Raifurori Brasileira

Autor(a): NekoYasha


Volume 3

Capítulo 117: Água Da Recuperação Divina

— Ele está demorando, normalmente os aventureiros concluem masmorras de nível baixo em metade de um dia, mas como ele está só e tem os ferimentos, não deveria levar mais de um — murmurou Lou Souen em seu tom seco. 

Não entendia o motivo da sua mente estar tão inquieta. 

A última vez que sentiu aquela impaciência no peito foi quando o seu falecido mestre, Lou Xhien Xhian, foi matar o monstro que fugira de uma masmorra. Não conseguia parar os batimentos acelerados enquanto o aguardava e quase ficou sem fôlego ao receber a notícia de sua morte.

“Cuide bem da princesa até eu voltar”, foi a última coisa dita por ele antes de partir.

Olhou de relance para Lou Xhien Li. As três garotas estavam em frente ao torii, esperando o retorno de Kurone Nakano, porém está situação era familiar. 

Isso o que sentia agora era o que chamavam de “ansiedade”? Talvez tivesse um pouco de medo também misturado aos seus sentimentos. 

Disseram que nem garotas artificiais eram isentas de sentimentos, apenas não os sentiam como os humanos. Precisavam de pessoas importantes para fazê-los aflorar. Kurone Nakano e Lou Xhien Xhian seriam essas pessoas?

Diferente dela, que mantinha os olhos frios e postura ereta para esconder o que sentia, Lou Xhien Li deixava toda a sua preocupação transparecer. Seus ombros estavam rígidos e os olhos verdes fixos no portal não piscavam.  

Dois dias se passaram desde que o jovem entrou, o que teria acontecido?

Ele não estava morto, disso tinham certeza, afinal os monstros já teriam saltado para fora da masmorra. Na pior das hipóteses, ele poderia estar agonizando de dor enquanto morria lentamente.

— Acho que ele também sentiu isso antes de entrar, — começou Hime — esta não é uma masmorra de nível baixo, provavelmente… não, com certeza é de um nível mais avançado. É o que chamam “evolução natural”.

Monstros eram criaturas agressivas. É comum alguns se matarem dentro das masmorras, assim como funciona na natureza, no entanto quando todos começam a agir como caçadores, o número dele diminuirá até que, no fim, restem apenas os mais fortes.

— Kurone terá sorte de não encontrar muitos monstros, mas os poucos que encontrar serão muito fortes — concluiu Hime com um olhar sério.

— Mas ele vai conseguir sobreviver, não vai? — perguntou Lou Xhien, engolindo seco.

Lou Souen também direcionou um olhar de questionamento para a mulher. Hime suspirou e colocou uma expressão pensativa no rosto antes de responder:

— Eu estava em Eragon e vi aquele jovem lutando contra Azazel van Elsie. Vocês o julgam por aquele jeito brincalhão e um pouco pervertido, mas ele sabe quando lutar a sério. Ele vai ficar bem.

Alívio? Talvez fosse este o sentimento que tomou conta de Lou Souen ao escutar as palavras daquela mulher. De fato, subestimava Kurone, mas se ele foi encarregado de matar o Arquiduque do Inferno, então não era um simples humano.

— O que foi isso? — murmurou Lou Xhien, olhando para o horizonte. — Não escutaram? Parece algo bem grande batendo com força no chão.

O som projetou-se no ar uma segunda vez. Estava distante, mas era de algo gigantesco, como dito por Lou Xhien. Passadas de um monstro, talvez?

— O que esse maldito Arquiduque está tramando? É melhor voltarmos para o porão, esse som não parece ser coisa boa.

— M-mas o Kurone… quero dizer, e quanto ao plebeu? 

— Ele vai ficar bem, mas precisamos zelar pela nossa segurança também, senão todo o trabalho dele não valerá de nada — explicou Hime, seguindo para o esconderijo.

Lou Xhien encarou o torii por mais alguns segundos antes de se mover e seguir Lou Souen e a mulher de cabelos loiros. — Volta logo, plebeu idiota — murmurou de uma maneira que apenas a sacerdotisa de cabelos negros pôde escutar.


A tempestade parou logo cedo, deixando um mar de folhas rosas e laranjas no ladrilho acinzentado. Apesar da inexistência do vento forte, o frio continuava.

Kurone jogou a pele do Chacal de Duas Cabeças por cima das outras e começou a caminhar quando o rosa ainda substituía gradualmente o laranja no céu.

Sem a ventania, conseguia ter um campo de visão mais amplo do horizonte. Agora sabia para onde deveria seguir.    

Por sorte, não encontrou nenhum outro monstro desde que deixou o tronco velho. Mantinha, ou pelo menos tentava manter, sua aura baixa. A pele do chacal o ajudava a se misturar no cenário.

Um rastro de sangue era deixado por onde passava. Apesar de trocar as ataduras do ombro esquerdo duas vezes, o sangue continuava a descer de lá incessantemente. 

As outras feridas, a mordida no ombro e o rasgo nas costas, não incomodavam mais, diferente daquele no membro artificial. Não sabia se aguentaria mais de uma batalha.

A água estava acabando igual à comida. Precisou se livrar de alguns alimentos apodrecidos pelo caminho. Jogou fora também alguns utensílios que julgou inútil a fim de diminuir o peso da mochila. Tinha apenas poucas faixas de atadura sobrando.

O local para onde seguia não estava muito longe e nem perto. Era um tipo de templo, similar àquele onde esteve hospedado. Precisaria subir uma enorme escadaria repleta de musgos para chegar até lá.

Prosseguia em silêncio. Aparentemente, Annie também precisava dormir. 

Os passos estavam mais lentos devido ao cansaço, às feridas, à gravidade aumentada em 1.5x e ao peso da pelagem em seu corpo. Chegou no clímax da sua exploração na masmorra.

A única coisa que vagava incansavelmente ali era o seu Orbe Vermelho, seguindo-o para onde quer que fosse. 

Após meia hora de caminhada, finalmente chegou ao seu objetivo: a escadaria que o levaria até o templo. Quase sentiu vontade de desmaiar ao olhar para o alto. Aquela escadaria tinha o dobro do tamanho daquela do exterior!

Sentou-se no ladrilho tomado por folhas para tomar um ar. Suas respiração continuava ofegante, queimando as narinas a cada subida e descida dos pulmões.

O cenário adquiriu um tom mórbido em pouco tempo. As tão frondosas árvores estavam desfolhadas, os troncos secos, assim como as folhas espalhadas pelo chão. Os arbustos que tanto o amedrontavam agora eram apenas gravetos magros.

Analisando o cenário, avistou uma pequena casinha próxima.

— Um poço! — Jogou a mochila e correu para o local com o cantil em mãos. Sua guarda estava baixa, afinal conseguia ver todo o cenário sem as árvores folhadas. — Tem até o balde aqui.

Olhou para o fundo do poço e avistou o seu reflexo na água cristalina. Estava irreconhecível. Aquele jovem coberto por peles de monstros mortos, rosto levemente afeminado e mechas brancas caídas nos olhos era Kurone Nakano?

Admirou sua figura refletida na água por alguns instantes como se visse um estranho no espelho. Mudou muito desde que deixou Andeavor, aquele Kurone dopado não existia mais.

O louco de Eragon também desapareceu, talvez não totalmente, mas o importante era que se tornou o companheiro de Annie. Tanto o ingênuo quanto o louco ainda existiam em seu interior, mas eram apenas algo que completava o seu ser.

Continuou refletindo sobre suas escolhas enquanto puxava a água pela corda presa em um carretel de madeira. 

Devia verificar se não havia veneno naquela água, porém não queria acordar Annie. Tomou uma quantidade considerável de água diretamente do balde e encheu o seu cantil.

— Agora tô recuperado! Nada melhor que água pra animar o espírito de um guerreiro, não é? — falou olhando para o seu Orbe Vermelho flutuando para cima e para baixo. Não sabia se aquilo tinha consciência ou não, só queria conversar com alguém. 

Antes de deixar o poço, lavou as feridas em seu corpo e as enrolou novamente com o que restava de ataduras. Aproveitou que Annie não o via e trocou o seu quimono rasgado e sujo pelo sobressalente da sua mochila.

Sentiu-se leve mais uma vez. Talvez todo aquele desânimo e cansaço que sentiu fosse a falta de hidratação, ou aquela água tivesse propriedades restauradoras, nunca saberia.

[Água da Recuperação Divina.]

Quase saltou para trás ao escutar a voz da deusa ecoando na sua cabeça. Segurou o cantil com força para não deixar o conteúdo se espalhar pelo chão.

[Puxa, Kurone, eu descanso por alguns minutos e você faz coisas irresponsáveis! Imagina se essa água estivesse envenenada, você iria morrer sem saber o porquê.]

— Foi mal, prometo não fazer mais isso!

[Você vive fazendo essas promessas, mas… essa água talvez possa nos ajudar, então não foi algo tão ruim o seu ato irresponsável.]

— É tão fofo esse jeito de me repreender e depois inventar uma desculpa para me defender.

[Acho que mudei de ideia!]

Pfff… tão fofinha, mas — encarou o templo logo acima da sua cabeça — parece que chegamos no ponto final da nossa jornada.

[Sim. Ao que tudo indica, existe uma presença muito poderosa lá dentro.]

— Então vamos finalmente conhecer o chefão da dungeon. Acho que eu tenho uma habilidade chamada “Moleque fracote que atrai chefões”, não é possível, minhas lutas se resumiram a apanhar de monstros grandes.

[Acho uma boa ideia coletar um pouco mais dessa água. Não recupera feridas, mas parece recuperar a estamina]

— Olha, Nie, sei que você pediu para eu ser mais confiante em mim mesmo e não depender tanto daquele objeto demoníaco, mas… você acha que temos chances de vencer?

[Não.]



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