Volume 3
Capítulo 107: Primeiro Dia De Preparação
[No fim, você aceitou entrar na masmorra…]
“Não tem problema, vamos conseguir sobreviver com a orientação da Hime, e também, acho que já passei por coisa pior.”
A luz do sol tocava carinhosamente o cabelo negro com mechas brancas do jovem. Aquela era a manhã do seu primeiro dia de preparação para entrar na masmorra, mas não estava tão ansioso, na verdade, aquilo não passava de mais um evento comum em sua vida turbulenta.
Toda noite, Lou Xhien usava magia de cura em seu braço, mas parecia ser algo inútil, colar um membro no corpo era diferente curar uma ferida, mesmo aquela princesa não conseguiria fazer muita coisa em relação a isso, seria um milagre se conseguisse.
O Orbe Verde era a única opção que tinham se quisessem vencer Asmodeus di Laplace. Se não conseguisse nem completar uma masmorra, não teria força para enfrentar o Arquiduque.
Percebeu que, junto à sua vida em Eragon, também perdeu o pacto com Cecily. Não possuía mais o Olho Sagrado e muito menos qualquer outra habilidade dada pela deusa, precisava urgentemente de treinamento, pois era agora mais fraco do que antes.
[Você prometeu não se arriscar tanto!]
“Eu sei, eu sei, mas eu preciso ficar mais forte. Desculpa…”
[Puxa, não tem o que fazer com você.]
O local combinado com Hime para o primeiro dia de preparação era uma clareira no centro da floresta rosa. Ele andava devagar, conversando por pensamentos com a deusa e apreciando a paisagem majestosa.
Desde que fez o pacto com Annie, começou a apreciar mais o cenário e prestar atenção nos detalhes, teria adquirido o jeito cuidadoso dela? Não era algo ruim, aproveitar a calmaria do ambiente o ajudava a ficar mais calmo.
Parou ao atravessar um aglomerado de arbustos e ver uma mulher no alto de uma enorme pedra marrom, dormindo profundamente.
— Você devia tá tão relaxada assim, Hime? E se acontecesse um ataque surpresa?
— Nunca procuram na floresta — a mulher respondeu preguiçosamente. Passou as mãos nos olhos sonolentos e saltou da rocha. As folhas laranja no chão espalharam-se quando ela tocou os pés no chão e aterrissou como se controlasse a gravidade do seu corpo.
Hime quase nunca andava com Lou Souen ou Lou Xhien. Apesar de não demonstrarem por conta da situação, havia uma inimizade entre ela e a princesa — não podia dizer o mesmo sobre Lou Souen, pois a garota não tinha sentimentos.
Lou Xhien não estava contente com a ideia da masmorra, mas disse que Kurone podia fazer o que quisesse. Ela entendia a gravidade da situação.
— Bem-vindo ao curso completo de “Como Sobreviver A Uma Masmorra”, um oferecimento Hime! Eu serei sua honorável mentora.
— Espero que os alunos consigam aplicar a teoria na prática…
— Haha, vai depender do desempenho do aluno. Como está o seu braço? Lou Xhien Li parece estar se dedicando muito para tentar te curar, ela tem medo de masmorras mesmo. — Hime pôs a mão no queixo e encarou o braço que ele tirou debaixo das mangas do quimono.
— Consigo mexer um pouco, mas é um incômodo dormir com ele, às vezes acabo forçando sem querer e sinto a picada dos pontos.
Apesar de ser um braço artificial, ele não tinha diferença do seu antigo membro, exceto pela falta da tatuagem. Lou Souen explicou sobre como esse braço se adaptava ao novo dono, algo impressionante para um estudante de medicina como ele. Algo assim no seu mundo poderia ajudar muitas pessoas.
— De qualquer forma, não temos muito tempo a perder. Sua primeira lição será sobre aura, por isso lhe trouxe até aqui. — Hime apontou para todo o cenário calmo.
Realmente, ali era um lugar livre de distrações, conseguiria sentir facilmente a presença de outra pessoa se aproximando a muitos metros de distância.
Kurone imitou a mulher e sentou em uma pedra média próxima.
— Isso é algo muito importante nas masmorras, há monstros que conseguem se esconder nas sombras, ocultar sua aura e atacar aventureiros desavisados.
Monstros eram criaturas comuns nos jogos e light novels de fantasia, no entanto, quase não teve contato com eles naquele mundo — embora as poucas vezes tivessem sido intensas, como o ataque dos orcs em Grain e a luta contra a Besta Negra.
— A aura — continuou Hime — nada mais é que a densidade da sua energia vital, ou seja, a mana. Pessoas com pouca mana tem uma aura de curto alcance, por isso essas pessoas normalmente se tornam ladinos ou mercenários, Classes que requerem discrição e pouco uso de magia.
“Igual a Rory…” Lembrou de quando estavam na guilda e Linda avaliou seus status. Esperava uma classe maior de Rory, mas agora entendia, tudo influenciava na Classe. A garotinha tinha pouca mana, era rápida, gostava de dinheiro, era impiedosa e portava uma arma.
Personalidade, físico, crenças, gênero e quantidade de mana, isso era considerado na hora da atribuição da Classe. Ele era um Missionário por conta da sua relação com o divino.
— Controlar a sua aura e sentir a do oponente é essencial para sobreviver, e você… bem, sua aura está espalhada por toda a ilha.
— Eh?! Você falou como se eu tivesse andando por aí com alguma coisa indecente à mostra!
— De fato é. Pense em você forçando os outros a cheiraram o seu sovaco contra a vontade, é algo bem indecente imaginar a pobre Lou Xhien com o nariz na sua axila…
Kurone desequilibrou e quase caiu da pedra. Só conseguiu imaginar Azazel van Elsie, que impunha sua aura sobre os outros, sentiu-se oprimido por ela naquela batalha. Mas como dessa vez era a sua própria presença, não conseguia senti-la como as garotas.
— O problema, na verdade, nem é esse, mas sim o fato de que você vai encobrir a aura dos outros com a sua, assim não conseguirá sentir a de pessoas com pouca mana se estiverem distantes, como eu.
[Isso parece ser um problemão, ela parece ter pouca mana mesmo, só conseguimos sentir porque tem poucas pessoas aqui.]
— Além de conseguir sentir presenças mais fracas, você também vai ficar mais rápido se conseguir comprimir sua aura. Viu? Só tem vantagens — concluiu a mulher levantando-se da pedra. — Essa será a sua lição de casa, tentar diminuir o alcance da sua aura. Adeus e até amanhã.
— Es-espera! Foi só isso!? Não passou nem dez minutos!
— Sim, é só isso mesmo. Passe o resto do dia estudando, eu vou tirar um ronco no templo. — Ela saltou em uma árvore e começou a saltar para o meio da floresta antes do jovem protestar mais.
[Ehhh… então essa é a sua grande mentora… que grandes ensinamentos ela passou.]
“Olha, ela conseguiu explicar algo bem melhor que os meus professores do Japão, então não vou reclamar tanto. Enfim, é melhor pôr em prática o que ela ensinou, ficar xingando não vai adiantar em nada mesmo.”
[Você é bonzinho de mais com as mulheres.]
Ele ficou de pé e encarou a floresta, na direção onde a mulher desapareceu aos saltos. Primeiro precisava saber qual o tamanho da sua presença, mas era difícil sem o seu fiel Olho Sagrado. Antigamente conseguia detectar qualquer sinal de mana com ele.
Ao pensar na sua antiga habilidade, todo o cenário de folhas rosa e laranja deu lugar ao amarelo. Sentiu um impacto de repente, no fundo da cabeça, e quase caiu, mas conseguiu manter a postura.
Com o olho esquerdo latejando, viu novamente o mundo por uma lente amarelada e os tênues fios brancos apontando para a origem da mana no ar. Aquilo era familiar, com certeza era o seu Olho Sagrado.
“Nie! Eu não tinha perdido ele com o pacto da Cecily?!”
[Fufufu! Eu estava esperando o momento certo para lhe mostrar. O Olho Sagrado é o sinal da união de um deus e um humano, nós… nós temos essa união, já esqueceu!?]
Pensou que jamais veria o mundo amarelo novamente, com os fluxos de mana espalhados por todos os cantos. Quase derramou lágrimas de nostalgia, mas a euforia foi maior e começou a gritar e saltitar.
— É isso aí! Nie, você é a melhor! Te amo!
[E-ei, não fale coisas no calor do momento assim! E não use o Olho por tanto tempo, nosso corpo ainda não está pronto para usar tanta mana!]
— Hã? Você quer dizer que…
Mal teve tempo de processar as palavras de Annie. Sentiu uma ardência repentina no olho esquerdo e o corpo ficou pesado. Avistou a sua aura, uma branquidão intensa em meio ao mundo amarelo, encolhendo rapidamente.
Conseguiu diminuir a sua aura, afinal o Olho Sagrado consumiu toda a mana disponível no seu corpo!
Kurone tentou se apoiar em uma árvore próxima, mas a falta de mana não o permitiu. Estava se recuperando lentamente do pacto com a deusa, que consumia muito da sua energia vital, mas acabou forçando muito. Sentiu um impacto no rosto e, quando percebeu, já estava no chão forrado de folhas laranjas.
— Kurone… Kurone… Kurone…
Tudo que escutou no fim foi a voz de Annie ecoando no interior da sua cabeça, mas por algum motivo, estava se tornando cada vez mais alta, como se ela cochichasse no seu ouvido com sua voz doce carinhosa.
O calor confortável envolveu todo o seu ser, dando-o uma sensação de segurança. Não imaginou que aquele chão repleto de folhas e gramíneas fosse tão aconchegante.
Devagar, abriu os olho, formando um leve sorriso no rosto por conta da tranquilidade.
Déjà vu! Viu uma garota de olhos ametistas o encarando com expressão de felicidade no rosto, diferente de quando ficaram assim no Hangar dos Mortos.
— Puxa, você precisa ser mais cuidadoso! — disse a deusa abraçando a cabeça do jovem e a colocando contra os seus seios modestos.