Volume 3
Capítulo 118: Labirinto De Pilares
[Não, eu não acho que você vai vencer.]
— Eh? B-bem, eu já tinha minhas dúvidas, mas escutar você falando é…
[… Eu tenho certeza de que você vai vencer, afinal não temos outra escolha.]
— Que maldoso, Nie! Você falou tão sério que eu quase desabei chorando aqui! Nunca mais faça esse tipo de coisa!
[De-desculpa! Eu só queria fazer uma brincadeira, não sabia que ia te afetar tanto assim.]
Lembrava do diálogo que teve mais cedo enquanto subia os últimos degraus. Um sorriso discreto formou-se em seu rosto e ele suspirou. Annie não sabia brincar.
— Você foi tão fofa tentando fazer uma piada, Nie… pfff!
[Ai, Kurone, você prometeu que não ia lembrar disso mais. Que vergonha.]
A escadaria foi cansativa.
Teve a impressão de que a gravidade aumentou em 2x enquanto subia em direção ao templo. Fez incontáveis pausa e, há pouco, quase tropeçou e rolou de volta ao início das escadas.
— Bem, o que importa é que chegamos, certo, Nie? — murmurou tomando outro gole do cantil.
Antes de subir, esvaziou alguns frascos da mochila e encheu-os com a água do poço, colocou alguns na mochila e espalhou outros plea cintura. Ter muita estamina poderia ajudá-los na batalha contra o chefe da masmorra, foi o que Annie explicou.
Chegando no topo, sentou-se no último degrau e encarou todo cenário. Viu o poço em meio aos ladrilhos repleto de folhas e as árvores desfolhadas sendo balançadas pelo vento, ficando violento mais uma vez.
O céu continuava rosa, sinalizando que ainda era dia.
Preparava-se psicologicamente para entrar no enorme templo às suas costas. Não sentia a presença do chefão, mas sabia que ele estava lá, espreitando-se nas sombras, salivando e aguardando o momento em que sua vítima adentrasse a sua casa. Entrega a domicílio, foi a palavra que passou-se em sua mente.
A região com os pontos que ligavam o braço artificial ao resto do corpo ainda derramava sangue sem cessar. Não sabia que procedimento usaram para alocar aquele membro ali, mas percebeu que ele estava bem colado.
Dor percorria todo o corpo.
Apesar de Annie desviar o fluxo de mana para as regiões mais feridas, aquilo jamais se compararia à Autorrecuperação.
O quimono novo, lentamente, ficava vermelho com o sangue escorrendo das costas e dos ombros. Não tinha mais tempo, sentia-se tonto pelos sangramentos, em breve morreria de hemorragia.
Suspirou profundamente e colocou o cantil na cintura. Está seria a sua última batalha ali, não precisaria mais economizar sua força como antes. Lutaria até o último suspiro, fosse do chefão ou dele.
Levantou-se, batendo a poeira da roupa, e virou para a entrada do templo. Um enorme torii o recebeu antes de deixar as escadas.
A construção a frente não era maior que o templo de Lou Xhien em altura, porém no quesito de largura era diferente. Estendia-se por milhares de quilômetros, de maneira que não conseguia ver o fim por mais que esticasse a cabeça.
Era mais uma muralha do que um templo.
O vento voltou a soprar com força, sinal que outra tempestade se iniciaria em breve. Os cabelos de mechas brancas balançaram de um lado para o outro, mostrando os olhos castanhos repletos de determinação do jovem.
Andou lentamente, a cada passo o barulho de folhas secas quebrando ecoava pelo ar agitado. O coração batia, porém era apenas um batimento de alguém entrando em uma nova montanha-russa após ter experimentado várias antes.
A luta seria como as outras, apenas o oponente era diferente. Acumulou experiência nos últimos dias, algo que lhe faltou na luta contra Azazel van Elsie.
— Então lá vamos nós, certo, Nie? — comentou ao tocar a porta de madeira e empurrá-la com força, provocando um grande rangido que reverberou pelo interior do templo.
[Tenha fé, nós dois somos fortes.]
Inacreditável. Apenas seis palavras daquela deusa foram o suficiente para aliviar o seu espírito. Sentia-se mais confiante. Annie era a melhor!
O interior da construção começou a ser iluminado lentamente por tochas. Era um sistema automático de tochas semelhante àquele do porão da mansão Soul Za.
Sorriu discretamente ao lembrar daquele dia, logo quando chegou àquele mundo. O mesmo jovem que esteve em um porão, amarrado a uma cadeira, tremendo, alvo do chicote de Brain e das perguntas do marquês Edward, era o garoto que agora se preparava para enfrentar o chefe de uma masmorra.
Foi o mesmo jovem que em pouco tempo conseguiu o feito de formar pacto com as três deusas lendárias daquele mundo.
Era Kurone Nakano.
Encarou com uma expressão pesada no rosto o cenário se estendendo à sua frente. O local iluminado pelas tochas era um mar de colunas de concreto vermelhas e arredondadas, ou melhor, um labirinto de pilares.
Aquele lugar, sim, passava o clima das dungeons que conhecia. Um labirinto mortal onde o perigo se espreitava, pronto para decepar a cabeça de aventureiros desavisados com um único golpe.
Nem o fogo das tochas ajudavam, afinal um labirinto iluminado como aquele não tinha diferença de uma caverna tomada pelas trevas.
Sentiu a mana esquentando o rosto, veias dos olhos pulsando e a lente amarela tomando conta do seu campo de visão. Ativou o Olho Sagrado para procurar a sua presa.
O som de passos rápidos ecoou, pelo barulho não era um monstro maior que o Chacal Negro de Duas Cabeças, mas conseguia ser ainda mais rápido que o Lobo Cinzento da Lua Alfa.
[Peguei! Lobo Cinzento da Lua Ômega.]
Quase não conseguia acompanhar a silhueta esguia correndo em zigue-zague pelas colunas. Claro, o monstro conhecia aquela formação dos pilares como ninguém, tinha esta vantagem sobre Kurone.
— Não vamos ganhar nada ficando aqui — enunciou adentrando o labirinto de pilares vermelhos.
Carregava a Boito .20 em uma mão e a wakizashi na outra. Por mais que a criatura avançasse para rasgá-lo, receberia-a com cortes afiados e chumbo imbuído em mana. Nenhum sairia ileso do contato.
Todas as entidades ali reconheciam o perigo daquele chefão que se escondia nas sombras, a prova disso foi as partículas azuis dando forma à máscara branca com a cruza negra invertida. Não estava mais em estilhaços devido ao ataque do Chacal Negro de Duas Cabeças.
[Ali!]
A voz de Annie foi seguida de um tiro da escopeta de cano cerrado. O chumbo bateu contra um dos pilares e estourou todo o concreto. A criatura foi mais rápido e conseguiu escapar.
Apesar de todo o controle do Olho Sagrado ao utilizar a máscara, não conseguia acompanhar os movimentos do seu inimigo, ele era bem menor que o Lobo Cinzento Alfa, conseguia correr com facilidade pelas colunas.
[Não podemos ficar apenas na defensiva, vamos nos movimentar também!]
Kurone correu com o som dos objetos de metal batendo no interior da mochila. Em poucos passos, sentiu que já estava perdido naquele mar de pilares.
Outro ataque, vindo das costas dessa vez. Sentiu aquilo instintivamente e direcionou a katana curta em direção ao monstro, desferindo um corte horizontal rápido devido ao que chamou de “Ápice da Mana”, o seu poder máximo ativado ao colocar a máscara em seu rosto.
O som de metal batendo contra metal ecoou e leves faíscas foram geradas na colisão.
Os dentes do Lobo Cinzento da Lua Ômega bateram com tudo na curta espada, fazendo todo o corpo do jovem tremer. Aquelas presas eram feitas de metal?
A criatura não era maior que um lobo comum do seu mundo, com poucas linhas vermelhas adornando os pelos brilhantes e apenas uma cauda agitada. Mas não subestimaria o seu inimigo.
Sem perder tempo, direcionou para a barriga da criatura e apertou o gatilho, empurrando-o quando o chumbo adentrou a carne dura e sangue jorrou pelo ar.
Espingarda e máscara trabalhavam juntas, sentia como se fosse assistido pelo próprio supervisor, o homem que lhe confiou aqueles objetos poderosos.
O lobo rolou pelo chão e parou ao impactar com uma das colunas. Ganiu com a dor de bater a cabeça com força lá.
Foi assim tão fácil? Matou o chefão com apenas um tiro? Resfolegou assustado com o feito.
Devagar, direcionou os passos em direção ao corpo imóvel do chefão. Ele não se movia, teria morrido apenas com aquilo? Desta vez, a criatura de aparência fraca era realmente fraca?
Deu outros dois tiros no corpo para se certificar e chegou ainda mais perto. Como aquilo podia ser o chefe da masmorra?
Quando pensou em finalizar o monstro com um tiro na cabeça, sentiu um frio na espinha e recuou. No mesmo instante, aquela criatura tão ferida saltou com os dentes metálicos à mostra.
Saliva espalhou-se pelo ar junto ao sangue de Kurone.
Rápido de mais para desviar! Teve o braço direito ferido pelas presas. Gritou ao sentir aqueles dentes puxando a pele, carne e músculos com força e fazendo uma torrente de sangue jorrar o local.
Não teve tempo ara baixar a guarda, o lobo investiu com as garras, cortando as costas e as pernas. Mais do líquido vermelho se espalhou pelo chão.
Diferente do membro artificial, o braço direito não podia se recuperar, ele tremeu e deixou wakizashi cair no chão provocando um barulho alto. A mente estava preenchida pela dor.
Escutou mais rosnado se aproximando, mais passos arrastando garras afiadas pelo chão e a saliva pingando.
[Estamos cercados!]
— Merda… esse não era o chefão da masmorra, como tem ainda mais? Vai dizer que ele tem lacaios? — murmurou tentando estancar o ferimento do braço.
Olhou ao redor e percebeu dezenas de lobos de diversas raças, todos se espreitando pelas colunas. Se saltassem de uma vez, poderiam devorar e reduzir a existência de Kurone Nakano a nada menos que uma poça de sangue.
Recuar para se recuperar era a melhor ideia, mas infelizmente isso nem se passou pela mente do garoto arfando por conta da dor. O peito subia e descia de maneira desordenada e todo o corpo tremia.
Ele retirou o cantil da cintura e bebeu todo o conteúdo em uma golada. Após jogar o recipiente para longe, bravejou para os monstros:
— Venham todos de uma vez, vou matar um por um, seus desgraçados!
O prêmio da vitória seria o Orbe Verde, o da derrota, a morte. Se aquele objeto conseguiria recuperar o seu corpo, não se importaria em perder braços ou pernas, venceria e teria os membros colados novamente.
Os monstros aceitaram o desafio e saltaram todos de uma vez.