Raifurori Brasileira

Autor(a): NekoYasha


Volume 3

Capítulo 104: Perguntas Ao Aroma De Camélia

Estava de volta ao interior do pequeno templo, sentado em frente a uma xícara de Camélia quente. O vapor tomava conta do pequeno cômodo, pois as pessoas ao seu redor também possuíam um recipiente semelhante.

Hime, a mulher de cabelos loiros, convidou todos a uma pausa para o chá, onde prometeu explicar toda situação ao jovem. Lou Souen mantinha-se em uma postura ereta, com os olhos inexpressivos fixos em Kurone.

Lou Xhien não ficou de joelhos, mas também tinham uma postura nobre. Hime estava deitada em uma posição desleixada, com a cabeça apoiada sobre o braço direito. A espada repousava no canto da parede, abaixo de uma máscara de ogro.

— Primeiro as apresentações, apesar de eu achar desnecessário, certo, Kurone Nakano? — disse a mulher loira após uma golada de chá audível.

O jovem ficou inquieto após escutar ela citar o nome de Annie, sabia que ela não se referia àquela deusa maluca de Eragon.

— Ela é a princesa Lou Xhien Li. — Apontou para a menina de cabelos rosas e olhos verdes — A outra é a sacerdotisa Lou Souen Eiai. — olhou para a mulher de cabelos negros — E eu sou Hime — finalizou apontando o dedo para a própria cabeça.

Os nomes das duas primeiras eram bem próximos aos chineses do seu mundo, no entanto “Hime” era japonês. A última pessoa que se referiu a ele como “conterrâneo” foi Inri, a sacerdotisa chefe de Andeavor e também uma reencarnada.

Pelos olhos maliciosos, aquela mulher tinha ciência da quantidade de informações obtidas pelo garoto, por isso não entraria em assuntos triviais como “onde estamos” ou “você estava morto”.

— Sanarei suas maiores dúvidas, mas não vou garantir que contarei toda a verdade. Deixaremos o jogo de perguntas mais interessante com a seguinte regra: pode perguntar o que quiser, mas você só tem direito a cinco perguntas — explicou em um sorriso maligno.

— Tô no lucro, normalmente não me explicam nada, só vou saber a verdade na hora da morte.

[Pense bem no que vai perguntar, eu consigo dizer se ela está mentindo ou não, mas isso não será muito útil já que ela disse que tem direito a mentir.]

“Pode deixar, Nie. Primeiro…”

— Quem me trouxe até aqui?

— Eu — ela respondeu antes do jovem terminar a sentença. — Você tem quatro perguntas restantes.

[É verdade.]

— Como você me trouxe aqui?

— Tem certeza que quer desperdiçar uma pergunta assim? Eu posso dizer simplesmente que te trouxe, não irá contra as regras do nosso joguinho.  Pode reformular se quiser.

— Como você me trouxe aqui? — repetiu com os olhos cerrados. Pensou que poderia lidar com ela, mas Hime não parecia estar do lado de Lou Souen e Xhien pelo olhar hostil delas.

— É mais inteligente do que eu pensei. Trouxe você aqui com o Orbe Rosa, deseja desperdiçar a terceira pergunta para saber o que é?

[Ela não mentiu.]

“Eu esperava outra resposta, mas ok, vamos seguir, não posso desperdiçar minhas perguntas assim. De qualquer forma, eu prometi ajudar, então perguntas sobre como sair daqui vão ficar de lado por ora.”

Kurone tomou um pouco do chá antes de continuar. O líquido verde o obrigou a apreciar aquele sabor de olhos fechados, contudo não conseguia baixar mesmo se tentasse, o corpo reconhecia inconscientemente a posição de predador da mulher à frente. Ela tinha segundas intenções, diferente das outras duas.

— Por que me trouxe até aqui? Podia ter me deixado morrer em Eragon.

— Porque eu sabia que você não ia morrer, também sabia que ia salvar a Annie. Vocês nos serão úteis. Não precisa ficar surpreso, basta olhar para sua cara, não se viu no espelho ainda? Tem um ali.

O jovem correu até a direção apontada e parou em frente a um grande espelho com moldura de dragão dourada. Um enorme rubi vermelho adornava a parte superior do objeto, no entanto, o que surpreendeu o garoto foi o seu reflexo.

O quimono branco de mangas curtas estava sujo por ter caído no chão há pouco, mas isso era o de menos. O mais impressionante era o seu rosto. Tocou o queixo lentamente com a mão artificial para ter certeza se era o seu.

Era quase o mesmo, porém estava mais bonito e fino, os olhos por baixo da franja também brilhavam com vida. Porém, o mais notável era o seu cabelo sedoso. Diversos fios estranhos espalhavam-se pela cabeça, criando mechas brancas como aquelas do cabelo de Annie.

[Provavelmente é um efeito colateral do pacto.]

— Ficou mais bonitinho, não foi? — provocou Hime enchendo a xícara com o conteúdo verde novamente. — De qualquer forma, você ainda tem duas perguntas.

Suspirou antes de continuar. Por sorte apenas o rosto foi afetado pelo pacto com a deusa, ficaria preocupado se os seios também começassem a crescer, se bem que Annie não tinha muito deles.

[Hmmm… não tinha reparado nisso, mas você é bem assanhado.]

“Vamos voltar ao interrogatório!” Ele retornou até a mesa e fez a quarta pergunta:

— O que tá acontecendo aqui? — Era a pergunta que queria fazer desde o início.

Aquela ilha tinha o dobro do tamanho da capital, mas sentiu apenas duas presenças, excluindo a de Lou Souen, quando saiu mais cedo. Algo estava errado.

Podia supor que a peça principal naquele problema era Lou Xhien Li, Lou Souen parecia ser apenas uma serva da princesa. “Princesa do quê exatamente?”

— Há alguns meses, — começou Hime — as ilhas de Lou Xhien foram tomadas por um Arquiduque do Inferno. Ele sequestrou todas as garotas artificiais das ilhas e as reuniu na ilha principal, Lou Xhien Pi’yan. Só a Deusa sabe o que ela está fazendo com elas lá.

[Que coisa terrível!]

“Caraca, sequestro…”

Novamente sequestro. Ainda carregava a culpa de não ter salvo a 17º garotinha raptada em Grain. O golpe final foi saber que o corpo da menina, morta pela própria Rory, estava em posse de Edward Soul Za agora.

— Esse é o verdadeiro motivo pelo qual te trouxe aqui. Não posso parar o Arquiduque, mas você pode. Se não for rápido o suficiente para matar Asmodeus di Laplace, seja o suficiente para matar todas as garotas artificiais sequestradas por ele.

[Isso é ainda mais terrível!]

— Um massacre a inocentes!? Pirou?!

— Pode parecer uma ideia horripilante, mas prefiro isso a saber que aquelas pobres garotas estão sendo abusadas pelo desgraçado. Imagine o quanto elas estão sofrendo. Se pudesse, eu faria esse papel de “pai da Virgínia” e carregaria esse pecado pela eternidade, mas infelizmente não posso.

— Compartilho de mesma opinião, — falou Lou Souen — não sinto o que chamam de “empatia”, mas segundo o senso comum humano, é errado sequestrar e obrigar alguém a fazer algo que não quer. O poder de um Arquiduque é muito para um humano, então o mais lógico é matar todas para que possam descansar em paz.

Kurone ficou sem palavras. Acordou há poucas horas e lhe atribuíram a tarefa de cometer uma chacina. Por mais que as palavras delas fizessem sentido, ele não apoiava aquilo, tinha que ter outro jeito.

Lou Souen e Hime pareciam estar decididas, mas Lou Xhien não se pronunciou, manteve a cabeça baixa, encarando a xícara de chá, por todo o tempo.

O jovem cerrou os punhos com vontade. Em nenhum momento Hime falou “sou fraca”, apenas “não posso”. Ela realmente tinha segundas intenções ali, mas não ligava para isso. Ver Lou Xhien daquela maneira o fazia repensar a imagem que tinha dela.

Normalmente, pessoas usavam a máscara de durão ou tsundere para esconder suas dores, era assim com o Kurone do fundamental e Rory, só assim podiam seguir em frente sem terem o espírito dilacerado.

Ele finalizou o conteúdo do chá em uma única golada e bateu a xícara com força na mesa antes de falar:

— Eu vou ajudar. Como falei, Kurone Nakano não sai sem pagar sua dívida. Garanto que a única pessoa que vai morrer é o tal Arquiduque.

Lou Souen e Hime olharam confusas para ele. Definitivamente o jovem não era a mais racional das pessoas, tomava suas ações baseadas nas emoções, mas dessa vez ele e Annie concordavam que a decisão irracional era a melhor. 

— Ha! Fiz bem em lhe trazer até aqui — Hime disse dando uma gargalhada. — Mas você não pode enfrentar o demônio assim, senão o resultado será o mesmo de Eragon. Seu trinamento começará assim que estiver com o braço melhor, com a ajuda de Lou Xhien Li você vai se recuperar rapidinho. Você ainda tem direito a uma pergunta.

— Não vou usar por enquanto, tem muitas coisas que preciso saber, mas quero pensar bem antes de perguntar.

— Como desejar, apesar de estar do seu lado, eu não posso falar muito… Enfim, é melhor ir dormir para começar seu tratamento amanhã.

Kurone olhou para aquele cômodo. Não parecia ter um quarto de visitas, porém Lou Souen falou algo sobre ali ser apenas o seu templo de meditação.

— Não se preocupe, você vai ficar no templo principal, lá embaixo — explicou Hime ficando de pé e apanhando sua nodachi.

— Ele é um plebeu, pode dormir em qualquer lugar, mas como suas atitudes me agradaram hoje, permitirei que ele durma lá. — Lou Xhien levantou e seguiu a mulher loira. Ela não havia tocado no chá.

Quando saíram do templo, a enorme lua brilhante reinava no céu noturno. O vento gelado ainda era agradável. Não notou até o momento, mas aquela lua estava verde. Apesar daquele ser outro mundo, recordava-se do astro ser semelhante ao da Terra.

— Ei, plebeu com cara de bobo, vamos logo! — Lou Xhien, próxima ao torii vermelho, chamou a sua atenção estendendo a mão.

Não aparentava ter qualquer mudança, mas seus olhos verdes tinham mais vida, era isso que Kurone gostava de ver. 

Naquele mundo, pessoas como ela precisavam assumir postos altos muito jovens, jogando um fardo muito pesado em suas costas. Ainda lembrava dos olhos marejados de Elisabella Andeavor, uma menina como ela.

Não poderia tirar esse peso das suas costas, mas tentaria diminuir, carregando metade consigo. Se fosse preciso matar todas as garotas sequestradas, não hesitaria em aceitar a culpa, mas dessa vez não falharia com a sua promessa.

“Afinal de contas, eu tenho você, não é, Annie?”

[Sim! E-ei… olha… você tem a minha permissão, pode me chamar de “Nie”… se quiser, claro.]

Ahh, essa sua voz tímida é um alívio para minha alma cansada!” Ele olhou uma última vez para a lua verde e suspirou antes de atravessar o portão vermelho e descer as escadas.



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