Volume 3
Capítulo 119: Habilidade Esquecida
Impulsivo, sem técnica, impensado, repleto de aberturas e dependente do acaso. Este era o estilo de luta de Kurone Nakano.
Não teve oportunidade de aprender como manusear uma espada após ser reencarnado, afinal passou a maior parte do tempo com armas de fogo em mãos, suas únicas referências foram as pessoas que viu em ação, como Sophia e Rhyan Gotjail.
Mesmo lutando contra um valentão em briga de rua, conseguia vencer suas batalhas. Claro, sempre acabava machucado, as aberturas de seus golpes davam aos inimigos a oportunidade de lhe ferirem.
Acontecia o mesmo nesta batalha.
Cada golpe horizontal seu abria feridas horrendas nas barrigas dos lobos, fazendo sangue jorrar pelo labirinto de pilares vermelhos, porém os outros aproveitavam as aberturas nas pernas e costelas e atacam sem piedade, dilacerando pele e músculos.
Pow! Ele abateu três lobos vindo do alto, porém um menor aproveitou a chance e agarrou-se em sua perna direita, soltando apenas ao ter a cabeça decepada pela wakizashi.
Havia mais sangue seu que o dos monstros espalhado pelo chão, aquilo estava errado, eles não paravam de aparecer.
[Kurone, olhe, ali!]
Sua atenção se voltou para outra horda de lobos se aproximando. Não, não eram outros lobos, ele matou aqueles monstros há poucos minutos, a prova disso eram as patas traseiras de um deles cortadas. O animal se arrastava pelo chão com dificuldade, movido apenas pelos membros dianteiros.
Quase todos estava daquela maneira. Havia um que, mesmo sem a cabeça, ia em direção a Kurone rapidamente, como se pudesse ver o mundo sem a necessidade dos seus olhos.
— Merda, lobos zumbis! — praguejou mirando e derrubando o monstro sem cabeça. Explodiu todos os órgãos internos dele, duvidava que conseguisse andar novamente. — Parece que agora sabemos o que é o chefão.
[Ugh, necromancia. Que abominável, coitado dos lobos.]
Sabendo quem era o seu oponente, percebeu que esteve perdendo tempo e energia vital. Jamais conseguiria matar o que já estava morto, precisava eliminar o chefe da masmorra ou aquela luta não teria fim antes da sua morte por hemorragia.
Outra horda de lobos atacou e sangue espalhou-se pelo local.
Tentou arrancar a cabeça deles para que não fossem mais um problema, mas os lobos mortos-vivos ainda voltaram e o atacaram com as garras metálicas.
Tomou distância e disparou em mais alguns. Golpes em vão, eles sempre voltavam como naqueles filmes de zumbi. Mesmo arrancando pernas ou cabeças, eles continuavam lutando até se tornarem nada menos que poças de sangue e vísceras espalhadas pelo chão.
Kurone encarou a mão artificial faltando três dedos. Nem viu o momento em que foi ferido, foi um corte limpo e rápido. Direcionou mana para o local e curou os dedos.
Montou sua rude posição de batalha e direcionou a Boito .20 para frente. O líquido vermelho despejava do corpo a cada movimento.
Seus olhos se arregalaram quando lembrou de algo importante. Riu e praguejou do próprio esquecimento.
É claro! Como pôde se esquecer daquilo que ganhou em Andeavor? Jamais esteve sozinho naquela batalha, o pacto da Besta Negra estava impregnada em seu ser, com ou sem Marca.
Olhou para o braço artificial banhado em sangue e baixou-o em seguida.
[O que vai fazer? Você prometeu não fazer mais nada imprudente. Atira, eles estão se aproximando. Atira!]
— Não se preocupa, Nie, eu tenho um plano! — Correu como um louco em direção à horda. Guardou a escopeta de cano cerrado, direcionou o membro artificial com os dedos recém-recuperados e rosnou como um daqueles monstros: — Em nome daquela loli parda com dicção ruim, peguem eles, porra!
Mana fluiu do interior do seu espirito para o exterior e diversos raios caíram naquele templo fechado. As palavras não foram as melhores, mas foi a primeira coisa que veio em sua mente, afinal o encantamento era algo opcional para aquele humano anormal.
Mesmo sendo mortos-vivos, os lobos ainda tinham o seu instinto. Eles cessaram o avanço e recuaram assustados dos raios.
Uma das criaturas mais corajosas tentou atacar o jovem gritando, porém sua ideia foi interrompida pelo som de algo zunindo e, em seguida, de uma cabeça rolando.
Lâminas e flechas começaram a matar lobos.
[O q-que é isso?]
— Minha arma secreta, — começou ofegante, suor escorria pela testa e a visão estava ruim por conta de todo o sangue adentrando os olhos — eu chamo de Convocação de Orcs! Apesar de que esses aí são bem diferentes dos que eu conheço.
Usou aquela habilidade, fruto do seu pacto com a Besta Negra, apenas duas vezes: contra Edward Soul Za, o antigo portador do pacto, e contra o supervisor, nas fazendas de Eragon.
Os orcs que convocou em Andeavor eram como bárbaros, com enormes clavas de madeira e vestindo nada menos que uma tanga de couro.
Em Eragon, as criaturas tinham lâminas. Eram menores, porém mais rápidas. Não foram páreas para o supervisor e sua escopeta de cano cerrado, mas lutaram bem.
Agora, eles usavam armaduras vermelhas e pretas de samurai e portavam armas mortais. Seus rostos verdes com os caninos inferiores para fora continuavam assustadores.
Os Lobos Cinzentos deixaram a covardia de lado e avançaram para cima dos orcs convocados por Kurone, fazendo mais sangue preencher aquele labirinto de pilares.
Ficou assustado com a própria capacidade de invocar aqueles seres. Eram fortes de mais, conseguiam fatiar os lobos zumbis em poucos golpes. Um deles, com um escudo enorme preso nas costas, matou quatro monstros com as mãos limpas.
[Orc Samurai Oriental — Rank B.]
— Eles deviam ser tão fortes assim?!
[Deve ser por causa do seu estado atual, como você chamou mesmo? Ah, “Ápice da Mana”.]
O rosto por trás da máscara branca corou.
Dava aqueles nomes porque achava legal, mas sentia um arrepio quando outra pessoa pronunciava, aquilo era vergonhoso quando dito em voz alta, por isso evitava usar o nome das magias como os nativos daquele mundo, teoricamente superou sua Síndrome da Oitava Série.
— Pro-provavelmente foi isso mesmo.
Acabou se distraindo no meio da batalha e, quando percebeu, foi tarde de mais. Um Lobo Cinzento Alfa zumbi, que se manteve oculto até aquele momento, saltou em direção ao jovem.
Não teve tempo de sacar a wakizashi ou puxar o gatilho da escopeta de cano cerrado. Tentou rolar pelo chão para evitar o golpe, escorregando pelo próprio sangue.
Levantou as mãos e as levou para o monstro, tentaria ao menos queimar ele, mas não foi preciso.
Uma sombra enorme tomou a frente do jovem e abriu a criatura em duas bandas com um único corte rápido. Um dos seus orcs o salvou.
O monstro era um pouco maior que o jovem, talvez com 1,90 de altura. Ele balançou a katana ensanguentada e, mirando-o com o único olho amarelado, questionou:
— Você está bem, mestre? — Sua voz era estrondosa e o tapa-olho no lado esquerdo do rosto lhe passava a aparência de um verdadeiro general de guerra. O orc ofereceu a mão para o garoto levantar.
Ficou atônito, era a primeira vez que via um orc falando, nem o chefão que Sophia enfrentou em Grain tinha essa capacidade. Invocou seres racionais.
Aceitou a ajuda e estendeu o braço esquerdo para o monstro. Naquele momento, arregalou os olhos ao ver uma tatuagem enroscada no membro artificial como uma cobra.
Lembrava daquela marca azul que começava do antebraço e terminava na parte de cima da mão. Sua Marca da Besta voltou quando usou uma das habilidades do pacto com a Besta Negra.
Após levantar o mestre, o orc com o tapa-olhos deu um grito de guerra e saltou novamente para o campo de batalha. Outra orda de Lobos Cinzentos e um Chacal Negro de Duas Cabeças médio apareceu, porém logo seu sangue ficou preso nas katanas mortais dos orcs.
Mais gritos de guerra.
Kurone segurou suas duas armas com força e saltou no campo de batalha. Apesar de serem fortes, eram apenas seis orcs convocados contra uma multidão de monstros zumbis.
Reduziria todos aqueles monstros a poças de sangue e ossos e iria atrás do chefe da masmorra. O Orbe Vermelho piscou e a velocidade, já aumentada pelo Ápice da Mana, triplicou.
Dentre todos os guerreiros orcs, os que mais se destacavam eram dois. O primeiro era o que lhe ajudou a levantar, aparentemente era o líder daqueles monstros. Ele matava os lobos com gritos de guerra de incentivavam os seus companheiros a continuar.
O segundo, na verdade, era uma guerreira orc. Ela tinha uma sede de sangue nos olhos azuis. Economizava ataques decapitando três lobos em um único corte limpo com seu cutelo largo.
Ambos eram as estrelas da batalha. Kurone formou um pequeno sorriso por trás da máscara. Como alguém fraco como ele conseguia convocar guerreiros poderosos como aqueles?
O número de mortos-vivos começou a diminuir e o exército orc avançou para o interior do labirinto de pilares. Ficaram juntos para ninguém se separar e evitar emboscadas.
Kurone seguia no centro, protegido pelos seus monstros como um presidente cercado de guarda-costas. O trabalho de equipe deles era perfeito.
— Mestre! Encontramos algo aqui! — anunciou a orc em um tom tão firme quanto o do líder de tapa-olho.
Ela seguiu na frente para examinar o caminho enquanto os outros andavam ao redor de Kurone. Ocasionalmente, um Lobo Cinzento ou Chacal Negro de Duas Cabeças tentavam atacá-los, mas eram eliminados instantaneamente pela lâmina rápida dos monstros. Até um escudo era uma arma fatal na mão daqueles monstros.
O garoto apressou o passo e chegou rapidamente ao local apontado pela guerreira.
Não havia mais o labirinto de colunas vermelhas.
Um paredão vermelho se estendia por todo o lugar, mostrando que ali seria um beco sem saída se não houvesse um enorme portão de madeira com maçanetas douradas no centro dele.
— Acho que finalmente vamos conhecer o chefão da masmorra — murmurou saindo do círculo e seguindo para o portão.
As maçanetas douradas com a forma de um lobo reluziam por conta da luz das tochas. Suspirou antes de tocá-la e empurrar o portão, provocando um rangido que ecoou por todo o lugar.
Os orcs logo tomaram a frente e puseram uma posição de batalha, uma de verdade, diferente daquela improvisada e repleta de brechas usada pelo jovem.
Cerrou os olhos e engoliu seco. Finalmente estava próximo do fim daquela masmorra.