Volume 3
Capítulo 109: Familiar Espião
— O ponto fraco dos monstros é a cabeça, um golpe com força é capaz de matá-los — explicou Hime, apontando para o centro de uma árvore, onde esculpiu um alvo.
No segundo dia, a mulher focou em dar dicas sobre os habitantes das masmorras, os monstros. O objetivo de Kurone era diminuir a aura e dar um golpe com toda a sua força no alvo.
Ela deu dicas sobre como diminuir a presença. Apesar de não dominar completamente a técnica, o jovem conseguiu reduzir em um tamanho considerável com uma trapaça: ele enviava toda a mana para os braços e pernas, aumentando assim sua força e agilidade e encolhendo a aura.
Ele impulsionou-se e foi em direção à árvore, levantando as folhas do chão. Plac! O som seco da sua espada de madeira batendo contra a madeira ecoou pela floresta.
Era canhoto, mesmo se imbuísse tanta mana no braço direito, jamais teria a mesma força do braço dominante. O golpe foi forte o suficiente para criar uma rachadura na árvore, mas ele desequilibrou e quase caiu.
— Vai precisar de mais equilíbrio se quiser sobreviver após matar um monstro, normalmente eles andam em bando.
— Ai, ai, será que não dá pra finalizar a masmorra sem matar esses monstros? Tipo, eu sou bom em esquivar e correr rápido, então…
— É impossível — Hime respondeu sem hesitação. — As masmorras só liberam as recompensas quando o chefe é morto, nesse quesito se parece muito com os videogames da Terra.
— Caraca, quem diabos definiu essas regras?!
— Karllos Sophiette. Não o xingue assim, esse homem ajudou muito a humanidade apesar de suas ideias absurdas como as masmorras.
— Eu não esperava uma resposta… teve realmente alguém que construiu as masmorras…
Kurone pensou que mudar o assunto, porém foi empurrado repentinamente por Hime nos arbustos. A mulher pulou em uma árvore e pediu para ele ficar em silêncio enquanto apontava para cima.
No alto, quase imperceptível para pessoas desatentas e de visão ruim como o jovem, sobrevoava uma ave. Seria algo trivial se não soubessem que não existiam animais ou monstros fora das masmorras.
A ave voou de um lado para o outro como um drone de patrulha e, percebendo a inexistência de movimentos naquela parte da floresta, foi em direção aos templos.
Apesar de estar longe, Kurone podia sentir uma presença estranha vinda do animal.
[Alley. Familiar, Espírito dos Céus. Rank B. Dezesseis anos.]
“O pássaro tem nome?! Não, isso não importa agora, ele vai encontrar a Lou Xhien e a Lou Souen no templo, precisamos avisar rápido.”
Ele olhou desesperado para a mulher em cima da árvore. A informação de que se tratava de um familiar o preocupou ainda mais, alguém mandou o animal até lá porque suspeitava da existência de pessoas.
Hime começou a saltar pelas árvores sem esperar o jovem, fazendo o mínimo de movimento possível. Tudo acabaria se fossem descobertos.
Kurone imbuiu mana nas pernas e acelerou o passo, mas não tinha mesma destreza da sua mestra, esbarrava constantemente em árvores ou arbustos, diminuindo a velocidade e quase rolando pelo chão.
O único barulho produzido na floresta era o das folhas secas sendo quebradas pelo passo rápido da dupla.
Pararam na divisória entre o santuário e a floresta. A ave sobrevoava o local há algum tempo, mas não parecia ter notado a presença da princesa ou da sacerdotisa.
No templo do centro, onde Kurone dormia, viram a silhueta de Lou Xhien pela janela. A menina parecia estar prestes a trocar de roupas e sair do local.
Não podiam gritar ou se aproximar, pois não tinham mais a cobertura das árvores para se moverem sem entrarem no campo de visão do familiar.
[Kurone! Uma pedra, pega uma pedra!]
Annie direcionou sua atenção para duas pedras pequenas aos seus pés. Era um ideia arriscada, porém não tinham outra opção. Ele sinalizou para Hime e a entregou o objeto.
— Na hora que eu arremessar, você se esconde. Ele vai escutar o barulho e ver a pedra — murmurou a mulher preparando-se para o arremesso.
Ela girou o braço com força e realizou o lançamento.
Como o esperado, a pedra bateu na janela e a rachou, chamando a atenção da garota trocando de roupas.
Lou Xhien olhou assutada para a origem do arremesso e pensou em gritar ao ver Kurone, provavelmente achou que ele estava a espiando enquanto se vestia, mas tapou a boca ao ver os sinais que eles faziam.
A ave, algo próximo de uma águia de penas amarronzadas, mergulhou do céu e foi em direção ao local que a pedra foi arremessada, no entanto a menina teve tempo o suficiente para se esconder, pois o familiar voltou ao céu frustrado.
— Agora só falta a Lou Souen… — O jovem olhou para a parte mais elevada da floresta, se seguissem aquele caminho chegariam à sacerdotisa sem precisarem das escadas.
Hime não perdeu tempo novamente e disparou em direção ao “templo da meditação” de Lou Souen. Agora precisavam ter mais cuidado, o animal certamente percebeu a movimentação estranha daquela pedra.
Tiveram que aumentar o passo, a subida para o alto da pequena montanha tornou-se difícil sem as escadas. A mulher de cabelos loiros foi obrigada a usar a longa espada como uma bengala enquanto o jovem subia na pura força de vontade, sentindo as panturrilhas ficando inchadas.
Teriam de arrumar uma maneira de comunicação com a sacerdotisa, além de ser suspeito uma segunda pedra, o templo era muito pequeno e tinha várias janelas, ela só poderia se esconder dentro do armário.
Com muito esforço, ambos chegaram no templo ofegantes. Sentia as pernas queimando, mas a adrenalina era suficiente para suprimir a dor.
Hime olhou para o céu e sinalizou para jovem se aproximar. Não tinha nenhum sinal da presença da ave, mas ela poderia aparecer a qualquer momento, por isso não arriscaram sair da floresta. Mesmo que o templo fosse perto, seria muito perigoso.
O olfato captou um aroma familiar vindo da construção próxima. Em sua mente, imaginou inconscientemente o líquido verde em uma xícara branca. Era Camélia! Lou Souen estava preparando Camélia na pior hora possível. Se fosse um animal terrestre, já teria farejado a sacerdotisa.
Um barulho estranho interrompeu o pensamento da dupla, algo caiu no telhado do templo e começou a rolar, parando ao cair no chão. Escutaram os passos de Lou Souen aproximando-se da porta, mas não podiam fazer nada.
Kurone simplesmente fechou os olhos e aguardou o desenrolar dos acontecimentos, no entanto a curiosidade foi maior e os abriu quando escutou o barulho da porta abrindo. Viu a figura de Lou Souen olhando confusa para o chão.
Os três ficaram estáticos, um olhando para o rosto do outro sem compreender o que acontecia. A sacerdotisa confusa quebrou o silêncio com a sua voz robótica:
— Foi algum de vocês que jogou essa pedra no templo? Apesar das circunstâncias, Isto ainda é uma blasfêmia…
Os olhos do garoto ficaram ainda mais arregalados quando ele reconheceu o objeto na mão de Lou Souen. Parecia ser apenas mais uma pequena pedra, algo encontrado em qualquer parte da floresta, porém aquele formato era familiar.
— Merda! Foi a pedra que jogamos para avisar a princesa! — gritou Hime incrédula.
Esperavam um ataque mágico ou algo do tipo do familiar, mas aquilo era algo ainda pior. A pedra demonstrava que subestimaram a águia, ela era tão racional quanto qualquer um deles, percebeu a existência de outras pessoas na floresta ao ver a pedra sendo arremessada.
Um frio inexplicável percorreu a espinha de Kurone ao escutar as folhas das árvores balançando. Por instinto, ele e Hime olharam para trás, o garoto materializou a escopeta e a mulher entrou em pose de batalha.
A primeira coisa que viu ao virar foi os grandes olhos amarelados da criatura coberta de penas brancas e marrons. Ela olhava estática para o trio em frente ao pequeno templo.
Aquela ave os enganou perfeitamente e tirou sarro jogando a pedra no telhado e atraindo todos para aquele local. Kurone fez menção de mover o braço e atirar, porém o familiar bateu as asas e abriu voo pelas rosadas da floresta.
Hime saltou pelos troncos com o máximo de velocidade que conseguia, mas não podia fazer nada, afinal não conseguiu voar como aquela criatura. Ela desistiu e voltou para o lado de Kurone e Lou Souen com uma expressão de desgosto.
— Agora sabem que estamos aqui, precisamos nos esconder, rápido! — anunciou com um olhar sério para a sacerdotisa de cabelos negros. — Kurone, você não tem mais tempo, precisa entrar na masmorra agora.
— O q-quê?! Mas eu só tive um dia e meio de treinamento…
— Escute, provavelmente isso era um familiar do Arquiduque do Inferno, — apontou para a direção onde a ave desapareceu — ele agora sabe da nossa localização e da sua existência, se não estiver em condições de lutar, nós acabaremos mortos.
— Droga… acho que não tem jeito mesmo. E quanto a vocês? Não vai ser perigoso ficar por aqui me esperando?
— Não se preocupe, só precisamos nos esconder no porão secreto do templo principal. Se escondermos tudo, vão achar que nós fugimos para outra ilha — ela falou entrando no pequeno templo.
Assim como o explicado, Hime começou a esconder as xícaras de chá e pegar alguns utensílios do armário.
Estavam lutando contra o tempo agora.
— Eu vou ver como está Vossa Majestade. — Lou Souen foi em direção às escadas rapidamente.
Elas pareciam estar decididas, sabiam tudo o que precisavam fazer para sobreviver, porém Kurone estava perdido ali, ainda tentando processar todos os acontecimentos. A ideia de entrar na masmorra sem treinamento adequado o assustou mais do que pensou.
[Não se preocupe, você mesmo falou, vou estar com vocês por todo esse tempo]
Aquela voz o fez voltar para a realidade. Finalmente o tempo que corria em uma velocidade 2x estabilizou-se e ele pôde acompanhar os acontecimentos. Apertou a escopeta que tinha mãos e olhou para o local onde ficavam as entradas das masmorras.
“Putz, eu não tenho um segundo de paz mesmo…”