Raifurori Brasileira

Autor(a): NekoYasha


Volume 3

Capítulo 108: Afago Da Deusa E Sorriso Da Garota Inexpressiva... Tranquilidade!

O longo abraço de reencontro demorou por mais cinco minutos. Em todo o tempo, Kurone e Annie permaneceram em um silêncio profundo, um encarando o rosto do outro. Tudo era real de mais para ser um mero sonho.

— Onde estamos? — o jovem perguntou finalmente quebrando o silêncio caloroso do lugar.

Annie o soltou e ficou de pé, pondo os braços para trás e fitando-o com os olhos ametista, aqueles lindos olhos sugeriam que ambos conheciam aquele lugar. Ele analisou com cuidado o cenário, uma vasta imensidão de trevas. 

Realmente, era uma paisagem conhecida de longa data.

A primeira vez que a viu ainda estava no ensino fundamental, era o Kurone Nakano delinquente. Quando chegou àquele mundo, entrou naquele lugar diversas vezes sem perceber, mas agora a ficha caiu. Estava na…

— É a minha mente?… — murmurou mais para si que para a sua companheira.

Porém, o lugar estava mais iluminado se comparado à última vez que o visitou. Grandes fissuras no céu negro iluminavam paisagem, dissipando as trevas.

— Parece que aquele é o motivo pelo qual você ainda não pode utilizar muita mana — enunciou Annie apontando para as fissuras no céu. — De alguma maneira, sua mente está conectada com o mundo espiritual e mortal. É como o Domínio de uma deusa.

Demorou um pouco para processar a explicação, mas começou a suspeitar que aquela escuridão não era um simples pesadelo que o atormentava toda a noite quando a falsa Annie o invadiu e propôs o pacto.

Ao morrer pelas mãos de Azazel van Elsie, este “mundo à parte” o fez reviver os momentos trágicos da sua vida na Terra. Era algo intrigante. 

Viu dois objetos conhecidos flutuando pela imensidão negra: sua máscara branca dada pelo supervisor e a escopeta de cano cerrado, ambos o ajudaram muito em sua jornada até ali.

Um trovão assustou dupla encarando os objetos no céu, na verdade, estava mais para um rugido furioso distante. Todos os pelos do jovem se eriçaram, teve medo daquilo por algum motivo.

— A origem das vozes… — murmurou Annie. — Quando cheguei à sua mente, estava tudo uma bagunça, então decidi arrumar algumas coisas… e ouvi diversas vozes violentas querendo tomar o meu lugar e sussurrar coisas maldosas para você. Foi horripilante, eles queriam me matar, Kurone! — concluiu se agarrando ao garoto.

Não chegou a ver as “vozes”, mas aquele rugido foi o suficiente para ter uma ideia do terror delas. Conhecia bem o quão violentas poderiam ser. Cego por aqueles conselhos repletos de ódio, aceitou o pacto com a falsa Annie e derrotou um Espírito Ceifador sozinho, mas a que preço? Perdeu a vida pela imprudência.

Admirou Annie pela sua coragem. Enquanto dormia tranquilamente, ela continha aquelas vozes perturbadores, impedindo que chegassem à sua cabeça.

— Por isso você precisa ter cuidado, viu? Toda vez que sente raiva, aquelas coisas crescem e espalham mais escuridão na sua mente. Eu não posso conter se for muito forte, então você precisa se controlar por mais odiosa que seja a situação, me promete?

— Sim, Nie, eu prometo! Caraca… me deu uma vergonhazinha de te chamar de Nie assim, olhando pra o seu rosto.

— Puxa, você não tem jeito. Vem comigo, vem, eu não te disse que tinha feito umas mudanças aqui? Veja… — Ela estalou os dedos e, no mesmo instante, as trevas do lugar deram lugar a um lindo céu azulado e o chão árido tornou-se grama.

Era apenas uma exceção, a grama e o céu azul se estendiam apenas por poucos metros, o resto do cenário ainda era negro e árido. Uma cesta laranja estava sobre uma grande toalha vermelha e branca estendida no chão verde.

— Venha, provavelmente nosso corpo vai demorar um pouco para se recuperar — disse sentando na toalha e chamando o jovem. — Vamos fazer um piquenique por enquanto.

Kurone seguiu a garota e sentou-se. Apesar de ser pequeno, aquele lugar fazia o jovem se esquecer que estava na escuridão caótica da sua mente.

Ao sentar, abriu a cesta e pegou uma maça vermelha, mordendo-a em seguida. Era uma maçã de verdade, diferente daquela fruta que vira quando chegou na mansão Soul Za, no entanto…

— Não tem gosto… — comentou arregalando os olhos e dando mais uma mordida para se certificar.

— Bobinho, claro que não tem, estamos na sua cabeça, nada aqui é físico. — Annie deu uma risada discreta jogando uma banana nele, o garoto não sentiu dor, pois aquela fruta também não era real. — Porém — ela saltou e o abraçou mais uma vez — é diferente para nós dois, afinal temos um pacto.

O jovem relaxou os músculos e olhou para a garota com a cabeça encostada em seu peito, ela parecia um pequeno animal fofo o encarando com os seus olhos ametistas. 

Apesar de todo aquele contato, não sentiu desejo sexual, nem mesmo a via de maneira obscena. Seu coração se aquecia, o relacionamento deles era superior ao de irmão e irmão ou mãe e filha, mas não chegava ser algo como o de marido e mulher, pois faltava o desejo pelo corpo. 

Eram dois seres que compartilhavam os mesmos sentimentos, conectados desde o nascimento, originalmente executor e vítima.

Não sabia o que seria dele se não estivesse com Annie ao retornar à vida. Estava longe de Eragon, não sabia se Rory, Amélia ou Orcus estavam vivos. Aquela vampira era forte, porém não confiava nela. 

O sorriso de Frederika ainda estava cravado na sua mente, assim como aquele de Flugel, mas toda vez que os pensamentos de seus antigos companheiros vinham à tona, Annie o lembrava que tudo ficaria bem. Acreditaria que todos estavam bem, esperando o seu retorno. Rory provavelmente não demonstrava, mas também devia estar preocupada, afinal era uma tsundere.

— Não se preocupe, nós vamos salvar as garotas artificiais e voltar para o Continente Ocidental. — Ela afagou sua cabeça com as mãos delicadas e frias, no entanto, calorosas.


— Creio que está cena lhe é familiar, não? — questionou Lou Souen oferecendo uma xícara de Camélia quente.

Abriu os olhos e viu aquele pequeno cômodo de papel amarelo e máscaras de ogro novamente. A garota de cabelos negros amarrados em um rabo de cavalo ficou de joelhos e o encarou enquanto tomava o líquido verde.

— Eu te encontrei caído na floresta e o trouxe até aqui. Dormir naquele lugar pode ser perigoso para a sua saúde, também é perigoso para postura — explicou com o rosto inexpressivo.

— É, sei, obrigado por me carregar, você bem forte, mesmo tendo esses braços delicados.

— Nem tanto, só consigo levantar cem quilos.

— Caraca! E você ainda diz que não é forte… de qualquer forma, já tá de noite, perdi um dia de treinamento, droga! — Ele olhou para a janela e observou a luz fraca da lua verde.

— Você queria treinar? Eu posso te ajudar com isso, será perfeito para aprender mais sobre os limites do corpo humano.

— Contanto que não machuque o meu braço, qualquer treinamento é bem-vindo — falou ficando de pé e terminando o chá em uma golada audível.

— Então faremos um treinamento para aumentar o seu raciocínio rápido. — Podia ter sido impressão, mas sentiu certa empolgação na fala da garota artificial. Ela puxou algo do armário marrom e pôs sobre a pequena mesa, derrubando as xícaras no chão de madeira.

O objeto em cima da mesa era uma maleta vermelha com um grande ideograma ilegível para o jovem. Ela abriu e tirou um tabuleiro enorme acompanhado de peças douradas. 

Em pouco tempo, montou todo o tabuleiro e distribuiu cartas para ambos.

Kurone observou a destreza da jovem distribuindo as cartas e montando todo o tabuleiro em uma velocidade impressionante. Ela se movimentava como uma criança empolgada, mas o rosto ainda era inexpressivo.

— Isso é a droga de um jogo de tabuleiro! — protestou ao olhar para a mesa.

— Não. É um objeto capaz de aumentar seu raciocínio rápido disfarçado de jogo de tabuleiro.

— Falando sério assim parece até verdade! — Direcionou o dedo para a jovem de olhos frios, a fala e o rosto eram os de alguém falando sério, mas estava na cara que era uma mentira para ter alguém para jogar.

— Você está certo, perdão. Era apenas o que vocês chamam de “pegadinha”… isto é apenas um jogo para crianças — falou em um tom mais baixo e fez menção de colocar as peças na maleta novamente.

Apesar da indignação, Kurone sentou-se e pegou as cartas antes dela. Percebeu que elas estavam bem desgastadas, sinal de que foram usadas muitas vezes em partidas daquele jogo.

— Eu vou jogar porque quero aumentar o meu raciocínio, mas você tem que explicar as regras, ok?

Por milissegundos, viu aquela garota artificial inexpressiva arregalar os olhos e abrir a boca, mas logo ela se recompôs, limpou a garganta e começou fingindo indiferença:

— Seja como quiser. Explicarei todas as regras, mas aviso que será impossível me vencer. Claro, jamais joguei isto antes, mas já vi os pais de Vossa Majestade jogando com uma sacerdotisa e memorizei as regras.

[Kurone, ela está mentindo.]

“Eu sei, parece que até a mais robótica das pessoas tem algo precioso.” Ele olhou para a maleta vermelha aberta. Pela maneira com que Lou Souen a segurava, era algo de muito valor para ela, talvez um presente de alguém especial. 

Aquelas pequenas expressões e a maneira mais agitada mostrava que ela queria realmente jogar com alguém, mas com toda aquela situação jamais conseguiria, todos estavam com a mente cheia, diferente dela.

Kurone escutou atentamente as regras complexas do jogo e inciou o jogo. Sentia empolgação naquela voz lhe explicando as infrações que cometeu ao jogar as cartas erradas. 

Não era um treinamento de verdade, mas sentia tranquilidade, aquilo o lembrou do tempo que brincava com suas irmãs com jogos de tabuleiro, Raika sempre vencia todas as partidas, assim como Lou Souen.

— Então é aqui que você estava se escondendo, plebeu, aquela mulher estava te procurando, pensamos que você já tinha morrido… Hã? Esse jogo é…

— Eu quero jogar tabém! — Hime interrompeu a fala de Lou Xhien e saltou para o interior do templo, sentando-se entre Kurone e Lou Souen. — Vamos logo, princesa, vamos jogar também, eu falei que não precisava se preocupar com o Kurone.

— Hã? Eu não estava preocupada! Hmpf, de qualquer forma, tem sorte deste ser um jogo nobre, por isso jogarei com vocês, vamos, me deem espaço, não quero ficar fazendo tanto contato assim com plebeus.

O jogo teve início após Lou Xhien lavar suas peças e fazer birra para ser a primeira a começar. Gargalhadas ecoaram do pequeno templo ao decorrer do jogo, no entanto, o que mais chamou a atenção de Kurone foi o sorriso discreto que Lou Souen tinha no rosto. 

Prometeu a si que, quando libertasse as outras garotas artificiais, jogaria novamente com ela.



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