Volume 3
Capítulo 106: Antecipando Os Planos
[Kurone! Kurone! Acorda!]
— Mais dois minutos… Rinzinha… daqui a pouco eu levanto… hoje não tem aula…
[Acorda! Tem gente no templo! Estão vindo para este quarto!]
O jovem passou alguns segundos até estabilizar a visão. Olhou pela janela e viu a fraca luz do alvorecer adentrando lentamente pelo local. Após ficar de pé, foi questão de pouco tempo para processar as palavras de Annie.
Depois do pacto com a deusa, começou a ficar mais sensível, podia sentir a presença de qualquer outro ser, mesmo se fosse fraca. “São três pessoas! Droga, precisamos avisar a Lou Xhien.”
Desprendeu os pés do lençol do futon e abriu a porta com cuidado para não fazer barulho. O corredor com piso de madeira estava tomado pelo breu, facilitando o ato de se esgueirar pela parede. As três pessoas se dividiram.
Sentia duas auras na região da fonte termal e outra no primeiro andar. Não tinha tempo de abrir porta por porta até encontrar Lou Xhien, por sorte a sensibilidade para sentir presença o ajudava.
[Estão subindo as escadas para cá!]
“Droga, vamos apressar o passo.”
Correu na ponta dos pés, atravessou dois corredores e parou para descansar próxima à escada que levava ao terceiro andar do templo.
O jovem subiu rapidamente, equilibrando velocidade e discrição nos pés. Seria o fim se fizesse muito barulho, mas como acabou de acordar, ainda estava sonolento. O corpo tremeu quando escutou passos aproximando-se, não do andar de baixo, mas sim do de cima.
A dona dos passos, Lou Xhien, arregalou os olhos ao avistar o jovem e ameaçou abrir a boca para falar algo, porém Kurone saltou rapidamente e tapou a boca da garota, puxando-a para um quarto ao lado.
— Tem outras pessoas aqui, tem chances de serem amigos? — murmurou ainda segurando a boca da menina.
Lou Xhien respondeu balançando a cabeça de forma negativa. Era como suspeitava, inimigos invadiram o templo. Devagar, tirou a boca da boca dela e materializou a escopeta de cano cerrado.
— Não pode matá-las, são as garotas artificiais, o Arquiduque está controlando elas — explicou Lou Xhien com a voz baixa e uma expressão de dor. Os olhos verdes da menina brilhavam naquele quarto escuro como os de um gato.
[Estão mais próximas!]
Sentiu a presença das três pessoas, ou melhor, garotas artificiais, aproximando-se do quarto onde estavam. Elas tiveram a mesma ideia inicial do jovem e começaram a abrir as portas de todos os quartos.
O barulho de chutes nas portas ecoou por todo o templo, elas eram rápidas, não demorariam para encontrá-los.
Lentamente, a maçaneta do quarto onde estavam girou e a porta de madeira abriu em um rangido alto. Três figuras entraram no local e começaram a examinar os poucos móveis.
Abriram as portas do pequeno armário, reviraram o futon e quebraram a mesa com chutes. As invasoras se mantiveram em silêncio por todo o tempo, com movimentos automáticos como os de um robô.
Usavam roupas semelhantes às de Lou Souen, mas seus olhos estavam ainda mais mortos, passando a impressão de que não havia vida naqueles corpos curvilíneos.
Passaram alguns poucos minutos e, em seguida, foram abrir a porta de outro quarto, repetindo o mesmo procedimento em todos os cômodos restantes do lugar.
Kurone suspirou quando percebeu estar livre do olhar delas. Por sorte, não olharam na varanda. No desespero, o jovem pegou Lou Xhien e saltou para lá, tapando a boca dela novamente. Todo o corpo pequeno tremia por conta da altura.
— Vamos subir — cochichou no ouvido da menina assustada em seu braço. Não conseguiria levá-la os braços por conta dos pontos, provavelmente chegaria no topo sem um braço se tentasse.
Ambos saltaram até o pico do templo, tomando cuidado para não escorregar pelo telhado de estilo chinês. Aparentemente, até as telhas eram limpas pelas sacerdotisas, por isso estava tão liso.
Do alto, tiveram uma visão geral de toda a ilha. Duas garotas artificiais saíam do templo em que Hime e Lou Souen dormiam. Tudo indicavam que também não tiveram êxito na busca, mas ainda estava inquieto por não ver nenhuma das sacerdotisas.
— Não podemos fazer nada? — perguntou Kurone olhando para Lou Xhien.
— Teoricamente sim. Posso tentar usar meus poderes para libertá-las, mas isso acabaria fazendo o Arquiduque desconfiar e mandar mais garotas. Ele não nos viu aqui, mas deve ter certeza que não fugimos das ilhas. Normalmente, ele manda uma patrulha assim por semana.
— Ahhhh! Então não tem o que fazer, vamos apenas esperar. — O jovem deitou no telhado limpo. Não queria chamar a atenção do seu oponente por enquanto. Por mais que ele descobrisse a existências das três garotas, ainda teria vantagem se conseguisse se manter oculto e atacaar em um momento oportuno.
O sol da manhã dominava o céu quando todas as garotas artificiais foram embora. Lou Xhien explicou que não podiam passar muito tempo distante do Arquiduque, senão ele perderia o controle sobre elas.
Kurone e Lou Xhien desceram o telhado e entraram no templo por uma janela do terceiro andar. Todo o interior do local estava desarrumado e as portas abertas.
Não perderam tempo arrumando a bagunça e desceram rapidamente até o centro do santuário. As coisas complicariam se alguma das duas sacerdotisas fosse capturada.
— Ei! Estou aqui! — Assim que passaram pelo torii vermelho, escutaram a voz firme de Hime vinda de uma árvore. Aquele era um esconderijo perfeito, se ficasse quieta ali as garotas artificiais jamais a procurariam.
— Cadê a Lou Souen? — Kurone olhou ao redor, nas outras árvores e nos arbustos, mas não viu sinal da jovem de cabelos negros.
— Sei lá, eu tava cagando na hora que elas invadiram o templo. Só precisei me limpar bem rápido e subir em uma árvore para não ser encontrada.
— Podia ter pulado os detalhes… mas não temos tempo para isso, a gente precisa encontrar a…
— Eblublublu estoblublu ablulublu… — respondeu uma voz misturada ao som de bolhas.
Do pequeno lago, uma garota com roupa branca e vermelha emergiu com seus olhos frios e a postura ereta. Uma vitória-régia em sua cabeça a deixava com uma aparência cômica.
— Você ficou na água por todo esse tempo?! — O jovem berrou enquanto virava o rosto, afinal o kosode branco da mulher se tornou transparente.
— Ah, sim, eu consigo prender minha respiração por vários dias seguidos. Também consigo ficar sem comer ou beber água por muito tempo…
— Depois falamos de suas habilidades anormais, agora vá trocar de roupa, sacerdotisa obscena! — ordenou Lou Xhien com os olhos fixos nos grandes seios da mulher.
— Como Vossa Majestade desejar.
Após a retirada de Lou Souen, Kurone suspirou profundamente e olhou para Hime, a mulher pareceu entender o que seu olhar significava.
— Não temos muito tempo, o Arquiduque está desconfiado, ele nunca mandou tantas sacerdotisas assim. Precisamos começar o seu treinamento o mais breve possível, acha que aguenta? Começaremos com um mais leve até você se recuperar completamente.
“Annie, o que você me diz? Acha que aguentamos?”
[Pelas nossas condições, conseguimos fazer exercícios intensos se não forçarmos o braço artificial. O problema é que você é canhoto e o braço em questão é o esquerdo, então…]
— Droga, é impossível sem ferir o meu braço esquerdo.
— Então precisamos de uma cura rápida… só tem uma maneira de fazer isso… — A mulher loira olhou para o horizonte com os olhos cerrados.
Lou Xhien parecia entender o que ela queria dizer, tentou protestar, mas desistiu e ficou em silêncio, aguardando as palavras de Hime.
— O Orbe Verde consegue curar a mais mortal das feridas e, por sorte, estamos na ilha onde tem uma abundância deles…
— Então podemos usar esse “orbes” para curar meu braço? Mas pelo jeito que você falou, não parece ser uma coisa simples. Acho que vi a Rory usando uma coisa dessas em Eragon pra recuperar a mana.
Hime ficou em silêncio por alguns instantes e, segurando sua nodachi com força, falou “siga-me”, começando a andar floresta adentro. — Grite se algo acontecer, senhorita Li.
Kurone olhou para a figura de Lou Xhien voltando para o templo e para as costas de Hime adentrando a floresta. Ele refletiu por um momento e decidiu seguir a mulher sem questionar nada.
Após poucos minutos de caminhada, ela começou a falar:
— As ilhas de Lou Xhien também atraiam muitos aventureiros, não apenas pelas garotas artificiais, mas por conta de suas “masmorras”. Existem masmorras por todo o mundo, mas apenas as de Lou Xhien dão a quem completá-las um Orbe como prêmio. — A mulher parou após a explicação, apontando algo com a ponta da espada.
O garoto arregalou os olhos ao ver o que havia após os arbustos laranja: diversos toriis vermelhos, mas diferente dos que viu anteriormente, aqueles tinham energia, podia sentir que algo aconteceria se os atravessasse.
— Essas são as portas de entrada para as masmorras dessa ilha. O grande prêmio para quem completar a masmorra é um Orbe Verde, o item com a capacidade de regenerar qualquer ferida mortal.
Mas entendeu por que nem tudo era tão simples assim. Normalmente, nos jogos e light novels, as masmorras — chamadas de “dungeons” — eram perigosas por conta dos monstros que as habitavam. O pior de tudo era o “chefão” no final, só conseguiria a recompensa se o derrotasse.
— É como você pensa, as masmorras são parecidas com as dungeons, a única diferença é que você não tem uma segunda chance se perder lá — explicou com uma expressão séria. — Percebeu, não é? Não existem monstros aqui… na verdade, existem, estão todos nas masmorras, tanto os dóceis quanto os selvagens. Ainda acha que consegue encarar uma masmorra assim com o braço ferrado?
[Kurone, eu não sinto uma aura boa vindo desses portais… é perigoso demais, você pode acabar machucando o braço ainda mais.]
— Se quiser realmente entrar, eu vou te dar um pequeno cursinho de três dias sobre como sobreviver lá dentro — disse Hime com um sorriso maligno. Novamente, ela sabia qual seria a resposta do garoto.
“Mas você vai estar comigo, não é, Nie?”
[S-sim, mas… não quero ver você machucado. Tem que haver outro jeito!]
— Então tá, já me decidi, eu…
[Você é irresponsável!]