Raifurori Brasileira

Autor(a): NekoYasha


Volume 3

Capítulo 111: Tutorial

Imaginou que a masmorra fosse como aquelas tanto vistas na mídia: uma caverna escura, iluminada com tochas e repleta de teias de aranha.

Decepção. 

Aquele cenário era totalmente o oposto, todos os lados eram tomados pelas árvores de folhas rosas e o chão de ladrilho cinza. A princípio, parecia que ainda estava na ilha, mas um anúncio repentino ecoou pelo ar, lembrando-o que não podia baixar a guarda:

“Olá, minhas crianças, estão me ouvindo? Bem, creio que está é sua primeira vez em uma masmorra, certo? Ótimo, ótimo, farei uma rápido introdução sobre como proceder…”

Kurone olhou atordoado. Procurava o dono daquela voz, mas não sentia ninguém por perto. Aquilo era algo impossível, considerando a inexistência de alto-falantes naquele mundo, não tinha de onde aquela voz sair.

Tentou ficar de pé, mas o peso do seu corpo não permitiu. Precisou fazer o dobro de força para levantar. Imbuiu mana nos membros para diminuir a aura e ganhar um fortalecimento nos membros inferiores.

“Primeiramente, permitam que eu me apresente, sou Karllos Sophiette, o Sophiette Fundador. Construí estas masmorras para que corações jovens, apaixonados pela emoção e exploração, possam encontrar meus valiosos tesouros e usá-los para tornar o mundo um lugar melhor.”

Após muito esforço, conseguiu ficar de pé e encarou o céu, ele estava rosa e não possuía sol ou nuvens. A voz daquele ser não vinha de lá, ela ecoava no interior da sua cabeça, mas era algo diferente da voz de Annie, conectada diretamente em sua alma. A daquele ser vinha de fora para dentro, não ao contrário.

Escutou Hime falar sobre Karllos Sophiette, mas não imaginou que fosse conhecer o lendário criador das ilhas Lou Xhien tão cedo. Não, não podia ser ele de verdade, afinal o “Sophiette Fundador” morreu há milênios de anos.

Pelo que entendeu, a voz de Karllos Sophiette era como o “tutorial” daquela masmorra, não parecia que o homem estava falando com o jovem, então seria como ele supôs, era apenas uma gravação deixada para guiar os novatos.

“… Para receber o prêmio da masmorra, é necessário matar o chefe e perfurar o seu coração. Não há limite de tempo, no entanto, o chefe poderá fugir da masmorra e ir para o mundo real nas seguintes situações: caso todos os exploradores morram ou fujam.”

Nenhuma das duas situações era uma escolha para Kurone. Perdeu a oportunidade de fugir quando decidiu ajudar Lou Xhien Li. Prometeu voltar vivo, então se não podia fugir, só lhe restava continuar em frente.

“Agora, a respeito do funcionamento deste lugar. Esta masmorra tem um efeito exclusivo, ela tem o peso da gravidade aumentado em 1.5x e o dobro do consumo de mana, ou seja, é um inimigo natural dos magos.”

— Então é essa desgraça que tá fazendo meu corpo ficar tão pesado. Nie, como tá a situação do nosso corpo com a mana?

[Estamos melhor que da última vez. Não podemos usar algo no nível de uma Magia Sagrada, mas o resto está liberado.]

“Está feita a introdução, aproveitem a exploração nas masmorras, bravos exploradores, orgulhem o papai Karllos e salvem o mundo!”

Após o último anúncio estranho, a voz desapareceu e o silêncio voltou a reinar na masmorra. Aquele era um mundo completamente diferente do que estava acostumado, assim como o Hangar dos Mortos. 

Kurone tirou a mochila marrom das costas e examinou seus mantimentos. Havia comida e alguns utensílios como pequenas panelas e cordas. Com a gravidade aumentada, aquilo se tornaria um verdadeiro estorvo na hora de correr.

Olhou para trás e viu um torii vermelho. Aquele era seu bilhete de volta para casa quando derrotasse o chefe da masmorra.

— Será que essa espada vai ser o suficiente pra matar ele? — murmurou olhando para a wakizashi na bainha negra. — Tipo, se o chefão é um monstro, eu vou precisar dar uns golpes com força na cabeça dele… Droga! Eu devia ter pedido aquela katana enorme da Hime!

[Não acho que ela seria muito útil.]

— Eu não vou nem perguntar o porquê, você não quer falar sobre nada relacionado a ela. Mas enfim, vamos andando, não temos muito tempo a perder.

Demorou um pouco para se acostumar com o peso diferente do corpo. Ocasionalmente, o corpo pendia para trás por conta da mochila e ele quase caía, mas conseguia se equilibrar e continuar. 

Franziu o cenho ao andar por mais de cinco minutos e não se deparar com nenhuma criatura. Os padrões dos ladrilhos acinzentados e o formato das árvores mudava, sinal de que não estava andando em círculo, mas pela explicação de Hime, já devia ter encontrado, no mínimo, um ou dois monstros.

— Ei, Nie, não tá sentindo nada aí? Nunca achei que ia dizer isso, mas tô começando a ficar assustado com essa calmaria toda.

Tanto no mundo real quanto na sua cabeça, jamais teve o sentimento de calmaria, pois sua mente sempre estava tomada pelas vozes infernais, porém após o pacto de Annie, elas desapareceram, ou melhor, foram banidas pela deusa para o lado mais oculto da sua mente, onde não podiam alcançá-lo.

[Não… Espera! Lembra que ela explicou sobre a aura, será que não estamos sendo seguidos?!]

As poucas palavras da companheira fizeram o jovem arregalar os olhos. Andava com aura baixa para não ser notado, quem garantiria que os monstros também não faziam o mesmo?

Sem perder tempo, puxou a waikizashi da bainha negra e entrou em pose de batalha. Era a mesma posição usada na luta contra o morcego esquelético, com os braços relaxados e repleto de aberturas. Precisava de técnica, mas era o que tinha no momento para sobreviver.

— Posso usar o Olho? Não tô a fim de desmaiar e virar comida de monstro.

[Não exagere, use e desative assim que tiver verificado o suficiente.]

Dizendo um “ok!” e afastando a franja para ver melhor, ele concentrou mana na região do olho esquerdo. Sentiu o fluxo de energia vital percorrer suas veias e, em segundos, passou a ver a masmorra por uma lente amarela.

Fios brancos se espalhavam ao seu redor. Estava cercado!

Havia nove monstros de médio porte escondidos nos arbustos laranjas, esperando o momento oportuno para saltar e devorá-lo. As pernas tremeram, podia ter morrido a qualquer momento se as criaturas decidissem que era hora do ataque.

— Merda! Merda! Merda! — Partículas azuis surgiram em meio aos xingamentos. Usaria a escopeta de cano cerrado na mão esquerda, pois não exigiria muito esforço do braço ferrado.

Os arbustos farfalharam e a pressão sanguínea aumentou.

Engoliu seco audivelmente, as mãos tremiam e o coração batia cada vez mais rápido. Era algo que não sentia há tempo: medo.

Não conseguia mascarar seu medo com a insanidade, afinal Annie baniu as vozes odiosas. Perdeu o seu instinto, assim não conseguiria lutar. Era como Elsie disse naquela batalha: “Você é apenas um louco.”

Um caçador de verdade venceria um urso por ele ser apenas um urso, guiado pelo seu instinto assassino. Atacaria até matar seu inimigo ou morrer, assim era o lado insano de Kurone, sem ele, não conseguiria parar de tremer e levantar a wakizashi.

[Kurone, você não precisa daquilo para lutar. Confio em você.]

Mais uma vez, a general benevolente, Annie, estava ordenando: “Levante e lute, pois estou convosco.” Bastou aquela voz doce para acender a chama da batalha no peito do jovem.

As mãos pararam de tremer e o suor não escorria mais. Apertou com força a espada curta e a Boito .20, preparando-se para a batalha.

Enfim, surgiu o primeiro inimigo. Ele saltou do arbusto e parou em frente ao jovem, era um monstro semelhante a um lobo azul-escuro, porém tinha duas caudas e símbolos vermelhos espalhados pelo corpo. Aquele não foi captado pelo Olho Sagrado por conta da sua distância dos outros nove.

O símbolo da testa formava um círculo vermelho, os das pernas as enrolavam como cobras carmesim subindo por elas e, por último, os das costelas formavam uma linha pela coluna vertebral, todos brilhavam como luzes neon.

A criatura mostrou os dentes pontudos e, derramando saliva pelo ladrilho acinzentado, rosnou algumas vezes, chamando seus companheiros de caça. 

Não demorou para ser cercado pelos outros nove lobos similares, porém estes eram menores, possuíam apenas uma cauda e um vermelho menos vibrante nas marcas. Ao que tudo indicava, o primeiro era o líder da matilha.

[Lobo Cinzento da Lua. Rank E], anunciou a deusa olhando para um dos monstros menores.

[Lobo Cinzento da Lua Alfa. Rank C.]

“Então o grandão é o líder mesmo, só preciso matar ele para amedrontar os outros.”

Apesar de estar cercado, manteve a calma e respirou fundo. Nada o abalava após escutar as gentis palavras da sua deusa. Desta vez lutaria não como um louco, um general tirano que não conseguia controlar os próprios instintos, mas sim como um soldado do general benevolente, mantendo sua sanidade.

— Podem vir todos de uma vez, desgraçados! — berrou atirando em um dos lobos menores com a escopeta de cano cerrado.

O braço esquerdo ardeu com o coice da arma, mas ignorou a dor e direcionou mais mana para o membro artificial. Tinha mais liberdade de movimentos do que pensou.

Os outros Lobos Cinzentos se recuperaram do medo e, sem perder mais tempo, investiram para rasgar a pele do jovem. Kurone saltou algumas vezes, apesar dos movimentos reduzidos, conseguia ser rápido devido à sua mana.

Seria inútil se cansar lutando contra as criaturas menores, precisaria matar logo o líder, porém ficou confuso ao procurar pelo lobo grande e não o encontrar.

[Kurone! Olha para o chão!]

Mal teve tempo de respostas. O monstro saltou como se emergisse do subsolo e direcionou os dentes para o seu braço. 

Crack! Em uma única mordida, o monstro engoliu a mão que segurava a espingarda de cano cerrado e tomou distância novamente. Sangue em abundância começou a jorrar do braço artificial.

Disse que nunca mais queria sentir aquela dor, mas lá estava ele novamente, vendo um lobo engolindo a sua mão esquerda com a arma junto.

Ao invés de berrar de dor como na última vez, o jovem segurou firme o punho da espada curta e saltou gritando na direção da criatura, deixando um rastro de sangue enorme para trás.



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