romperam com o impacto, fazendo o garoto berrar de dor. Saliva saiu da sua boca como se fosse um cachorro raivoso.

A dor da carne presa por linhas de anzol sendo puxado era insuportável, ainda mais quando sentia o vento frio do local penetrando a ferida e acariciando os ossos. Ter o membro arrancado de vez seria melhor que deixá-lo pendurado como agora, cada movimento era uma tortura.

Mas ele não desperdiçou aquela chance. Usou o braço direito destruído para convocar chamas e arremessou-as nas costas do monstro. Tomaram distância mais uma vez, ambos deixando uma trilha vermelha no chão.

Kurone segurou o ombro com força, como se ele pudesse desabar a qualquer momento. Formigamentos e mais formigamentos percorriam a região, mal conseguia mover o membro artificial, provavelmente rompeu os tênues ligamentos que conseguiu nos últimos dias. Suor, sangue e lágrimas se misturaram e desceram pelo corpo destruído. 

A visão turva mal captava o adversário, dependia do Olho Sagrado e da sensibilidade aumentada pelo Ápice da Mana, mas a dor deixava tudo confuso e trêmulo. 

Avançou rugindo, porém dessa vez usou os pés, desferindo uma rasteira rápida no monstro e ralando os joelhos. Ambos foram ao chão e, aproveitando-se da brecha, Kurone pegou uma pedra do chão e a direcionou para o inimigo.

O ataque foi defendido pelos braços do necromante em formato de “X”. O som de ossos quebrando irrompeu o ar. Quebrou os braços do oponente em um único golpe, mas os seus estavam quase no mesmo estado, senão pior. 

Quase caiu ao sentir as costelas rangendo. A cabeçada que levou mais cedo o prejudicou também. A cada segundo eles se aproximavam ainda mais da morte. Escutava os ossos quebrados rangendo devagar, sua cabeça tornou-se uma caverna e o rangido ecoou por ela.

Crack! A criatura fez um chute no ar rápido e acertou a máscara, rachando-a e quase torcendo o pescoço do jovem. Nunca imbuiu tanta mana no corpo com agora. 

A força que fazia podia estourar facilmente suas veias. Usou tudo o que lhe restava, extraiu do fundo do seu ser a energia vital para continuar parado, preso ao chão pelos músculos poderosos das pernas.

A panturrilha direita rompeu com o som de um cutelo batendo contra carne.

O pé do monstro continuou preso na máscara rachada, forçando para que o jovem fosse empurrado, porém Kurone ficou de pé. Ignorou a dor de ter os dentes quebrados, os ossos destruindo os órgãos internos e a carne solta da panturrilha, esqueceu de tudo causado pelo impacto e continuou firme.

Segurou o pé do oponente com os dois braços ferrados e o girou, derrubando o necromante e um pedaço vermelho de tecido muscular. 

Cambaleou em direção ao corpo do inimigo no chão. Usaria o máximo de mana no último ataque, seria um soco para destruir o crânio do necromante e provavelmente o braço inteiro junto.

O fim da batalha estava próximo, finalmente ficaria livre de toda aquela dor, porém…

Argh! Q-que droga… — grunhiu baixo ao sentir a lâmina atravessando a sua carne. Voltou os olhos para a arma, a katana que foi arremessada no início agora estava nas mãos do cordeiro necromante, fincada um pouco acima do seu peito. A lâmina roçou o topo do coração e estourou algumas veias, fazendo uma torrente de líquido vermelho ficar preso em sua garganta.

[Kurone!]

A espada atravessou o seu corpo. Gritou cuspindo sangue com a sensação do metal frio se movendo, dilacerando músculos e destruindo ossos e órgãos vitais. 

Teve a impressão que a dor de todas as suas feridas se direcionaram para aquela região.

Perdeu todas as forças. A máscara desapareceu do seu rosto e revelou a expressão horrível de um homem próximo da morte. Estava naquele estado novamente.

O cordeiro formou um sorriso no rosto macabro, revelando quatro dentes quebrados na luta. Conseguiu atrair o jovem para uma armadilha, provavelmente mirava aquela espada desde o início, só precisava de uma brecha.

[Kurone… sei que está doendo, também sinto toda a dor que percorre o seu corpo… mas ainda não é hora para desistir! Lembra da sua promessa, não é? Não decepcione aquela garotinha!]

Quase gritou. 

A garota que se passou em sua mente não foi Lou Xhien, mas sim Rory. Ela chorava pela morte do seu companheiro, não deixaria isto acontecer novamente.

Por um momento, esqueceu-se de que Annie sentia tudo o que também sentia. A voz da deusa saía entrecortada, como se ela estivesse contendo a dor de ter o coração perfurado. Em nenhum momento, mesmo sendo fofa e frágil, ela berrou com a ardência das feridas.

Se alguém frágil como Annie ainda não havia desistido mesmo com toda aquela dor infernal, então ainda não era sua hora de baixar a cabeça e fazer outra garotinha derramar lágrimas.

Gritou, rosnou, grunhiu, berrou como nunca antes. Segurou a lâmina da espada com as mãos ensanguentadas e puxou para dentro do seu interior, abrindo ainda mais o ferimento e tirando metade do coração. 

Os orcs fizeram o seu grito de guerra como nunca ao ver a coragem do seu mestre. Os gritos acenderam a chama no seu peito, e a chama percorreu seus olhos. Os monstros samurais continuaram as suas lutas eufóricos, dizimando todos os mortos-vivos.

O necromante foi puxado pela força do jovem e arremessado sem ter tempo de reagir, estava impressionado com toda aquela força. Foi agarrado pelo pescoço, sentiu o calor do sangue do jovem, não teve tempo de reação, não podia mais se desvencilhar, o jovem imbuiu muita mana no próprio corpo, dando-o a dureza de uma rocha.

Crack!

Bastou um giro. Torceu a cabeça do cordeiro necromante, enquanto o abraçava com força. Devido ao esforço, um osso da costela saltou para fora, perfurando a pele da região. 

A língua do monstro emergiu e os olhos amarelos reviraram, aquele não era um ser feito para o combate corpo-a-corpo.

Os dois corpos caíram. Kurone não tinha mais força, aquele era o seu limite.

— Ainda… ainda não acabou, não é… Nie? Ainda não… — Juntou mais força. Aquele era o limite humano, vasos sanguíneos estavam rompidos, veias estouradas, tecido muscular cortado, ossos emergindo e o nariz destruído jorrava o líquido vermelho como nunca. 

Arrastou o corpo em direção ao chefe da masmorra. Com as mãos destruídas, perfurou a região do pito, afundou a mão com força fazendo o cadáver ter espasmos e a pele desprender ainda mais do seu membro.

Teve a mão cortada por alguns ossos e sentiu o calor do sangue daquele ser percorrer sua mão ferrada, porém ignorou a vontade de vomitar e perfurou mais até sentir algo duro.

Puxou com força, fazendo o corpo do cordeiro necromante subir e descer. O objeto travou, mas forçou ainda mais.

Enfim, quando conseguiu puxar, quase chorou ao ver o prêmio brilhando em verde na sua mão. Riu e soluçou, porém parou rapidamente por conta do nariz quebrado vazando mais sangue. Não sabia mais que sentia, mas estava feliz. 

Removeu a katana fincada em seu peito e apertou o seu prêmio, o Orbe Verde, com força e deixou a luz esverdeada fazer o trabalho…



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