Volume 3
Capítulo 110: Volte Vivo
— Masmorras, é?… Sempre imaginei que fosse divertido entrar em uma com uma equipe de aventureiros e conseguir diversos tesouros… mas parece que não é bem assim.
— Pare de falar sozinho, plebeu, é bizarro. Você não sabe nada sobre masmorra, então fique quieto enquanto estou aqui.
Lou Xhien fez o braço costurado arder, provocando grunhido fino em Kurone. Ambos estavam no alto da montanha, o jovem apreciava a paisagem em pé enquanto a garota usava magia de cura em seu membro artificial.
Mesmo sabendo que era inútil, ela continuava a tentar, talvez aguardasse algum milagre, o braço curaria e ele não precisaria entrar na masmorra para pegar o Orbe Verde… mas as coisas não eram tão convenientes assim.
Aprendeu do pior jeito que não existiam milagres, aquele mundo não era como aqueles presentes em jogos e light novels. O poder da amizade ou o amor jamais superariam a força de um demônio louco.
Apesar de insana, Azazel van Elsie tinha razão quando disse: “Eu treinei por anos e enfrentei inimigos dez vezes mais fortes do que você, como acha que vai me derrotar?”
Como poderia um jovem que vivia tranquilamente no Japão moderno até poucos meses derrotar uma demônia com o título de Presidenta do Inferno?
Reconhecia a própria fraqueza, por isso queria ficar mais forte. Se não entrasse na masmorra, seria apenas um fardo para as garotas quando Asmodeus di Laplace, o Arquiduque do Inferno, atacasse.
— Tome… plebeu… — Lou Xhien deixou sua voz baixa escapar.
O garoto sentiu algo tocando suas costas e olhou para a menina. O objeto frio tinha a empunhadura dourada e preta de uma katana, porém a arma não era maior que uma faca de cozinha.
— Uma wakizashi?…
— Você vai precisar de algo para matar os monstros, certo? Esta arma era do meu pai, prometa que vai cuidar bem dela. E é melhor me devolver inteira, senão vai preferir não ter saído da masmorra com vida, plebeu…
Com cuidado, ele recebeu a pequena katana. Era leve e, com aquele tamanho, conseguiria carregá-la sem prejudicar a movimentação. Sacou a lâmina da curta bainha negra e viu seu rosto refletido nela.
Hime explicara que precisaria de um golpe na cabeça de um monstro para matá-lo, isso o deixou preocupado, pois ainda não tinha muita prática em atirar com a escopeta de cano cerrado.
No entanto, usando as duas armas em conjunto, teria certeza de que não erraria. Se uma criatura sobrevivesse ao chumbo da Boito .20, enfrentaria a lâmina daquela espada curta e mortal.
— Pode deixa comigo, eu vou trazer esse espada inteirinha, juro pra você, Lou Li — afirmou guardando a lâmina na bainha novamente.
— Tenha mais respeito ao pronunciar o meu nome, plebeu burro! Por que falou “Lou Li” com esse sorriso!?
— Você não entenderia, e se entendesse, me mataria… Ah! Já ia esquecendo de agradecer. Obrigado.
— Não tem o que agradecer, é lógico que você ia precisar de uma arma para matar os monstros, só te dei a melhor de todas as armas!
— Não é só isso, você vem tentando me curar desde que eu cheguei aqui, obrigado pela preocupação, fique bem até eu voltar. — Inconscientemente, passou a mão sobre os cabelos rosas da menina. — Hã? E-ei, não fique brava, eu não queria fazer isso…
Por algum motivo, a maciez daquele cabelo lembrou o de Rory. A loli delinquente sempre ficava irritada quando passava as mãos no cabelo dela.
Ver Lou Xhien parada ali, escondendo os seus verdadeiros sentimentos sob a máscara de tsundere o lembrou daquela garotinha que deixou em Eragon.
— Eu não posso baixar a guarda mesmo, plebeu pervertido! — Ela inflou as bochechas e virou as costas, indo em direção às escadas.
Antes dela sair do seu campo e visão, viu sua boca silabando as palavras “volte vivo”. O coração apertou ainda mais. Suspirou profundamente e encarou a garota de cabelos negros aproximando-se.
— Vossa Majestade parece confiar em você, esta era espada que o pai dela usava em suas batalhas contra os monstros que tentavam sair das masmorras e atacar as ilhas.
— Os pais dela também foram sequestrados pelo Arquiduque? Pelo que você falou, esse homem parecia ser bem forte… ou vai dizer que o tal Asmodeus matou ele e a esposa?
— De fato, o senhor Lou Xhien Xhian morreu, mas já faz muito tempo. — Kurone baixou os olhos ao escutar a notícia da sacerdotisa. — Vossa Majestade ainda era uma criança na época, um portal enorme apareceu ali, — apontou para a parte mais elevada da montanha — todos foram orientados a não ir para lá, pois aquele não era um portal comum.
Os olhos do garoto se encontraram com ruínas do que fora um grande torii vermelho. A área também estava devastada, no entanto que chamou sua atenção fora duas cruzes no meio do local.
— Porém, um grupo de aventureiros irresponsáveis vieram do Continente Ocidental e atravessaram o portal. Bem, nenhum deles retornou com vida, mas algo vivo saiu de lá, um monstro enorme que devorava almas e, para a sorte dele, era a época em que os grandes aventureiros vinham de todas as partes do mundo para se aventurar nas masmorras.
A sacerdotisa fez uma longa pausa antes de continuar, talvez recordando os acontecimentos da época para recontar da maneira exata.
— Ao escutar a notícia, o senhor Lou Xhien veio correndo da ilha principal para matar o monstro, mas morreu, ninguém sabe o motivo, pois ele enfrentou inimigos mais poderosos no passado e sobreviveu.
— Então o monstro escapou!?
— Não. A única que podia derrotar o monstro era a mãe de Vossa Majestade, porém pagou um preço alto por isso: sua vida. Ela não podia usar mana e forçou o próprio corpo, o preço pela vida de milhares foi a sua morte.
Kurone parou para refletir sobre a história. Agora entendia a aversão da princesa às masmorras, no entanto ela era diferente de Rory. Aquela garotinha órfã não podia espancá-lo, congelá-lo e ir em seu lugar para o campo de batalha como fizera a loli delinquente.
Sentiu que usou palavras triviais para afirmar que voltaria com vida. Sua morte doeria mais na menina que nele mesmo.
“Annie, você tá chorando?”
[Nã-não! Não estou! Eu só… estava refletindo sobre essa história triste.]
“Eu escutei você chorando, não precisa ter vergonha, é uma história triste mesmo.”
— Que clima de enterro é esse aqui? Tava contando essas histórias tristes de novo, mulher peituda? — Hime quebrou o silêncio com sua voz de deboche e apontou a espada grande para a sacerdotisa de cabelos negros.
— Estava apenas respondendo à pergunta dele — disse Lou Souen em sua voz seca.
— Sei… Enfim, está pronto, Kurone? Preparei alguns mantimentos para você e deixei em frente aos portais.
— Já tô pronto também… eu acho. — Olhou para a sacerdotisa antes de seguir para a escadaria. — Se cuida, Lou Souen, quando eu voltar podemos jogar de novo.
A jovem acenou, apesar de seu rosto inexpressivo, o braço agitado mostrava que também torcia para o jovem voltar com vida.
— Elas ficaram bem próximas de você em pouco tempo — comentou Hime, com os olhos fixos na wakizashi dada por Lou Xhien. — Não decepcione ela, ok?
— Eu sempre fui bem popular com as mulheres, mas nesse negócio de decepção também sou profissional…
Em sua mente, viu a figura de Luna e, em seguida, ela foi sobreposta pela de Amélia, ambas estavam sob a luz da grande lua.
Um pequeno filme passou-se em sua cabeça com Teruhashi tirando a própria vida, Elisabella chorando na carruagem, Flugel tendo a vida ceifada pelas flechas de Belphegor dé Halls e, por fim, o mais doloroso: Rory despedindo-se dele.
Realmente, conheceu muitas garotas, mas quase todas tinham uma expressão infeliz no rosto, no fim não conseguiu ajudar nenhuma.
A descida das escadas seguiu-se em silêncio. Atravessaram a ponte com o som das águas calmas do pequeno lago, passaram pelo centro do santuário e adentraram a floresta. De lá, foram poucos minutos até chegar no aglomerado de portais vermelhos.
Kurone viu uma mochila média marrom no chão e a coletou, não estava muito pesada, mas não sabia se isso era bom ou ruim.
— Pode escolher qualquer um, todos aqui vão para masmorras de nível baixo — explicou Hime dando um cantil ao jovem. — Quase todas as masmorras têm água, então você pode abastecer lá quando acabar.
Engoliu seco. Já estava na hora. O seu estômago embrulhou e soltou arrotos discretos algumas vezes, porém suspirou profundamente na esperança de reter muito oxigênio no cérebro e obter mais coragem.
[Ai, ai, ai! Esse nervosismo está me matando, eu estou sentindo toda a sua ansiedade e passando um pouco da minha para você.]
“Eu achei que ia ser mais fácil, mas é assustador mesmo!”
Tudo era assustador na primeira vez, foi o que concluiu em Eragon, no entanto bastava sobreviver a essa primeira vez para perder esse medo e tentar outras vezes, ou seja, sobreviver para se tornar mais corajoso.
Ele apertou o punho da wakizashi com força e, fechando os olhos, correu em direção a um portal. Eram todos iguais, então não fazia diferença. Quase parou ao sentir uma presença diferente no portal, mas engoliu seco e saltou.
Apertou os olhos, dentes, punhos e todas as portas do corpo que conseguiu retrair para não gritar ou o corpo tremer enquanto atravessa o portal.
Sentiu que era seguro abrir os olhos ao sentir uma brisa diferente no ar.
Caiu de joelhos, quase sem ar, e olhou para toda a majestosa paisagem adiante. Estava dentro da masmorra!